Mas os povos indígenas brasileiros não querem apenas ser “lembrados” uma vez por ano. Em torno desta data, de 24 a 28 de abril, será erguido, em Brasília, o Acampamento Terra Livre com a expectativa de reunir mais de 1.500 lideranças de todo o país. Esta mobilização acontece como resposta a uma grande ofensiva contra direitos históricos das populações tradicionais promovida pelos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário. O lema do acampamento é “Unificar as lutas em defesa do Brasil indígena”. A ação é organizada pela Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
Durante os dias do acampamento acontecerão marchas, atos públicos, audiências com autoridades dos três poderes, debates, palestras, grupos de discussão e atividades culturais. Alguns dos temas pautados são: suspensão das demarcações indígenas; enfraquecimento das instituições e políticas públicas indigenistas; iniciativas legislativas anti-indígenas que tramitam no Congresso; “Marco Temporal”, pelo qual só devem ser consideradas terras indígenas as áreas que estavam de posse de comunidades indígenas na data da promulgação da Constituição Federal (5/10/1988); empreendimentos que impactam negativamente os territórios indígenas; precarização da saúde e educação indígenas diferenciadas; negação do acesso à Justiça; criminalização das lideranças indígenas.
Ministro da Justiça é ruralista e anti-indígena
O novo titular do Ministério da Justiça, Osmar Serraglio (PMDB-PR), empossado no dia 7 de março, foi um dos mais atuantes deputados federais da bancada ruralista, declaradamente racista, da região Sul do país, defensor da PEC 215/00, que trata das demarcações de terras. Presidiu, em 2016, a Comissão de Constituição e Justiça quando aconteceu a cassação do mandato de Eduardo Cunha, porém sempre foi membro da tropa de choque do ex-parlamentar. Dias depois de sua posse, declarou que “terra não enche a barriga de ninguém”. Em outras palavras: “não é de terra que os índios precisam”.
“Essa declaração mostra a ignorância dele sobre a questão indígena. Deveria saber que os indígenas têm um modo de vida que depende da garantia territorial, como prevê a Constituição. Sem a terra, é impossível. Isso mostra o tamanho do desrespeito dele para com a cultura, a tradição dos povos originários”, declarou Sônia Bone, 43 anos, da tribo Guajajara, do Maranhão, e uma das coordenadoras nacionais da Apib.
No Congresso Nacional existem mais de 180 medidas anti-indígenas que visam a retroceder ou suprimir direitos. Dessas, 19 dizem respeito diretamente à flexibilização do licenciamento ambiental para facilitar a implantação de hidrelétricas, para expansão do agronegócio, da pecuária, ou seja, para facilitar o acesso do capital aos territórios indígenas. Atualmente, 13% do território nacional é terra indígena regularizada.
Sobre a questão territorial, Sônia ainda levanta outro aspecto: “Poucos têm a consciência de que esses territórios não só proporcionam a manutenção do modo de vida indígena como também proporcionam o equilíbrio ambiental, climático, o regime de chuvas, preservam as nascentes, a qualidade do ar. Tudo isso é protegido com nosso próprio modo natural de viver. E o benefício não fica só para nós, fica para todo mundo. Isso garante a vida no planeta. Se não fossem os territórios indígenas, o Brasil já seria um verdadeiro deserto”.
O Brasil tem cerca de 230 povos indígenas, que falam cerca de 180 línguas. Cada etnia tem sua identidade, rituais, modo de vestir e de se organizar. Somente no Mato Grosso há 42 etnias identificadas, o que significa uma população superior a 28 mil indígenas. Do total de 207 milhões de brasileiros, menos de 0,5% são índios.
Rafael Freire, jornalista