Por um lado, a crise do capitalismo está a entrar numa fase deflacionária, como afirmam os tweets do ex-Ministro do Tesouro dos EUA, Summers (22 agosto). Uma década de medidas excepcionais, de financiamentos a fundo perdido à banca e de taxas de juro quase nulas, impediram a implosão do sistema financeiro internacional, mas não relançaram o crescimento econômico, nem impediram que a dívida global seja hoje maior do que em 2008. O Financial Times (13.8.19) diz que um quarto dos títulos de dívida de Estados e empresas têm hoje retorno negativo. Estão a secar as fontes de lucro para o grande capital. Por outro lado, altera-se rapidamente a correlação de forças econômicas mundial. Na recente cúpula dos banqueiros de Jackson Hole (EUA), o Governador do Banco da Inglaterra lembra que nos anos 80 as economias emergentes “representavam pouco mais de um terço do PIB global”. Hoje essa quota é de 60% “e estima-se que em 2030 será de cerca de três quartos”. Faltam dez anos para EUA+UE+Japão serem um quarto do PIB mundial.
O discurso do Governador do Banco da Inglaterra não deixa de ser intrigante. Puxando dos galões da City de Londres, “o principal centro financeiro internacional do mundo”, Carney propõe a substituição do dólar como moeda de reserva internacional. Não se trata de coisa pequena. Afirma que o principal candidato para o substituir é [a moeda chinesa] Renmibi, mas prefere outra solução: um “sistema multipolar”, com a criação de uma moeda global digital. Nada de confusões: sob o comando da banca, ou seja, “através duma rede de moedas digitais dos bancos centrais”. Refere por nome a Libra, sem explicitar que é a moeda digital do patrão do Facebook, cujos laços ao “Estado Profundo” dos EUA são bem conhecidos, e sem referir que já se reuniram em maio (BBC, 24.5.19). Carney indica como moedas que sustentariam a divisa “o dólar dos EUA, o euro e a libra”. Não menciona a China.
Entretanto, no seu estilo inconfundível, o Presidente Trump descarregou a sua ira tweeteira sobre o Presidente da Reserva Federal do seu próprio país, perguntando “quem é o nosso maior inimigo, Jay Powell ou o Presidente [chinês] Xi?” (23.8.19). William Dudley, ex-Presidente do maior dos bancos da Reserva Federal dos EUA e ex-membro da Direção do BIS, o “banco dos banqueiros”, responde (Bloomberg, 27.8.19) que “a reeleição de Trump é uma ameaça para os EUA e a economia global”. Pede, sem grandes rodeios, para a Reserva Federal impedir essa reeleição.
A zanga de comadres assinala que a crise do capitalismo está prestes a explodir. Talvez usem Trump como bode expiatório. Mas segundo Carney, “situações anteriores de taxas muito baixas tenderam a coincidir com acontecimentos de grande risco como guerras, crises financeiras e quebras de regime monetário”. Summers lembra que “foi preciso a [Segunda Guerra Mundial] para tirar o mundo da depressão” dos anos 30 e que sem o militarismo, o capitalismo “provavelmente” não teria saído da grande Depressão. O grande capital prepara-se para tentar de novo fazer os povos pagar a crise do seu sistema. A última palavra cabe aos povos.