Porém, existe algo mais que se pode reconhecer no livro do autor francês, a semelhança com o Sistema Penitenciário Brasileiro atual.
A lepra e o começo da exclusão
Foucault inicia seu livro abordando a lepra e os leprosários, estabelecimentos construídos para abrigar quem sofria com a terrível doença. O leproso já não fazia mais parte da sociedade, ele era largado no leprosário para a morte, a sociedade não queria a melhora de seus doentes, mas sim que eles não contagiassem outro alguém com a doença que aterrorizava a Europa da alta idade média.
Nesse momento nota-se, pela primeira vez no livro, a exclusão como consequência da doença. O leproso é abandonado, e a sociedade aguarda e anseia pelo desaparecimento, tanto da doença, quanto de seus pobres contagiados.
Doenças venéreas, exclusão e segregação
Após o pesadelo da lepra desaparecer, ainda que não completamente, surge uma nova doença, e assim, um novo motivo para mais pessoas serem vítimas da exclusão social, as doenças venéreas.
Michel Foucault apresenta esse novo caos afirmando que as doenças venéreas sucedem como por direito de herança a lepra. E ele está certo, no século XV as doenças venéreas se tornam o novo medo europeu, é preciso fazer algo para “salvar” a população daqueles que sofrem com esse tipo de doença. Qual foi considerada a melhor solução? Excluir.
Os contaminados pelas doenças venéreas são alocados nos antigos leprosários, nessa época já um modelo consagrado de exclusão e abandono. Em alguns casos, ainda existiam leprosos vivendo nesses lugares, e estes não aceitavam os novos “hóspedes malditos”, pois até os leprosos sentiam medo da nova doença. Ou seja, existia uma segregação dentro da classe dos excluídos, os leprosos se sentiam donos de direitos mais antigos, segundo Foucault.
As doenças venéreas alastram-se tão rapidamente que prédios novos são construídos, demonstrando que não existe esforço tamanho que não possa ser realizado quando o intuito é excluir.
Surge a loucura, os loucos, e a semelhança com as prisões no Brasil
Nau dos loucos. Assim o autor francês começa a abordagem do tema central do livro, a loucura. Ele usa essa referência para relatar o que se fazia com os considerados loucos naquela época na Europa, que eram colocados em barcos para que marinheiros os levassem para outro lugar, não importando onde, desde que os tirassem dali. Foucault esclarece que o entendimento da época era que as pessoas aceitavam ficar com os loucos naturais da cidade que moravam, mas não com os estrangeiros.
Começaram a serem construídos locais para os loucos serem alojados. E o detalhe, triste e realista, de como eles eram alojados traz a semelhança com o atual Sistema Penitenciário Brasileiro. Os loucos eram, nesses lugares construídos para seu isolamento com a sociedade, mantidos, porém não eram tratados. Eles eram, assim como os presos no Brasil, pura e simplesmente jogados e esquecidos na prisão.
Um ser humano jogado e esquecido na prisão pode ser uma novidade para quem ainda não leu o livro do autor francês, porém, para quem já leu, mesmo que um pequeno parágrafo, sobre a situação atual das prisões no Brasil, algo assim não é de se espantar. O respeito à dignidade da pessoa humana do preso simplesmente não existe.
Em um país onde até mesmo um princípio básico como o da presunção de inocência é diariamente desrespeitado, com a condenação social de quem está sendo investigado por, supostamente, estar envolvido em um ato ilícito, não é de se estranhar que o tratamento com aquele que, além de condenado pela sociedade e que também já foi condenado pelo Judiciário, não seja algo sublime.
Assim como os leprosos, os contaminados com doença venérea, e os loucos, retratados por Foucault, os presos brasileiros são excluídos, estereotipados, e sofrem com o descaso da sociedade e das autoridades competentes.
O Sistema penitenciário brasileiro tem a finalidade de ressocializar o detento. Porém essa finalidade não é cumprida. Os presos são abandonados na cadeia, lugares construídos para excluir da sociedade aqueles que não são aceitos por ela e a ressocialização não ocorre pelo fato dela não ser desejada.
O estereótipo já está criado, uma vez condenado, sempre um condenado.
Os presos são mantidos na prisão, e só. Não recebem tratamento adequado, convivem com indivíduos de periculosidade distinta, e o que sobra é o sofrimento e o ódio, pois ninguém se importa com o que acontece lá.
Governos Estaduais falam cada vez mais em construir ainda mais presídios, ou seja, o entendimento de que é necessário à construção de locais para colocar indivíduos considerados indesejados ainda prevalece. Ainda não se entendeu, ou então, ainda é ignorado o fato de que a solução é o investimento na educação e não em mais presídios.
Michel Foucault escreveu um livro célebre e que relata uma situação de séculos passados, será que o fato do Sistema Penitenciário no Brasil poder ser comparado com algo de séculos atrás não é um motivo suficiente para exigir uma mudança imediata?
Infelizmente, a frase a seguir é uma verdade que temos que conviver todos os dias: É considerado pelas autoridades mais fácil excluir do que buscar conviver, é mais conveniente esquecer, do que ressocializar.
*Marcelo Matte Rodrigues é Bacharel em Direito, membro da Comissão Especial de Estudos de Direito Penal Econômico – CEEDPE – do Canal Ciências Criminais, e colaborador dos sites sociologia.com e El Hombre.
Fonte: Blog de Walter Sorrentino