O gráfico abaixo revela em número o nível de investimentos em relação ao PIB:
Fonte: elaborado pelo professor João Sicsú do IE/UFRJ, baseado em dados do IBGE.
Já este gráfico mostra o volume de investimentos da Petrobrás por setor:
Os impactos da crise de 2008, portanto, merecem ser compreendidos do ponto de vista da forma política do Estado brasileiro, junto a um conjunto de outros elementos que compõe a realidade concreta do capitalismo dependente brasileiro. Por ora, esse apanhado geral será feito para introduzir a questão da crise de 2008, sua contenção em curto prazo com políticas de investimento feitas pelo Governo Lula, e seu impacto futuro no desenvolvimento nacional e na forma política exemplificada pela necessidade de reorganização do Estado para a realização das reformas capitalistas, no sentido de garantir a manutenção da taxa de lucro do capital financeiro, este entendido enquanto a junção do capital industrial com o capital bancário, marco da fase superior do capitalismo.
O projeto petista foi o Projeto Democrático Popular, e como bem ressalta a Escola Nacional de Formação do PT, foi o fundamento dos programas nacionais de Lula desde 1989. O objetivo fundamental do projeto petista era realizar as essenciais reformas de base através da via eleitoral e, rejeitar explicitamente, como citado em documento da Fundação Perseu Abramo, intitulado “Por um projeto democrático e popular”, o que foi chamado de duas vias de luta “historicamente fracassadas” pelo socialismo:
“A primeira, seria atuar apenas por fora da institucionalidade, ou tomando-a como mero espaço de denúncia e propaganda. A outra, seria submeter-se à lógica do capitalismo e apostar numa ação restrita ao espaço institucional vigente. O PT reafirma, assim, que a luta por um governo democrático e popular e a possibilidade de conquistá-lo, a partir de uma base popular e de uma maioria eleitoral, são um objetivo estratégico, entendido como expressão atual de um governo com hegemonia dos trabalhadores, voltado para atender às necessidades concretas do povo e na perspectiva do socialismo.”
O que se mostrou historicamente fracassado foi justamente o projeto democrático popular. O Partido dos Trabalhadores optou pela concessão de direitos em nome da governabilidade e pela disputa prioritária do espaço eleitoral, e à medida que foram feitas várias concessões de direitos e garantia de interesses da burguesia, o governo petista criou uma política de alianças de maneira a colocar uma figura como Michel Temer na chapa presidencial. Os governos petistas também tiveram a presença de figuras como Kátia Abreu no Ministério da Agricultura, conhecida defensora do latifúndio e do agronegócio brasileiro, Moreira Franco na Aviação Civil, Eliseu Padilha substituindo Moreira Franco (e atual Ministro Chefe da Casa Civil), Gilberto Kassab no Ministério das Cidades, Joaquim Levy como Ministro da Fazenda, Romero Jucá no Ministério da Previdência Social e Geddel Vieira Lima como Ministro da Integração Nacional. Para além disso, a presidência do Banco Central foi de 2003 até 2011 de Henrique Meirelles, atual Ministro da Fazenda e principal articulador das Reformas do Estado.
Não podemos esquecer também da criação da Força Nacional de Segurança Pública, a principal força que compõe o aparelho de repressão do Estado brasileiro no que tange à repressão de quilombolas e povos indígenas, através do decreto nº 9.289 de 2004 e do decreto que autorizou a ocupação militar do Complexo da Maré, no Rio de Janeiro, além da operação de ocupação do Complexo do Alemão, também no Rio de Janeiro.
Segundo trecho retirado do artigo da Anistia Internacional intitulado “A ocupação militar no complexo da Maré”, podemos compreender mais como se deu o processo de ocupações militares por forças federais nas periferias do Rio:
“A relação da polícia com os moradores da Maré tem sido marcada por abusos e violências, consequência de uma abordagem voltada para a “guerra” ao tráfico que criminaliza o conjunto da comunidade, em especial os jovens negros.”
Em outro trecho, citando a ocupação no Complexo do Alemão, encontramos:
“Em junho de 2007, a operação no Complexo do Alemão, com o apoio da Força Nacional, resultou em 19 mortes de cidadãos em confronto com as forças de segurança, algumas com indícios de execuções sumárias e arbitrárias, de acordo com parecer elaborado por peritos independentes. Em junho de 2008, militares do Exército que faziam a vigilância de um projeto federal no Morro da Providência, foram responsáveis pela morte de três jovens, entregues pelos próprios militares a uma facção criminosa.”
Mesmo quando implementou medidas que de maneira imediata, permitiu o acesso de diversos estudantes de baixa renda nas universidades, como Fundo de Financiamento Estudantil (FIES), o Programa Universidade Para Todos (PROUNI) e Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (PRONATEC) preferiu fazê-las por via do enriquecimento da iniciativa privada, vide o enriquecimento da Kroton-Anhanguera, 17ª maior empresa do BOVESPA e que lucrou 286 milhões R$. Segundo a própria empresa em reportagem ao G1 intitulada “Lucro da Kroton mais que dobra no 2º trimestre”:
“o efeito da regularização de matrículas e rematrículas relacionadas à contratação do programa de financiamento estudantil FIES e o aumento do valor médio de mensalidades, assim como a receita advinda do Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec)”
Além disso, o índice de inadimplência do ensino superior em 2015, segundo o Sindicato das Mantenedoras do Ensino Superior (SEMESP) foi o maior índice em 5 anos. Mesmo no que tange à democratização da informação, pauta que o PT teve a oportunidade de capitanear nos anos em que esteve no controle do aparelho de Estado, o PT não assumiu uma face inovadora. Na verdade, segundo a reportagem da Carta Capital intitulada “Publicidade federal: Globo recebeu 6,2 bilhões dos Governos Lula e Dilma”:
“a Rede Globo e as cinco emissoras de sua propriedade teriam recebido R$ 6,2 bilhões em publicidade federal durante os últimos doze anos de governo petista. A segunda maior verba foi destinada à Record: R$ 2 bilhões. De 2003 a 2014, o SBT recebeu R$ 1,6 bi, a Band, R$ 1 bi e a Rede TV! ficou com R$ 408 milhões.
Já em outro trecho da mesma entrevista, encontramos:
“O meio Internet é o segundo que mais recebe dinheiro para publicidade estatal do governo. O maior portal do país, o UOL, que pertence ao Grupo Folha e recebeu 39,8 milhões de visitantes únicos em dezembro de 2014, teve R$ 14,7 milhões de faturamento. Já o G1 e o portal Globo.com que, somados, tiveram uma audiência de 34,1 milhões de visitantes únicos em dezembro de 2014, receberam R$ 13,5 milhões de verbas federais de publicidade nesse ano. O Terra e o R7 receberam 9 e 6 milhões de reais respectivamente.”
Mais adiante, temos também:
“A versão digital desses impressos que mais recebeu verba em 2014 foi o jornal O Estado de S. Paulo, seguido por O Globo, com R$ 2,7 mi e R$ 2,4, respectivamente. A Folha de S. Paulo recebeu R$ 2,1 +milhões e o Valor recebeu R$ 288 mil, apenas 10,5% do valor destinado ao Estadão.
Entre as revistas, a semanal Veja recebeu R$ 19,9 milhões --o ano em que recebeu mais foi 2009, quando o governo federal lhe destinou R$ 43,7 milhões. No total, a revista já recebeu R$ 370,9 mi de Dilma e Lula. Abaixo dela vem a Época, com R$ 168, 4 mi, a IstoÉ, com R$ 145,4 mi e a CartaCapital recebeu R$ 61 mi, 16,4% do destinado à Veja.
Somando as verbas da publicidade feita por empresas estatais, Veja recebeu mais de R$ 700 milhões nos governos Lula e Dilma.”
O fracasso do projeto petista foi dado por uma impossibilidade de compreender que a burguesia brasileira é uma burguesia interna, submissa aos interesses do capital internacional e sem um projeto nacional. Uma burguesia cujo objetivo é garantir a superexploração da força de trabalho, ou seja, o pagamento de um valor abaixo do valor real da força de trabalho. Essa diferença pode ser vista na tabela do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (DIEESE). Mesmo com a política de elevação do salário mínimo, ele nunca chegou próximo de corresponder ao salário mínimo necessário para a sobrevivência do trabalhador. Mesmo seu principal programa de ampliação do consumo, o Bolsa Família, só correspondia a aproximadamente 0,4% do Produto Interno Bruto (PIB), enquanto a dívida pública consumia quase 50% da arrecadação total do Estado brasileiro. Dívida pública essa que, como revelam os dados da Auditoria Cidadã da Dívida, cresceu muito nos governos petistas. O gráfico seguinte revela a porcentagem da dívida pública no orçamento do Estado brasileiro:
Um trecho de notícia do Portal Uol intitulada “Dilma veta auditoria da dívida pública proposta pelo PSOL” revela:
“Nesta quinta-feira, uma consulta ao site do Senado de acompanhamento do Orçamento mostra que o gasto com a dívida pública no ano passado foi 25 vezes maior que o total de investimentos feitos pelo governo federal. O sistema do Senado aponta um gasto de R$ 962 bilhões com a dívida, ante R$ 38 bilhões em investimentos.”
Na mesma entrevista, é divulgado o veto da presidente Dilma Roussef à auditoria da dívida pública. Esse foi o verdadeiro produto da conciliação de classes do projeto petista. Ao passo que mantinha Kátia Abreu e o Movimento Sem Terra em sua base, o PT viu o MST declarar através de Alexandre Conceição da sua coordenação nacional:
“"Ela está negando sua própria existência porque ela é uma latifundiária clássica”
Essa afirmação veio logo após a declaração de Kátia Abreu na Folha de São Paulo afirmando que o latifúndio não existe mais. Segundo trecho de reportagem da Carta Capital intitulada “o Brasil tem latinfúndios: 70 mil deles”:
“Apenas no governo Lula (2003-2010), os latifúndios ganharam 100 milhões de hectares. Com isso, em 2010, as terras improdutivas representavam 40% das grandes propriedades rurais brasileiras, segundo dados do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Ao todo, 228 milhões de hectares estão abandonados ou produzem abaixo da capacidade, o que os torna sem função social e, portanto, aptos para a reforma agrária de acordo com a Constituição.”
Deste modo, cai-se por terra a tese do Partido dos Trabalhadores de que a conciliação de classe é uma pauta possível na autocracia burguesa brasileira. Na educação, enriqueceu aos bancos, na mídia, favoreceu aos oligopólios, na terra, favoreceu aos latifúndios. No congresso, se aliou aos que hoje são grandes articuladores do golpe.
Entretanto, os impactos da crise de 2008 (sobre a qual começamos falando) já eram sentidos no segundo mandato de Dilma Roussef. O aumento no nível de desemprego, como mostra o gráfico:
E também pela redução da utilização da capacidade instalada, revelada no gráfico:
Durante o segundo mandato da presidente Dilma Roussef, o Brasil viveu um conjunto de mobilizações de setores à esquerda contra o aumento do latifúndio, já que, como revela o gráfico feito pelo site Povos Indígenas no Brasil a partir dos dados da Fundação Nacional do Índio, a presidente Dilma Roussef foi a que menos demarcou terras desde José Sarney:
Para além disso, apesar de as organizações de juventude ligadas ao governismo ficarem divididas entre a sabotagem das mobilizações de greve e um apoio envergonhado, fato é, como revela trecho da reportagem do El País intitulada “Sem aulas e dinheiro, universidades são nova faceta da crise no Brasil”:
“Nos primeiros dois meses de 2015, o Ministério da Educação (MEC) reduziu em um terço o repasse da verba das universidades federais. Somente a partir de março, os repasses passaram a ser der de 1/12 do orçamento previsto para as instituições, o que dificultou o pagamento de serviços e contas das instituições.
No entanto, novos cortes no orçamentos estão sendo discutidos nesta semana. A presidente Dilma Rousseff, que se reuniu nesta segunda-feira com ministros e líderes do Governo no Congresso para tratar do tema, tem até sexta-feira para definir os valores do corte de gastos por área. No domingo, em uma reunião preparatória, Dilma teria sido informada pela equipe econômica que o congelamento de gastos não deve ficar abaixo de 70 bilhões de reais para atingir a meta fiscal.”
Ou seja, o governo petista começou o processo de ajuste fiscal e assistiu ao esgotamento da política de conciliação de classes que, vale lembrar, nunca significou nada além de um apassivamento desta luta, com a vitória inequívoca do capital sobre o trabalho. O ajuste fiscal configurou uma necessidade de reorganização da forma política no Brasil. O “presidencialismo de coalizão” já não mais explica, se é que algum dia explicou, o fenômeno do impeachment da presidente Dilma Roussef. Em um processo marcado por uma forte articulação entre o judiciário, os delegados da Polícia Federal (através da ADPF) e a oposição, o processo de impeachment significou uma nova fase da forma política brasileira, em que houve um processo de aprofundamento das medidas de ajuste fiscal traduzidas nas Reformas Trabalhista, Previdenciária e Educacional. Todas essas Reformas são na verdade um aprofundamento do caráter dependente do capitalismo brasileiro. Enquanto as articulações durante o processo de impeachment da presidente Dilma se davam, sobretudo, através do legislativo liderado por Eduardo Cunha e do judiciário liderado por Sérgio Moro, na sociedade civil os partidos políticos de oposição atuavam junto aos movimentos à direita, como o Movimento Brasil Livre, produzindo uma disputa hegemônica no sentido de fomentar uma base popular constituída pelas camadas médias mas que refletia no proletariado brasileiro, afetado pelo desemprego, para o impeachment da presidente Dilma Roussef. Para além deles, os meios de mídia como a Rede Globo e a Revista Veja, curiosamente meios que receberam financiamento estatal ao longo de todos os governos petistas, se articularam também para criar justificativas para legitimar não apenas o impeachment da presidente, mas a imposição de um projeto com o objetivo de aprofundar a dependência no Brasil. O próprio discurso em torno do combate à corrupção se revelou uma farsa, sobretudo a partir das recentes delações premiadas que afetaram Aécio Neves, candidato derrotado nas urnas e o presidente interino Michel Temer, substituto de Dilma e um dos principais articuladores do golpe.
O afastado Ministro das Relações Exteriores, José Serra foi o principal propositor de um projeto "desobriga" a Petrobrás a ser a operadora única e ter participação mínima de 30% na exploração da camada do pré-sal. Esse projeto venceu no Senado por 40 votos a favor, 26 contra e 2 abstenções em fevereiro desse ano, quando ele nem era ministro ainda e teve participação ativa também de Romero Jucá. Além disso, a Odebrecht que José Serra recebeu 23 milhões via caixa dois, planeja vender a MECTRON, uma empresa que desenvolve e fabrica soluções para mísseis e sistemas eletrônicos de vigilância para uma empresa israelense, país que é principal aliado internacional dos Estados Unidos, a ELBIT Systems. O golpe se deu porque, fundamentalmente, apesar da articulação do governo petista com o capital, não era possível que o governo Dilma realizasse as reformas necessárias para o desenvolvimento do subdesenvolvimento brasileiro, tendo em vista que as bases sociais que ainda disputavam o PT cobravam internamente e externamente uma posição diferente do partido. Além disso, a ilegitimidade do governo de Michel Temer joga a seu favor, como o próprio presidente declarou em entrevista à Folha de São Paulo, cujo título resume sua declaração:
“ 'Aproveito impopularidade para tomar medidas necessárias', diz Temer “
Retiro aqui também trecho de outro artigo que escrevi no Diário Liberdade, intitulado “A vitimologia da dependência”, com o objetivo de sintetizar as articulações institucionais de Michel Temer:
“O interino foi denunciado pelo Wikileaks, que o acusa de em 2006 ter trabalhado como informante da Agência Central de Inteligência (CIA), enquanto era deputado federal. A denúncia é assentada em uma série de telegramas divulgados pelo Wikileaks em que o cônsul-geral norte-americano Christopher J. McMullen recebe informações estratégicas de Michel Temer, relacionadas inclusive com o governo de Luis Inácio Lula da Silva.
Para conseguir chegar à presidência hoje, a rede que Michel Temer estabeleceu nacionalmente é muito bem estruturada sobretudo por uma peça chave chamada Fernando Francischini, delegado de Polícia Federal e vice-líder do governo na Câmara dos Deputados. Além disso, Francischini é lembrado por ter sido o Secretário de Segurança Pública do Paraná na gestão de Beto Richa e principal mentor da repressão vergonhosa aos professores da rede estadual de ensino.
As reportagens da Folha de São Paulo, do blog “O Antagonista”, e do Jornal GGN apontam que o papel de Francischini no governo Temer foi necessariamente articular dentro do Departamento de Polícia Federal, junto à categoria dos delegados, os vazamentos seletivos de informação que prejudicaram a base do governo Dilma.
O esquema parece funcionar da seguinte forma: os delegados se utilizam das investigações do Departamento de Polícia Federal para obter informações sigilosas e consideradas estratégicas para a categoria dos delegados, e a partir dessas informações sigilosas chantageiam os deputados e senadores para que eles aprovem projetos de lei que beneficiam os delegados. Pode-se tomar como exemplo a MP 657, que restringia o cargo de diretor-geral do Departamento de Polícia Federal apenas aos delegados, e que, para ser aprovada, contou com o vazamento de parte da delação premiada de Alberto Youssef, o que direcionou a base do Partido dos Trabalhadores no sentido de aprovação da MP após longa pressão.
Vale lembrar da declaração de Francischini feita na reportagem da Folha de São Paulo intitulada “Dilma assina medida provisória pró delegados e aumenta a tensão na PF” em que o delegado afirma publicamente que “colocou o governo de joelhos”, logo após a aprovação da MP, declaração que denuncia a participação direta do governo aos interesses dos delegados. Outras mídias, como na reportagem do GGN intitulada “Como os delegados da PF colocaram o governo de joelhos” e a reportagem de O Antagonista intitulada “A guerra suja na PF” apontam o funcionamento desse esquema.
Como foi divulgado pela revista Veja, na reportagem “PF x PF: policiais vão pedir a Janot que mantenha investigações contra Humberto Costa” isso também explica como o senador Humberto Costa, mesmo envolvido na Operação Sanguessuga, na Operação Lava Jato e no Mensalão, ainda se mantém solto. Basta olhar a foto dele recebendo medalha junto à Associação dos Delegados de Polícia Federal e entender como essas relações se localizam de maneira intrínseca. Visto isso, a participação desse setor específico da Polícia Federal também contribui para a entrega do Brasil, tendo em vista que há uma relação de blindagem e parceria entre o governo Temer e essa categoria, embora há que se reconhecer que a capacidade de manutenção dos delegados vai além do espaço partidário.”
Entretanto, o capital percebeu que a ilegitimidade de Michel Temer não seria o bastante para lhe dar o poder de conduzir as reformas necessárias. As bases populares desenvolveram sua consciência de classe em si, e perceberam em dada medida que não o patrão é seu inimigo e que as reformas não são o caminho. Mesmo os setores médios e baixos da burocracia, isto é, aqueles mais distantes do núcleo burocrático articulado com o capital, se mobilizaram em torno das reformas.
Não apenas do ponto de vista político, mas sobretudo, do ponto de vista do trabalho, a greve geral foi um sucesso. Segundo as estimativas da Federação do Comércio Local (FecomercioSP) a greve geral de 28 de abril pode ter provocado um impacto de R$ 5 bilhões no faturamento do capital em todo o país. Em trechos retirados de “Estado de Minas”, da reportagem “Greve geral provocou rombo de R$ 5 bi no comércio brasileiro, diz FecomercioSP” as posições do capital diante das reformas que prejudicam os trabalhadores foram muito claras:
“ ‘No momento econômico difícil que o país atravessa, após três anos de recessão, resultando em mais de 14 milhões de desempregados, não são mais admissíveis paralisações que tragam custos às empresas ou dificuldades de deslocamento de trabalhadores’, informou a Fecomercio.’
“ Dos mais de 40 mil estabelecimentos de ensino particular no país, 20% paralisaram as atividades, afirmou o presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares (Fenep), Amabile Pacios. ‘Esse percentual corresponde às escolas filantrópicas que pararam atendendo orientação da CNBB, contra o fim das isenções’, disse Amabile”
“ Nelson Azevedo, primeiro vice-presidente da Fieam, disse que a dificuldade dos industriários para chegar ao trabalho foi provocada pelo bloqueio das principais vias que dão acesso ao bairro onde estão as grandes indústrias. ‘O país precisa dessas reformas urgentemente. Elas são necessárias para a economia do Brasil e o que vemos hoje é mais um movimento político, para fortalecer um determinado partido, do que reivindicações coerentes por estabilidade e credibilidade do país.’ “
Para acompanhar essas reformas e conter a mobilização popular, inevitavelmente o Estado precisa aumentar o seu aparato repressivo como um mecanismo de controle social. Sem romance com uma perspectiva impossível de constituição do Estado Democrático de Direito no Brasil, fica aqui a posição: todo Estado é um Estado de Exceção. Todo Estado, em maior ou menor grau, tem uma classe que sofre com a repressão estatal. No sistema capitalista, esta classe é a trabalhadora. No entanto, embora este seja um aspecto universal do Estado capitalista, no capitalismo dependente brasileiro a sociedade política tem uma forma específica, de maneira que o Estado, para garantir o controle social sob aqueles que sofrem com a superexploração da força de trabalho, necessita de um aparelho repressivo que reproduza garanta a manutenção do poder político, isto é, da dominação à força de uma classe sobre a outra, mas que atue de maneira muito mais extrema que a dos países desenvolvidos, tendo em vista que a condição de superexploração da força de trabalho da classe trabalhadora brasileira a coloca numa posição constante de possibilidade de revolta e mobilização, não à toa a democracia brasileira, assim como de outros países da América Latina, apresenta relativa instabilidade. A burguesia brasileira não é capaz de promover pautas progressistas em nenhum âmbito relacionado ao trabalho, pois se trata de uma burguesia ontologicamente conservadora. A autocracia burguesa brasileira é produto do capitalismo dependente e somente com a superação dessa condição o Brasil poderá ver os desenvolvimento real de suas forças produtivas. Para uma observação desse tema feita à luz do governo atual, reproduzo aqui trecho de artigo de minha autoria também escrito em 2016 no Diário Liberdade, intitulado “A dinâmica institucional do Estado no capitalismo dependente”, em que elenco alguns episódios que aconteceram durante o governo de Michel Temer:
“Em setembro ainda deste ano, um oficial do Exército Brasileiro se infiltrou entre militantes de movimentos sociais em protesto em São Paulo contra o governo de Michel Temer. A ação foi amplamente noticiada pela grande mídia através de canais como O Globo e Folha de S. Paulo e também pela mídia independente através de canais como o Opera Mundi. Em notícia veiculada no site de O Globo, o Exército Brasileiro admitiu realizar operações de inteligência em manifestações de rua. Em notícia veiculada pelo portal DefesaNet, no início de outubro, o Ministro da Defesa Raul Jungmann, do PPS, afirma em entrevista ao BBC Brasil que acha necessário monitorar manifestações, tendo como objetivo "proteger a sociedade, os próprios manifestantes e o Estado". Em dezembro, o canal The Intercept, criado pelo jornalista Glenn Greenwald (amigo pessoal de Edward Snowden) divulgou, através do jornalista Lucas Figueiredo, a notícia de que o Sistema Georreferenciado de Monitoramento e Apoio à Decisão da Presidência da República (GEO-PR), instituído pelo governo Lula em 2005, estava sendo usado como um megabanco de dados para monitorar manifestações e protestos.”
Como revela trecho da reportagem do Portal Uol intitulada “Com Serra, governo Temer tem saída de quase um ministro por mês”:
“Com a saída de José Serra (PSDB-SP) do Ministério das Relações Exteriores, o governo de Michel Temer perde seu oitavo ministro em menos de um ano de mandato. A primeira formação do ministério de Temer foi empossada no dia 12 de maio de 2016, há nove meses. Dessa maneira, a equipe registra uma média de quase uma saída de ministro por mês.”
Além disso, trecho de outra notícia do Portal Uol, intitulada “Quase 1/3 de ministros de Temer são alvo de inquéritos no STF” revela:
“Cerca de um terço dos 28 ministros do presidente Michel Temer (PMDB) será investigado pelo STF (Supremo Tribunal Federal). Nesta terça-feira (11), o ministro do STF Luiz Edson Fachin autorizou a abertura inquérito contra 108 pessoas, entre elas oito ministros de Estado.”
Já em trechos retirados do jornal o Estado de Minas, em notícia mais recente intitulada “Ministros de Temer pedem demissão após pronunciamento do presidente”, temos os seguintes dados:
“O ministro da Cultura e presidente do PPS, deputado Roberto Freire, vai entregar o cargo ao presidente Michel Temer as 17:30h. Neste momento ele está reunido com sua equipe preparando o comunicado oficial. Segundo o líder do PPS na Câmara, deputado Arnaldo Jordy, o minisro da Defesa Raul Jungmann também pediu para sair. O ministro das Cidades, Bruno Araújo (PSDB), também entregou o cargo depois do pronunciamento do presidente Michel Temer (PMDB).”
E também:
“O ministro das Relações Exteriores também estaria com a carta de demissão pronta. O PSB também pediu que o ministro de Minas e Energia Fernando Coelho Filho deixe o governo, por considerar que Temer perdeu a legitimidade. ”
Do ponto de vista da economia, ou seja, estrutura de todo o processo social, temos uma queda acumulada em 4 trimestres que foi de 4,7 percentual:
Fonte: elaborado pelo professor João Sicsú do IE/UFRJ. A seta vermelha representa o crescimento no Governo Lula.
Em artigo na Carta Capital intitulado “Michel Temer derrete a economia e vice-versa”, o professor João Sicsú revela alguns dados interessantes sobre o Governo Temer, que podem ser observados nos seguintes trechos:
“A economia mudou de rota em 2011. Mas hoje está em situação limite, pois as dificuldades econômicas tem se transformado em problemas sociais. Segundo cálculos do Banco Mundial, o desemprego criará em 2017 entre 2,5 milhões e 3,5 milhões de novos pobres no Brasil.“
“Durante o processo de impeachment, o futuro ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, garantia que a confiança dos empresários na economia voltaria quando o golpe fosse consumado. O resultado seria a volta dos investimentos e o crescimento econômico. Nada aconteceu, ao contrário. Os investimentos caíram de forma aguda durante 2016. Despencaram 10,2%.”
“Longe do curandeirismo, Temer tem tomado diversas medidas objetivas, mas que não amenizam os problemas sociais. Ao contrário. Foi suspensa a construção de habitações para a faixa 1 do programa Minha Casa Minha Vida, direcionada àqueles que têm baixa renda e recebem subsídio de 90% do valor do imóvel. É nessa faixa que está o grande déficit habitacional do País, cerca de 4,5 milhões de moradias, ou 84% do déficit”
Outro gráfico revelado pelo professor Sicsú apresenta mais um dado: o comércio varejista brasileiro está negativo.
Fonte: elaborado pelo professor João Sicsú do IE/UFRJ.
Esses dados revelados pelo professor do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro são essenciais para evidenciar o fracasso do Governo Temer. O aprofundamento da dependência veio inevitavelmente associado com um movimento de redução dos investimentos e Reformas do Estado para reduzir o gasto público para a garantia do superávit primário, ou seja, para garantir o pagamento dos juros da dívida pública. O neoliberalismo cresce mundialmente, e com ele os altos índices de desemprego. Como o economista Michel Kalecki revelou em seu artigo “Aspectos Políticos do Pleno Emprego”, uma excelente pesquisa histórica e obra fundamental para qualquer cientista político que se preze, associado ao desemprego está a ascensão de um movimento político conservador, que no caso da Itália e da Alemanha, deram origem ao Fascismo e Nazismo. Não à toa, figuras com o perfil de Jair Bolsonaro, Marine LePen e Donald Trump têm tido certa representação em seus países (sendo que este último já é presidente) e embora muitas ressalvas possam ser feitas às particularidades de cada um, é possível apontar elementos gerais que caracterizam esses três em apenas um grupo: conservadores. Sem dúvidas, com o desenvolvimento das condições de miséria e desemprego que proporciona o projeto do capital, que já percebeu que Michel Temer não é o caminho para implantá-lo, poderá resultar em um processo de ascensão do conservadorismo no Brasil, muito pior do que aquele que se viu nas ruas contra o PT.
Diante desse cenário, sem dúvida o papel imediato dos movimentos populares agora é: fomentar nas bases um processo de disputa de consciência e de consciência de classe. Disputar na base: igrejas, escolas, associações de bairro, universidades, nas ruas. Em todos os espaços. A hegemonia na sociedade civil está em jogo e precisa ser disputada pelos partidos e movimentos de esquerda. Diante da ofensiva do capital, o caminho mais prudente para ocupar todos esses espaços nas bases é a Unidade Aberta, isto é, a constituição de um campo de forças para constituir uma Nova Maioria política capaz de enfrentar as reformas disputando essa hegemonia e caminhar em direção da superação do capital. Devido ao caráter dependente do capitalismo brasileiro, a superação da irracionalidade capitalista não pode se dar através de outra via que não seja o nacionalismo revolucionário. Sem dúvidas, a estratégia fundamental para a superação do capital é a construção do Poder Popular, ou seja, uma dimensão organizativa dos trabalhadores independente do Estado capitalista, que o fará ruir até sua total destruição e a constituição de um Estado cujo Poder Político esteja sob o controle da classe trabalhadora. No entanto, um processo de eleição indireta poderá configurar a instauração de um bonapartismo ou de um governo cujos níveis de repressão sejam próximos ao que se conhece como o bonapartismo. Para além disso, o processo de eleição indireta pode sepultar de vez as lutas contra as reformas. É preciso compreender que enquanto a Greve Geral vai sendo construída e os trabalhadores brasileiros adquirem sua consciência de classe, a burguesia se articula através da via institucional também e é preciso fazer essa disputa com ela em todos os espaços. Deste modo, enquanto a greve geral é uma pauta relacionada à derrubada das reformas e abre portas para a construção de um Poder Popular mais consolidado, a pauta das Diretas Já é uma pauta para fazer essa mesma disputa, ou seja, derrubada das reformas, na via institucional, e também combater a ascensão conservadora, sem desmerecer o papel que tem o Estado para o capital. Uma confusão constante que tem sido feita é achar que há um antagonismo entre as Diretas Já e a Greve Geral, quando esse antagonismo não existe. São duas vias de disputa nas quais uma se apresenta mais imediata que a outra, mas ambas se conectam. As pautas das Diretas Já, desde que não sejam colocadas a partir do prisma do politicismo vazio e da centralidade da autocracia, são pautas que estão diretamente conectadas com a Greve Geral, no sentido que configuram um caminho pelo qual se pode chegar à Greve Geral. O imediato se impõe diante de nós com uma realidade: as condições ainda precisam ser construídas. O sucesso da greve do dia 28 configurou um salto qualitativo no que tange à consciência de classe dos trabalhadores, mas isso não significa de maneira alguma que os trabalhadores já têm a consciência de classe necessária para fomentar a consolidação de um Poder Popular. Quem acusa aqueles que pautam Diretas Já de politicismo, incorre querendo ou não, no mesmo politicismo que critica e assume uma relação de causalidade equivocada entre o Estado e a burguesia produzida por uma leitura mal feita de Marx e que pretende trazer o Estado do século XIX pra cá. Quando o Estado se transforma em Estado ampliado, isto é, começa a assumir funções reguladoras da vida social incorporando a sociedade civil à sociedade política, ele desenvolve a sua burocracia em diferentes níveis. Enquanto alguns, como os órgãos do judiciário e o legislativo, são mais próximos do capital, outros setores da burocracia são mais distantes do capital e têm feito uma disputa interna para combater as reformas. Podemos, de imediato, destacar os policiais e professores, mas um conjunto de outros setores do funcionalismo público estão mobilizados também. Não há dúvidas de que em última instância, o Estado é sim um administrador dos interesses do capital. Mas à medida que o capital tem o controle do Poder Político na sociedade moderna o exerce através do aparelho de Estado, ela não tem o controle completo deste aparelho de Estado e é nesse aparelho de Estado, isto é, nos indivíduos que compõe essa burocracia, que a autonomia relativa do Estado se localiza. A burocracia é uma classe própria, com interesses próprios. E, assim como os trabalhadores e o capital, têm frações internas com interesses particulares também. De maneira que, apesar de em última instância o capital ser determinante no controle do Estado, o processo não é tão mecânico como se pensa.
O que de fato os movimentos populares não podem perder é a noção de centralidade do trabalho. Enquanto os movimentos que não apresentam a centralidade do trabalho foram engolidos pelo capital, tanto aqueles relacionados às pautas da identidade quanto àqueles associados com as pautas reformistas, aparece nesse momento a necessidade e oportunidade dos movimentos que buscam a superação do capital fincarem suas bases na classe trabalhadora. O trabalho é a categoria ontologicamente fundante do ser social, quando o homem realiza o trabalho, ele realiza altera a natureza e ao alterar a natureza, altera a si mesmo. Diante disso, sobre o trabalho, foram criadas formas de organização do trabalho, a divisão do trabalho, propriedade privadas, classes sociais e quando o antagonismo entre essas classes chegou próximo a constituir a destruição delas, o Estado aparece como aparente mediador. No sistema capitalista, no entanto, não falamos mais do mesmo trabalho. Enquanto aquele significa um trabalho concreto, uma mediação do homem com a natureza, o trabalho no capitalismo é um trabalho abstrato, sob o qual o trabalhador produz um estranhamento. É sob a superação dessa dimensão que estamos falados e é sob este arcabouço que se ergue toda a vida social. O Poder Político é a dominação de uma classe sobre a outra e essa dominação não é possível sem que a classe dominante se aproprie dos frutos do trabalho da classe dominada. Mais que isso, do ponto de vista da forma política, na democracia do capital é imposto ao cidadão (não no sentido da obrigatoriedade) que se vote a cada tantos e tantos anos em alguém lhe agirá contra seus interesses. O capital chama de liberdade um regime no qual um trabalhador não tem direito aos frutos do seu trabalho e chama de igualdade um regime no qual uma classe é constantemente explorada pela outra. Chama de democracia um regime no qual os trabalhadores não têm o controle sob a sua vida social porque não têm o controle sob a produção, e entendem que votar a cada tantos anos para legitimar essa dominação é ser livre. A Ciência Política feita para os trabalhadores deve denunciar esses pressupostos liberais porque eles nunca existiram no Estado moderno, e tampouco podem existir. Assumir a centralidade do trabalho, em termos de política, significa dizer que o direito político fundamental do trabalhador é a liberdade de controlar a sua produção e de poder produzir para a sociedade, para suprir as necessidades humanas. O trabalhador que exerce a política através do voto não tem contato efetivo com a política, ela lhe é estranha como é estranho também o trabalho, seus frutos, sua condição humana.