O slogan, “New Labour”, apareceu pela primeira vez em uma conferência do Partido Trabalhista (Labour Party) de 1994. Em 1995, Tony Blair se elegeria Secretário-Geral do partido, com a promessa de “modernizar” o trabalhismo. Gordon Brown faria um acordo para não se candidatar à liderança do partido naquele ano, evitando a divisão das alas “modernizadoras” do trabalhismo.
A “modernidade” do Novo Trabalhismo consistiria na adesão do partido à política neoliberal. Ainda em 1995, uma conferência partidária especial mudaria a redação da “Cláusula IV” do estatuto do partido. A cláusula afirmava, com todas as letras, a defesa pelo partido da “propriedade coletiva dos meios de produção”. Durante os governos trabalhistas ao longo do século XX a cláusula, adotada em 1918, foi livremente interpretada para justificar uma política de nacionalizações.
Sob a liderança de Blair, a redação seria alterada, substituindo-se o princípio de propriedade coletiva dos meios de produção por princípios vagos como “socialismo democrático” e “criar para cada um os meios para realizar seu verdadeiro potencial”. A aparente falta de política da nova cláusula IV tinha como razão de ser o fato de que o trabalhismo passou a apoiar a política neoliberal levada adiante na década anterior por Margaret Thatcher, com cortes de gastos públicos (apesar de um enorme aumento no orçamento com o aparato repressivo estatal), privatizações e redução dos impostos cobrados dos grandes capitalistas.
Em 1983, o Partido Trabalhista apresentou um programa mais à esquerda que o habitual até então. O programa levou a uma manobra da burguesia para derrotar o trabalhismo e reeleger Thatcher. O partido foi rachado em dois e disputou as eleições contra a primeira-ministra, que vinha de uma vitória na Guerra das Malvinas, uma guerra de rapina que tinha sido usada com sucesso para resgatar a popularidade de um governo amplamente odiado. Nesse cenário, Thatcher conseguiu uma vitória eleitoral. Na época, o programa à esquerda dos trabalhistas foi apresentado com responsável pela derrota.
A campanha para empurrar o Partido Trabalhista à direita, em meio às derrotas da classe trabalhadora na luta contra as políticas de devastação implementadas por Thatcher, finalmente levariam à vitória de Blair em 1995. Segundo o parlamentar conservador Conor Burns, durante um jantar em 2002, ao perguntarem à “Dama de Ferro” qual foi seu legado mais importante, ela teria respondido: “Tony Blair e o Novo Trabalhismo. Nós forçamos nossos oponentes a mudar”.
Em 1997, o Partido Trabalhista conquistaria sua mais ampla maioria parlamentar em toda a história. O Partido Conservador de John Major, primeiro-ministro que sucedeu Thatcher, estava muito desgastado para continuar aplicando o programa neoliberal contra a população. Os trabalhistas substituíram os conservadores para aplicar o programa da burguesia imperialista britânica. O novo programa do trabalhismo, neoliberal, estava cristalizado no manifesto de 1996, entitulado “Novo Trabalhismo, Nova Vida para a Grã-Bretanha”, apresentado como uma “terceira via”.
Esse papel miserável foi cumprido por partidos burgueses de esquerda em toda a Europa, como o Partido Social-Democrata (SPD) alemão, hoje na grande coalizão do governo de Angela Merkel, e o Partido Socialista (PS) francês, que acaba de enterrar-se nas eleições depois de aprovar uma reforma trabalhista desastrosa.
A avaliação de Thatcher durante aquele jantar de 2002 foi precisa. Os governos posteriores ao dela, incluindo, e especialmente, os trabalhistas, foram em muitos sentidos uma continuação de seu governo. Desde John Major, passando por Tony Blair e Gordon Brown, e depois com David Cameron, até chegar ao atual governo de Theresa May, o que se tem no Reino Unido é um contínuo governo Thatcher. O fim do Novo Trabalhismo demoraria ainda a chegar depois da renúncia de Blair.
Jeremy Corbyn
O começo do fim do Novo Trabalhismo só chegaria em 2015, com a eleição de Jeremy Corbyn como novo Secretário-Geral. O trabalhismo sempre foi ligado à classe trabalhadora, com ligações com os maiores sindicatos e centrais sindicais do Reino Unido. Em 2015, essa ligação levou a uma mudança de grandes proporções dentro do partido.
Contra os candidatos da burguesia dentro do partido, Corbyn foi eleito graças a um grande movimento de apoio à sua liderança na base do trabahismo, com apoio dos maiores sindicatos. Corbyn teve apoio da Unite, maior central do país, com quase 1,4 milhão de membros, e da Unison, segunda maior central, além de muitos outros sindicatos. Corbyn foi o segundo parlamentar a mais votar contra os trabalhistas dentro do próprio partido durante sua carreira de deputado, e se tornaria o Secretário-Geral representando um grande deslocamento à esquerda.
Em 2015, Corbyn seria eleito com 251,4 mil votos para liderar o partido, 59,48% do total. Em 2016, a vitória do Brexit seria usada como pretexto para convocar novas eleições no Partido Trabalhista, uma tentativa de golpe contra Corbyn. O resultado, no entanto, seria um duro golpe para a ala direitista do partido. Dessa vez Corbyn teria 313,2 mil votos, ampliando sua vantagem, com 61,85% dos votos.
Corbyn não chegou a modificar a “cláusula IV”, vigente até agora, mas está propondo a reversão de uma série de privatizações, o que lhe rende a acusação da imprensa burguesa de querer levar o Reino Unido “de volta aos anos 70”. No manifesto para as eleições gerais que foram realizadas este mês, Corbyn propôs a reestatização dos transportes, das empresas de energia e dos correios. Uma ruptura com o consenso neoliberal imposto por Thatcher.
O programa de Corbyn está à esquerda do New Labour em outras áreas. Para os trabalhadores, Corbyn propõe a criação de um Ministério do Trabalho, com orçamento para investir em políticas que garantam a proteção dos direitos trabalhistas. O programa também prevê o aumento do salário mínimo, a negociação coletiva por meio dos sindicatos, que todo trabalhador tenha acesso a sindicatos e a investigação pública de “listas negras” feitas pelos patrões contra determinados empregados para que esses não consigam mais encontrar emprego.
O deslocamento à esquerda com Corbyn ainda não significava o golpe final contra o Novo Trabalhismo. Desde que assumiu a liderança do trabalhismo, Corbyn era acusado de ser “inviável” eleitoralmente. Sob essa acusação, o novo Secretário-Geral estava constantemente ameaçado de ser apeado do cargo pela ala burguesa do partido, em luta para recuperar o controle.
Até que em abril desse ano, Theresa May resolveu convocar eleições gerais antecipadas, para evitar um desgaste maior até 2020. A manobra, porém, não foi bem sucedida. May perdeu sua maioria absoluta nas eleições realizadas no dia 8, e terá que governar em uma coalizão. Corbyn, por outro lado, ampliou a bancada trabalhista, ganhando 30 novos assentos. Agora 262 deputados ao todo, contra os 317 dos conservadores.
Esse resultado já tornaria possível a Corbyn formar um governo de minoria, em coligação com outras bancadas no Parlamento. Corbyn pediu a renúncia de May depois do anúncio dos resultados. Pela primeira vez desde que lidera o partido, as pesquisas de opinião começaram a mostrar o Partido Trabalhista à frente do Partido Conservador em eventuais eleições gerais.
Ou seja, nessas eleições gerais Corbyn destruiu o mito criado pela imprensa burguesa, ecoado por uma ala de seu próprio partido, de que um programa mais à esquerda seria inviável eleitoralmente. Um mito alimentado com força desde 1983 e que foi usado como justificativa para “modernizar” trabalhismo.
Dessa forma, Corbyn consolidou sua liderança, enterrou o Novo Trabalhismo, e agora fará oposição com um programa endossado pelos trabalhadores organizados, inequivocamente viável, pronto para derrotar os conservadores e assumir o governo. Um duro golpe no consenso neoliberal pós-Thatcher e nas políticas do imperialismo britânico. Desde já, Corbyn é um fator de crise do regime burguês no Reino Unido. A burguesia perdeu o controle de um dos dois principais partidos do regime.