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Sábado, 28 Mai 2016 06:35 Última modificação em Terça, 31 Mai 2016 22:28

Os "afro-indígenas" e o racismo

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País: Brasil / Antifascismo e anti-racismo / Fonte: Diário Liberdade

[Norberto Liberator Neto] A discriminação ignorante de quem desconhece o longo processo de miscigenação dos indígenas.

“E isso lá é índio?”, “esse negão não é índio”, “onde que esse pardo aí é índio?”. Estes são alguns dos comentários recorrentes em matérias ou vídeos sobre comunidades indígenas como os tupinambás de Olivença e os atikuns, povos que possuem fenótipo mais próximo ao dos negros do que ao mais comum entre indígenas. Grande parte deles não tem cabelos lisos, rostos arredondados e olhos puxados. Isto os tornaria não indígenas?

Para responder a tal pergunta, é necessário um pouco de conhecimento histórico. Muitos que atacam tais populações dizem ser a favor da demarcação das terras do que consideram “índios de verdade”. Para estas pessoas, o que define alguém como indígena são as características físicas. Na verdade, mais do que biótipo, os traços culturais devem ser mais levados em conta neste caso. Se recorrermos à história, notaremos que, durante o período escravagista, muitos dos negros que fugiam e formavam comunidades quilombolas acabavam unindo-se aos índios que viviam nas matas. Esta união resultou em um processo de miscigenação entre indígenas e negros, ou seja, boa parte das comunidades atuais acabam sendo, de alguma forma, indígenas e quilombolas ao mesmo tempo.

Outro problema é a aculturação. Desde a era colonial, houve um longo processo de adaptação dos índios aos costumes dos brancos. Até os idiomas originários chegaram a ser proibidos. Só na Constituição de 1988 que os povos indígenas tiveram os direitos à escola específica e à autodeterminação garantidos por lei. Além disto, houve inúmeros estupros contra mulheres indígenas, fazendo com que crianças nascessem com características físicas europeias. O que faz com que etnias como os tupinambás e os atikuns ainda identifiquem-se como indígenas, carregando o nome de um povo ancestral, é que seus laços culturais ainda estão conectados com tal povo. Seus rituais, sua cosmovisão e o modelo de funcionamento de sua sociedade, além da ascendência sanguínea, são os principais itens que os caracterizam como membros destas etnias.

Não é à toa que os estados onde há mais etnias indígenas pouco miscigenadas, onde ainda se preservam línguas nativas e traços físicos característicos, são as regiões onde a sociedade branca desenvolveu-se mais tardiamente, sobretudo do norte e centro-oeste. Os tupinambás da Bahia, ao contrário, foram o primeiro povo nativo a entrar em contato com o europeu. Seria óbvio raciocinar que perderiam características peculiares, ao longo de mais de 500 anos. Em Mato Grosso do Sul, por exemplo, a maioria dos povos só foi conhecer os brancos no período entre a Guerra do Paraguai (1864-70) e a década de 1930.

Os laços com os negros africanos são tão fortes, que a umbanda possui entidades identificadas como indígenas. O caboclo é um espírito ameríndio, que possui cocar e pinturas pelo corpo. Boa parte das danças e pontos (canções) tem origem nos rituais xamânicos de pajelança. Isto é resultado do hibridismo entre as culturas, que se reflete no sincretismo religioso. Não à toa, muitas aldeias possuem pais de santo e seus moradores seguem religiões afro-brasileiras. A própria cultura nordestina carrega muito de tal mistura. Há quem diga, em paráfrase a Euclides da Cunha, que “o sertanejo é, antes de tudo, um índio”. O cangaceiro, honorável bandido do sertão, é um resultado da miscigenação entre o indígena da selva, o quilombola que se abriga na aldeia e o branco que a pilha, estuprando mulheres do local. O tema é posto por Carlos Estevão de Oliveira, que em 1942 declara que “o fator principal da resistência de nossos sertanejos deve ser procurado nos elementos étnicos que povoavam o sertão do nordeste, na época de seu desbravamento”.

Discriminar indígenas que possuem traços afro-brasileiros é uma prática cruel e estúpida, que ignora o contexto histórico-social que envolve o que poderíamos chamar de povos afro-indígenas. Ela se revela em diversos momentos da história, como quando, na década de 30, autoridades baianas ligadas ao integralismo perseguiram o caboclo Marcelino, liderança tupinambá. Eles o acusaram de não ser indígena, por não se parecer com os índios dos tempos de Cabral, além de ser tachado de “comunista” por comandar uma comunidade onde todos dividiam os bens igualmente. Ela remete a uma outra crítica ignorante – a de que indígenas deixam de sê-lo ao possuir celulares e outros aparelhos eletrônicos. Se assim fosse, como diz o professor Edson Kayapó, o não indígena deveria ser proibido de comer mandioca, mamão, deitar-se em redes, tomar banho todos os dias e até de utilizar o nome “Brasil”, como outras características vindas dos povos tradicionais.

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