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Sábado, 22 Outubro 2016 02:00 Última modificação em Sexta, 21 Outubro 2016 16:01

A impunidade apavorante da polícia de rebelião do Brasil

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País: Brasil / Repressom e direitos humanos / Fonte: Carta Maior

Quando eu cubro um protesto de rua no Brasil, eu não esqueço de levar meu capacete, uma máscara de gás e um par de óculos de

natação como proteção para o gás lacrimogêneo. Eu uso tênis de corrida para que possa escapar da polícia, e calças largas como proteção contra os estilhaços e balas de borracha. Eu carrego uma câmera digital e o número de um advogado. Meu cartão da imprensa sempre se encontra ao redor do meu pescoço.

Os protestos têm sido bem comuns na vida política do Brasil pelos últimos três anos. A onda de manifestações começou em junho de 2013, quando milhões foram às ruas contra o aumento da tarifa do transporte público. As manifestações alcançaram um pico novamente no meses que antecederam a Copa do Mundo de 2014. E voltaram com vingança desde agosto, quando Dilma Rousseff do partido de centro-esquerda, PT, foi removida da presidência por causa de alegações de que ela teria manipulado o orçamento federal.

O aumento dos protestos trouxe respostas policiais violentas, e que tendem a ser mais intensas contra as manifestações de esquerda. (A polícia militar pareceu receber bem os protestantes anti-Dilma.) Mesmo a polícia militar, que é controlada pelo governo do estado, não sendo necessariamente alinhada com a direita, eles seguem princípios de ordem e subordinação. Parecem tratar os manifestantes como inimigos e ameaças à ordem social.

Houve muitas fatalidades. Somente em São Paulo, policiais cegaram quatro pessoas nos protestos nos últimos anos. O caso mais recente foi Deborah Fabri, uma estudante de 19 anos que foi atingida na olho com estilhaço de uma granada paralisante durante um protesto em agosto contra Michel Temer, o presidente interino. Outro de 19 anos, Vitor Araujo, perdeu seu olho direito durante um protesto contra corrupção em setembro de 2013.

Dois fotojornalistas, Sérgio Andrade da Silva e Alex Silveira, fora cegados por balas de borracha. Eles processaram o estado de São Paulo, mas em ambos os casos o tribunal decidiu que eles não tinham direito de compensação pois haviam se colocado em perigo.

Os protestantes estão garantindo sua segurança por conta própria. Em São Paulo, um grupo de primeiros-socorros pode ser encontrado nas manifestações aplicando curativos em cabeças sangrando, desinfetando feridas e ajustando fraturas. Às vezes, esses voluntários não são capazes de lidar com o número de pessoas feridas e, por isso, outras ajudam, como a mãe de 62 anos, que carrega um kit de primeiros-socorros com luvas de borracha, soro fisiológico, peróxido, antisépticos, gaze, curativos e máscaras cirúrgicas para proteger as pessoas do gás lacrimogêneo.

Os protestantes também criaram as próprias instituições para defenderem seus direitos legais. Grupos de analistas jurídicos e advogados pro bono vão aos protestos e analisam se a polícia age fora da lei. Esses analistas tomam notas sobre os procedimentos policiais ilegais como a remoção de placas de identificação, o uso de gás lacrimogêneo vencido, o mal uso de armas não letais e o desproporcional uso da força.

Infelizmente, isso não para a polícia. Em um protesto contra a Copa do Mundo em 2014, a polícia militar deteve 262 pessoas, quase 20% dos manifestantes. As autoridades alegaram que a detenção em massa foi “por motivos de verificação”, mas o procedimento é altamente controverso e, alguns dizem, ilegal.

Depois dos protestos, um grupo chamado Advogados Ativistas confere os arredores policiais por detentos, porque os policiais raramente fornecem informação sobre para onde os estão levando – ou sobre a razão da detenção.

Além de atacar os ativistas, ajudantes de primeiros-socorros e advogados, a polícia também persegue jornalistas e especialmente fotógrafos. Em outubro de 2013, Yan Boechat viu um grupo da polícia militar atacando um auxiliar de primeiros-socorros em uma manifestação em São Paulo. Boechat imediatamente começou a tirar fotos da cena. Quando ignorou as exigências da polícia para parar, foi espancado por 13 policiais. Sua câmera também foi quebrada.

Em uma situação ainda mais surreal, algumas semanas atrás, o fotógrafo Antonio Rodrigues foi acusado de atacar um policial com sua câmera e tentar roubar um bastão policial. (Ele diz que estava apenas tentando se proteger dos golpes do policial.) Muitos dos meus colegas fotógrafos me dizem que mesmo quando seus equipamentos são deixados intactos, alguém na delegacia irá apagar seus vídeos e fotos.

Até agora, nenhum policial foi acusado por violência excessiva ou abuso de autoridade durante os protestos. Eu poderia passar páginas contando casos de abuso policial nos protestos. Mas se eu tivesse que escolher um episódio para compartilhar seria a prisão de 26 estudantes, a maioria do ensino médio, duas horas antes de uma manifestação em setembro em São Paulo.

Esses estudantes foram acusados de serem parte do “black bloc”, um grupo anarquista que vai aos protestos e algumas vezes vandalizam alvos simbólicos, como prédios governamentais ou bancos. Os estudantes passaram a noite na sede do Departamento de Investigações de Crime Organizado. À eles foi negado acesso à advogados e a polícia se recusou a divulgar seus nomes.

Jornalistas relataram que a prisão foi provavelmente arranjada por um capitão do exército à paisana que estava se passando por ativista no Tinder e no Whastsapp. De acordo com relatos, ele era suspeito de trabalhar como um infiltrado por ao menos um ano. A polícia militar nega conhecimento da operação de inteligência, mesmo tendo dezenas de policiais preparados na cena com carros, ônibus e até um helicóptero sobrevoando o centro cultural onde os estudantes estavam reunidos.

O que a policia encontrou com esses sabotadores nefastos? Kits de primeiros-socorros, máscaras de gás, garrafas de vinagre, óculos de proteção, celulares, panfletos políticos, um extintor de incêndio de carro, um marcador, um estilingue e um chaveiro do Pateta. Não é nada diferente do que eu costumo carregar nos protestos, tirando o fato de que eu não tenho um chaveiro tão legal assim. Eles foram libertados em menos de 24 horas porque o juíz considerou a detenção injusta.

O Brasil ainda está instável. Os protestos irão continuar. Eu gostaria de imaginar que o abuso policial não irá continuar com eles. Mas nada irá mudar enquanto a polícia militar continuar tratando os manifestantes como criminosos, e não como cidadãos exercendo seus direitos. Essas forças policiais deveriam ser treinadas para agir em acordo com as normas democráticas e dentro da lei, como também os protestantes. Acima de tudo, devem ser responsabilizados somente quando violarem a lei.

E se isso não acontecer, os protestantes terão que fazer justiça com as próprias mãos. Eu já isso antes: ativistas formavam seu próprio grupo voluntário de segurança para proteger as pessoas do abuso policial. Isso pode ficar feio.

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