A tal produção independente alugou salas da rede Cinemark para exibir o filme, mas a rede se arrependeu, ou foi uma jogada casada, o resultado é que a produtora do filme, um canal chamado Brasil Paralelo, se aproveitou da situação para se fazer de vítima e iniciar uma campanha de propaganda extremamente agresssiva para divulgar o filme. A propaganda do filme seguiu o exemplo da bem sucedida Betina e comprou espaço ostensivo nos vídeos que aparecem no youtube. O resultado foi mais de 4 milhões de visualizações no youtube o que está sendo usado para dizer que o filme é popular, mas caberia saber se algo parecido aconteceria nas bilheterias do cinema, pouco provável, não é possível colocar robôs em frente ao telão das salas.
Já em relação ao filme pró-golpe, ou o filme do Instituto Millenium ou ainda o filme dos Olavetes a situação é crítica. Do ponto de vista estético, cinematográfico, é um filme extremamente formal e pouco interessante de se assistir, quem tiver estômago, assiste, mas não cria interessante nenhum em uma revisão.
Mas o que de fato vale não é a forma, mas o conteúdo. Ele foi apresentado como algo inovador sobre a ditadura brasileira, a verdade que nunca foi dita, nunca foi revelada, sempre escondida, uma nova versão dos fatos etc. Mas não passa de uma colcha de retalhos de tudo que a direita fascista, que defende a ditadura, já disse inúmeras vezes. Em pouco mais de duas horas de filme, aparecem todas as teses já bastante mastigadas da direita golpista: não houve golpe, os militares tomaram o poder respondendo a um movimento cívico, o Brasil sofria uma ameaça comunista, não houve tortura, as mortes não foram tantas quantas as apresentadas, havia uma guerra entre exército e guerrilheiros, o que houve foi uma revolução e por aí vai.
Entre os “ilustres” entrevistados somente figuras da extrema-direita, como Olavo de Carvalho e os “intelectuais” do Instituto Millenium, Luiz Felipe Pondé, William Waack, Flavio Morgenstein entre outros. Muito achismo, muito diz que me diz e muita falsificação da história. Duas que merecem destaque é a afirmação categórica de Olavo de Carvalho de que o golpe de 1964 não teve nenhuma participação da CIA, a agência de golpes dos EUA. O problema do documentário é deixar essa teoria ser apresentada pelo Olavo de Carvalho, credibilidade zero. E pior! A falsificação aqui é gritante já que existem documentos oficiais da própria CIA assumindo a participação no golpe militar de 1964.
A outra é apresentar os mortos e torturados pela ditadura como um número superestimado e inventar que os desaparecidos na verdade eram militantes que se auto-exilaram do Brasil ou que delataram companheiros e que mudaram de identidade para se proteger dos “terroristas”.
Para livrar o regime militar de um governo de terror contra o povo o filme apresenta a tese de que havia uma igualdade de condições entre militares e grupos armados. Em determinado trecho diz: “…foi nesse ambiente de guerra que psicopatas, torturadores e criminosos de ambos os lados se valiam para praticar suas perversidades em nome de uma causa ou de outra (…) A guerra travada por terroristas expandia justificativas para a repressão por parte do Exército. Do outro lado, permitia que o movimento estudantil usasse os mortos em combate para construir a ideia de que a tortura era uma política de estado, fazendo dessa bandeira seu instrumento político e sua publicidade.”. Ou seja, a tortura e o assassinato em massa eram praticados por todos.
O mais cínico é que os produtores, o tal independente, Brasil Paralelo, que já recebeu apoio público de Bolsonaro, e que teve divulgação garantida em órgãos da imprensa golpistas como em programas da Jovem Pan e no programa de Danilo Gentili do SBT, se apresentam como imparciais e apenas interessados em mostrar a verdade, deles. No documentário um dos entrevistados chega a elogiar o ditador Médici como sendo sempre aclamado pelo povo por onde passava.
Um detalhe importante é que o filme além justificar a ditadura brasileira, ou como eles apresentam, revolução de 1964, faz parte de um curso que o Brasil Paralelo está oferecendo a incautos. E que os palestrantes deste curso são os mesmos que aparecem no documentário, muito conveniente.
O documentário é para consumo interno, é para os coxinhas terem algum argumento, mesmo que sem parâmetro na realidade, para usarem contra o povo, exaltando a ditadura sem dizer que é ditadura, pedindo a volta da tortura, das perseguições políticas, da pilhagem do país, sem dizer que é golpe, que é entrega do patrimônio nacional. É um movimento cívico.
Mas a pergunta que não quer calar sobre “1964 – Entre armas e livros”, é qual o sentido deste título? Onde entra os livros no filme? Não vi!