O movimento é uma reação às mais recentes medidas do governo com graves impactos sobre a educação: a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) nº 241, que congela os gastos públicos por 20 anos, a reforma do Ensino Médio, via Medida Provisória (MP), e o projeto de lei batizado de “Escola sem Partido” ou “Lei da Mordaça”, para seus opositores.
O epicentro da mobilização é o estado do Paraná, que concentra a maioria das ocupações (até a publicação desta reportagem), em mais de uma centena de municípios. O movimento começou ainda no dia 22 de setembro, após edição da MP do Ensino Médio, que promove uma mudança de currículo nessa fase escolar, dividindo a formação em cinco áreas do conhecimento: linguagens, matemática, ciências naturais, ciências humanas e formação técnica. As escolas, no entanto, não estarão obrigadas a oferecer todos os itinerários, mas apenas dois deles. Além disso, a medida decretou o fim da obrigatoriedade das disciplinas de artes, educação física, filosofia e sociologia na base comum curricular.
“Eu fui uma das mais de 12 milhões de pessoas que participaram do processo de consulta para construção da base nacional comum curricular, e aí vem o governo e mexe justamente na grade curricular do Ensino Médio, sem diálogo e por meio de uma medida provisória autoritária. Muitos milhões de estudantes que também participaram desse processo estão revoltados”, explica Camila Lanes, presidenta da Ubes.
Para Daniel Cara, da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, o que chama atenção nessas ocupações é que elas estão sendo organizadas exatamente pelo principal sujeito do sistema de ensino: os estudantes.
“O argumento fundamental da MP era atender aos interesses dos estudantes, mas as ocupações demonstram que esse interesse não foi atendido. O estudantes não querem uma escola precária, que reproduz desigualdades”, afirma.
Enganação
Segundo Lanes, o estudantes estão se dando conta de que o governo tenta enganar a população falando em melhoria do ensino. Ao mesmo tempo em que lança uma MP para mexer no currículo da formação escolar, o governo de Michel Temer tenta aprovar no Congresso Nacional uma PEC que determina que o orçamento federal não poderá crescer além da inflação do ano anterior pelos próximos 20 anos, o que deve paralisar investimentos na contratação de novos professores, expansão de escolas, compra de materiais, entre outros.
“O governo fala que vai mudar a escola pública e, ao mesmo tempo, propõe o congelamento da verba pra educação. Onde é que está a mudança?”, questiona.
Um estudo da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados apontou que o setor pode perder R$ 24 bilhões por ano a partir da vigência da PEC 241.
“A reforma do ensino médio não enfrenta problemas concretos da educação, como falta de estrutura nas escolas, aquisição de materiais e valorização dos professores, pois isso demandaria financiamento direto por parte do Estado”, aponta Daniel Cara.
Além disso, segundo o especialista, a PEC vai fazer com que a agenda social regrida aos anos 1990. “A demanda por creche, que ainda é crescente no Brasil, será afetada”, exemplifica.
Inflexível
Um dos argumentos da MP do Ensino Médio é que os estudantes poderiam optar por áreas do conhecimento do seu interesse, como linguagens ou ciências naturais, por exemplo.
Essa suposta flexibilidade, no entanto, é desmentida por Cara. “Os estudantes não vão poder construir sua própria grade curricular, apenas seguir uma especialização para a qual ele ainda não está totalmente amadurecido para escolher”, opina. “O governo disse que se inspirou no modelo dos Estados Unidos, mas lá o estudante pode escolher as disciplinas e não o pacote inteiro do itinerário”, acrescenta.
Liberdade de expressão
Tramita no Senado Federal do projeto de lei nº 193/2016, que institui o programa “Escola sem Partido”. Entre outras questões, a medida proíbe qualquer tipo de abordagem educacional que trate do tema da identidade de gênero, ao determinar que o ensino deve respeitar a “respectiva identidade biológica de sexo” do aluno.
O projeto também estabelece uma série de regras para controlar a atuação do professor em sala de aula, praticamente o impedindo de promover um debate crítico de ideias com os alunos, e cria uma espécie de observatório para monitorar a atividade docente.
Na opinião de Daniel Cara, esse projeto faz com que a educação ofertada no Brasil se transforme em uma “não-educação”. “A frase central do Escola sem Partido é ‘meus filhos, minhas regras’, ou seja, a escola perde o direito de incidir na formação do aluno sob a perspectiva dos valores da própria República Federativa do Brasil, como liberdade e igualdade de oportunidades. Eu, como pai, espero que meu filho me supere, e não que fique submetido apenas à minha visão de mundo”.
Para Lanes, da Ubes, a MP do Ensino Médio já embutiu uma tentativa disfarçada de implantar o programa “Escola sem Partido”. “A retirada da obrigatoriedade do ensino de sociologia e filosofia já é um forma de tentar aplicar esse projeto de excluir o pensamento crítico das escolas sem que ele tenha sido aprovado”.
Edição: Camila Rodrigues da Silva