Tivemos partidos que assumiram uma posição crítica e combativa, mas pelas expectativas eleitorais se viram, lamentavelmente, ao lado dos golpistas em diversas situações, no primeiro e no segundo turno; teve posição que pouco caso fez da presidenta Dilma: trataram o golpe como uma derrota momentânea e que pode ser resolvida com as eleições de 2018; e temos os casos daquela esquerda pequeno-burguesa que se divide entre posições curiosas: tem partido que festeja o golpe (assim como festeja a “primavera árabe” e anda pedindo mais bombas imperialistas sobre a Síria); tem daqueles que assumem uma posição moralista e apolítica: a incapacidade de compreender até agora o que está acontecendo permite apenas que apontem os dedos insistentemente para o PT como o grande culpado e sigam no mundo particular que construíram para si, esperando que a revolução venha lhes bater a porta; por fim, há daqueles que não podem tomar uma posição mais clara porque possuem vários pequenos partidos internamente, que vão desde as referidas posições anteriores (todas elas!), passando pela louvação da Lava Jato e até pela utilização de métodos heterodoxos de luta contra o golpe, que assume um caráter festivo e se expressa por cirandas e bundaços… A pequena-burguesia quando se encontra com a pós-modernidade acadêmica produz dessas coisas… E ela se diverte, sem dúvida. Deixemos os meninos brincarem.
Mas para quem não vê nada engraçado nesse processo, resta ainda a compreensão de que a pequena-burguesia é também a base social fundamental da reação: organizações que foram financiadas no suporte ao golpe agora se especializam em formar cães de guarda para, ao lado da polícia militar, atacar movimentos populares, como tem ocorrido com o movimento estudantil recentemente. A UNE, a UBES e o conjunto do movimento estudantil dão o exemplo de combatividade ocupando escolas e universidades, câmaras municipais e, recentemente, inclusive o escritório da presidência da República em São Paulo. É por sua organização que sofre, prioritariamente, a repressão. Mas seguimos, com exemplos cotidianos e numa linha ascensional, com a violência praticada por forças do Estado e por seu aparelho jurídico. Não é mais o ovo da serpente: temos suas crias em plena ação.
A recente derrota eleitoral do campo popular, progressista e de esquerda é apenas o reflexo da bem sucedida ação do consórcio golpista montado a partir de 2013, reunindo partidos políticos, meios de comunicação de massa, profissionais do Direito cooptados, frações da burguesia, interesses imperialistas e do grande capital estrangeiro. Consórcio golpista, aliás, que não é uma exclusividade brasileira… O alto índice de abstenção eleitoral não revela simplesmente um descontentamento com a “política”: revela uma desesperança e um desprezo pelo processo institucional que foi amplamente desesperado e desprezado na farsa do impeachment da presidenta Dilma.
Como levar eleições a sério depois de tamanha carga propagandística que desqualificou por pelo menos dois anos o universo político institucional? Isso explica a eleição de excrescências como Dória em São Paulo, fazendo o discurso de que não é político. Curioso ver que candidatos de uma esquerda que se propõe como alternativa ao eleitorado próprio do PT tenderam a embarcar na mesma conversa, mas ali o resultado foi outro. Isso porque a política institucional foi arranhada, mas a esquerda foi, em conjunto, demonizada.
Não tenho dúvida que grande parte dessa massa da população que se absteve deve, inclusive, desaprovar o governo golpista de Temer e todas medidas tomadas contra os trabalhadores. Há um crise de credibilidade envolvendo os três poderes. Mas não tenho dúvida de que não tendem para a esquerda: essa massa descontente pode aderir facilmente a saídas mais à direita, a um fechamento maior disso que, retirado o verniz de legitimidade, se assemelha em tudo a uma ditadura, ainda que dando seus primeiros passos firmes.
Essa massa tende a aderir com alegria a um golpe dentro do golpe: a eleição indireta de um presidente, no ano que vem, assim que o TSE votar o impedimento da chapa Dilma – Temer… Esta é uma possibilidade daquelas que têm tudo para a concretização. Um presidente eleito pelo parlamento, para governar por dois anos. Um tucano, sem dúvida… Sejam quais forem as consequências desse ato, fato mesmo é que representa um passo adiante no sentido do obscurantismo que tomou conta das instituições brasileiras. Dependendo dos desdobramentos, quem pode ter certeza de que teremos eleições em 2018?
Diante das condições adversas nas quais lutamos, me parece que vale uma mudança de palavra de ordem: ABAIXO O GOLPE! e não FORA TEMER!… Justifico: o “fora Temer” é também pensado por setores dos próprios golpistas, que sonham com a condução de um tucano à cadeira presidencial por via indireta. Nossa propaganda deve fazer a denúncia sistemática do processo do golpe, das possibilidades do golpe, apontar saídas progressistas, mas também defender a restituição da presidenta Dilma ao seu mandato conquistado pelo voto da maioria dos brasileiros: essa é uma condição fundamental se falamos em derrotar o golpe e retomar a “normalidade” institucional.
Isso não é o cenário dos sonhos, mas apenas lidar concretamente com a conjuntura adversa em que vivemos, sem os oportunismos de direita e sem desvios de esquerda. Poderíamos ter aí uma base para a formação de uma ampla frente, progressista, democrática e de esquerda: ABAIXO O GOLPE!; contra as medidas que ferem as conquistas dos trabalhadores; pela restituição legítima do mandato da presidenta e a punição dos golpistas.