O fato é que em 2014 já estava em andamento uma crise mundial do sistema capitalista e ela iria atingir a periferia, motivo pelo qual o governo já se preparava para enfrentar, sempre jogando a conta para a maioria da população e para os trabalhadores, como sempre ocorre acontecer nos países periféricos. O respiro de “desenvolvimento” vivido no governo Lula estava indo pelo ralo e o Brasil teria de voltar ao velho patamar de país subdesenvolvido e dependente, de onde só saíra por conta de uma conjuntura favorável de muito curta duração.
Dilma não teve dúvidas sobre iniciar esse processo e, claro, com isso tocou nos interesses da tal “classe média” que havia sido criada no tempo das vacas gordas. E, se como dizia Milton Santos, a classe média não quer direitos, mas privilégios, não haveria dúvidas de que essa fração de classe iria se bandear para o lado de quem oferecesse mais, ainda que mentindo. Quem não se lembra dos protestos dos proprietários de automóvel por conta de o preço da gasolina estar em quase três reais? O setor da população que havia conseguido – via expansão do crédito – ter acesso a bens e viagens arreganhou os dentes e grande parte desse povo foi às ruas com a camiseta da seleção pedir o impedimento da presidenta. No desejo de vantagens imediatas, esse povo todo pensou que a simples saída da presidenta resolveria as coisas, sem compreender o jogo da economia que se desenrolava no mundo.
A direita brasileira, que conhece as regras do jogo, e sabe jogar, aproveitou o descontentamento e procurou incentivar ainda mais a pressão, incitando os brasileiros e brasileiras no ódio ao PT, colando no partido o selo de “comunista”, o que definitivamente é a mais deslavada mentira. Nada menos comunista do que o governo Dilma, tendo sido ela mesma a presidenta a sancionar a inominável Lei Antiterrorismo, que hoje é um eficaz instrumento de domesticação das lutas. E foi assim que a onda de “neofascismo” que toma conta do mundo todo no ódio aos pobres, aos negros, aos índios, a tudo que tenha cor popular, também cresceu a crista no Brasil e ajudou a empurrar Dilma para o abismo. Um golpe, seguro, mas quase que um desdobramento natural no contexto de recuperação de poder por parte da direita tradicional. Estava tudo escrito.
Dado o golpe e assumindo o governo o vice Michel Temer, que já antecipara a traição na famosa carta na qual reclamava ser apenas um bibelô, o ajuste necessário - na lógica fria do capital – veio a galope. Não haveria mais nada a impedir o aprofundamento das medidas de arrocho contra os trabalhadores, contra a maioria da população.
É fato que uma parcela significativa da população resistiu ao golpe, apoiando a presidenta Dilma. Houve manifestações massivas, protestos. Mas não houve força suficiente para impedir o que já estava traçado. E, desde então, a classe trabalhadora vem amargando perda de direitos e recessão. No campo da disputa partidária o golpe também aprofundou a perseguição contra o PT, chegando ao ápice com a prisão do seu líder mais popular: Luiz Inácio Lula da Silva.
De certa forma, o grupo que planejou o golpe vem conseguindo o que planejara: amarrar a militância petista na batalha pela libertação do Lula, tirando-a do centro dos acontecimentos que aprofundam os prejuízos aos trabalhadores. Foi assim que a Reforma Trabalhista passou, destruindo direitos conquistados à décadas sem que a reação fosse proporcional ao tamanho do prejuízo. O certo é que entre os trabalhadores há imobilismo, medo e perplexidade, o que torna bem mais difícil uma reação contundente contra os novos governantes. Na internet a peleia é acirrada, mas essas batalhas não podem ser ganhas só no campo virtual. Há que haver materialidade no mundo da vida.
O ano de 2017 registrou mais de 1100 greves de trabalhadores, segundo dados do DIEESE. Isso não é pouca coisa nesse cenário de apreensão no qual o desemprego cresce de maneira vertiginosa e o trabalho temporário virou moda. Mas, debruçando-se sobre os números, pode-se perceber que a maioria dos movimentos paredistas deu-se na defensiva. Quase 70% das greves aconteceram por conta de atrasos no pagamento, ou seja, não foi para ampliar direitos, foi para garantir o que é o mínimo no contrato capitalista: o salário. Apenas 16% das paralisações foram por reajuste salarial. É certo que uma greve, seja por qual motivo, sempre ajuda a ampliar a consciência de classe, mas ainda teremos de vencer muita estrada para que a indignação ultrapasse o corporativismo.
Uma olhada nas páginas dos sindicatos de Santa Catarina, por exemplo, de trabalhadores privados e públicos, e o que se vê são notícias sobre pautas bem intestinas. As categorias não conseguem sair de suas zonas de conforto. E também investem muito mais no debate sobre a prisão x liberdade de Lula do que nos grandes temas nacionais. Isso mostra que os dirigentes estão armadilhados nessa arapuca montada pelas forças conservadoras. Resta saber se é uma captura no campo da consciência ingênua ou se há o interesse em não mexer no vespeiro que poderia ser uma revolta generalizada, capaz de levantar o povo em luta.
Motivos para isso há. O desemprego está em 13%, o que significa quase 14 milhões de pessoas sem rendimento. Gente demais. Também estão diminuindo os postos de trabalho, bem como quase três milhões de pessoas deixaram de ter a carteira assinada, abrindo mão de direitos. Cinco milhões de pessoas já deixaram de buscar emprego formal, por estarem há muito tempo tentando, sem encontrar, e milhões de outras estão entrando na informalidade. Uma informalidade que inclui riscos maiores do que não ter direitos, que é o de perda das mercadorias duramente adquiridas e até prisão. Em Florianópolis, por exemplo, o prefeito Gean Loureiro colocou um grande efetivo da Guarda Municipal a perseguir e punir os vendedores ambulantes que buscam na venda de rua uma saída para fugir da marginalidade. O cenário é de devastação. E nem vou falar do processo de entrega das reservas naturais, das empresas estatais lucrativas e do perdão das dívidas dos latifundiários.
Não bastasse isso, com a proximidade das eleições gerais, os partidos políticos acabam priorizando as tratativas para avançar na tomada das cadeiras parlamentares, governos do estado e federal, o que torna o processo de agitação e propaganda contra o governo e contra a avançada do capital menos capilar. O bom e velho trabalho de base está desaparecido, ainda que existam raras exceções que, por sua estatura, só poderão conseguir eficácia em longuíssimo prazo.
Assim que o pano de fundo da vida brasileira é de desolação. O que não significa que devemos ficar choramingado pelos cantos. Pelo contrário. É tempo de despertar. Períodos de grave crise, de monumental apatia ou de medo podem ser sementeiras para gigantescas surpresas. Sempre é bom lembrar que quando os teóricos da pós-modernidade proclamavam a vitória do neoliberalismo nos anos 90 e o aplastamento total das lutas coletivas, apareceram os zapatistas, No México, armados e em rebelião, dizendo que não e iniciando um novo ciclo de lutas populares em toda a América Latina.
O silêncio também é fermento. Isso é certo. Mas, ele sozinho não rasga a nova manhã. É preciso que os movimentos sociais e partidos políticos analisem friamente a conjuntura e comecem a apontar caminhos.
A solidariedade dos petistas ao Lula, com acampamento em Curitiba, pode até existir, mas se ficar só no bom dia, boa noite, não vai ajudar muito. Esses companheiros e companheiras, que somam considerável e importante parcela dos trabalhadores, precisam avançar nas consignas. O Brasil retoma com pompa o seu posto de periferia dependente, exportador de matéria-prima, ajoelhado diante do centro do capital. E é nesse espaço geográfico que vivemos. Já passa da hora de responder à altura a essa classe dominante tupiniquim, entreguista e colaboradora do império. Essa gente pode fugir para Paris quando as coisas ficarem ruins. Nós não. Esse país é nossa casa e por ela temos de lutar.