[Carlos Fiolhais] Entrevista sobre homeopatia e efeito placebo do David Marçal e minha a uma revista popular, a propósito do nosso livro Pipocas com Telemóvel e Outras Histórias de Falsa Ciência, e que nunca chegou a ser publicada
P- Se como dizem no vosso livro a homeopatia é uma fraude, por que é que, na vossa opinião, continuam a ser produzidos e comercializados remédios homeopáticos?
DM- Não somos nós que dizemos, são numerosos autores de rigorosos estudos científicos. A homeopatia está bastante estudada e, quando sujeita aos mesmos critérios de exigência que são usados para aprovar qualquer tratamento convencional, não consegue provar a sua eficácia para além de um vulgar placebo. Se conseguisse, não se falaria de “medicina alternativa” mas pura e simplesmente de medicina. De qualquer modo as consultas e os medicamentos homeopáticos encontam-se com facilidade no mercado. E não há dúvida que há procura. Apesar da falta de provas científicas, a homeopatia conseguiu construir à sua volta um aura de credibilidade, de várias formas, a começar pela venda de produtos homeopáticos em farmácias convencionais .Nem sempre os legisladores e reguladores actuam em coerência com o melhor conhecimento científico. Por exemplo, não existe nenhum mecanismo automático que faça com que impeçam fraudes do tipo dos produtos homeopáticos (há, de resto, várias outras...) de serem comercializadas.
2. P- Segundo escrevem, os comprimidos homeopáticos são feitos de água e açúcar. Podem pôr em perigo a saúde das pessoas, se os tomarem de forma regular e prolongada?
CF- De facto, na maior parte dos casos esses comprimidos não fazem bem nem mal. Mas as pessoas estão a tomar um remédio que pensam ter um efeito fisiológico quando este não o tem. Se a doença for grave, o perigo para a saúde é não a tratar. Por exemplo, se for para uma zona em que a malária é endémica e fizer apenas uma profilaxia homeopática para a malária está a pôr em risco a sua saúde. Esta situação não é hipotética, são conhecidos vários casos, como o do missionário norte-americano Tom Miller, que, em 2004, antes de viajar para a Nigéria, abdicou da profilaxia habitual para a malária e tomou um produto homeopático. Acabou nos cuidados intensivos de um hospital, inconsciente durante sete dias. Sobreviveu, mas não foi graças à homeopatia. Não penso que deve ser limitada exageradamente a liberdade das pessoas, desde que essa liberdade não afecte os outros. Cada um poderá fazer o que quer desde que não incomode os outros. Mas, veja bem, nesse caso o desleixo de uma pessoa foi afectar, de forma desnecessária, o trabalho de muitas outras, que fizeram tudo o que puderam para salvar uma pessoa imprevidente.
3. P- Por que é que o efeito placebo aparece associado às Terapêuticas Não Convencionais, sobretudo à Homeopatia?
DM- O efeito placebo, a sensação de melhoria quando se está a ser tratado, acontece em todas as intervenções médicas. No caso da homeopatia, apenas existe o efeito placebo. Não é por acaso que um dos remédios homeopáticos mais populares seja para a gripe, que em condições normais passa sozinha. Por acção do próprio organismo. O remédio homeopático não ajuda embora a pessoa que acredite na eficácia do remédio pense que sim. Nós, quando do lançamento do nosso livro sobre pseudociência, tomámos uma embalagem inteira de um desses medicamentos e não nos aconteceu absolutamente nada. Não tínhamos gripe. Mas, quer tivéssemos quer não, teria sido contraprudecente ter tomado de uma só vê uma embalagem inteira de um medicamento. Não tivemos qualquer receio porque os medicamentos homeopáticos, pelo princípio que apregoam, são feitos com diluições tão grandes de uma substância supostamente activa que praticamente no “remédio” não existe nada dessa substância.
4. P- O efeito placebo pode produzir melhorias clínicas? Nesse caso, poderia ser usado como estratégia terapêutica?
DM- Sim, o efeito placebo consiste precisamente em produzir uma sensação de melhoras, que é subjectiva e transitória. Mas não há nenhuma doença séria que se cure com placebos pela simples razão que não existe neles nenhuma molécula activa que interfira nos mecanismos de doença. Administrar placebos para pessoas que se queixam de doenças imaginárias ou reais é uma questão ética, que depende das circunstâncias e que deve ser avaliada pelos médicos. Na impossibilidade de outras opções, sem dúvida que um placebo é melhor do que nada.. Mas, havendo a possibilidade de oferecer um tratamento que tenha também um efeito fisiológico comprovado, eticamente será preferível.
CF- Os placebos são usados de forma anónima em testes clínicos para controlar a eficácia dos medicamentos. Como disse, só são aprovados de acordo com critérios médicos internacionais, medicamentos cujo efeito seja superior ao do placebo. O efeito do placebo, apesar de real, é em média pequeno. Por isso, ele é considerado um limite mínimo de eficácia.