graves problemas sociais que passamos. Seja por meio das Parcerias Público-Privadas (PPPs) ou mesmo de tentativas de privatizações de empresas estatais, já foram privatizados aeroportos, companhias de eletricidade e portos, entre outros setores estratégicos.
Mais recentemente, em 2015, foi lançado um edital para a privatização da Companhia Estadual de Águas e Esgoto do Piauí (Agespisa), um projeto de lei para a venda de 49% das ações da companhia Espírito Santense de Saneamento (Cesan), e, neste ano, o Governo Federal decidiu que, para receberem ajuda financeira, os estados terão que privatizar estatais de água e esgoto, bancos ou energia, além de outras medidas.
Todas estas iniciativas vêm sendo colocadas como únicas alternativas. Mas segundo Leo Heller, relator das Organização das Nações Unidas (ONU) para Água e Saneamento, estas ações só irão piorar e muito a situação da população. Diz Heller: “O que podemos observar (no Brasil) é um discurso forte no sentido de privatização do sistema como grande saída para resolver o problema, mas não é essa a lição de experiências de privatização em outras partes do mundo. O que se observa em nível internacional é um movimento inverso, como processos de reestatização dos serviços de água e de esgoto”.
Reestatização da água: uma tendência global
Esta afirmação de Heller também é reforçada na pesquisa realizada pelas instituições Unidade Internacional de Pesquisa de Serviços Públicos (PSIRU), Instituto Transnacional (TNI) e Observatório Multinacional, que publicarão o relatório: Veio para ficar: a reestatização da água como uma tendência global, em que se apresenta como tendência dos últimos 15 anos as reestatizações do serviço de água e esgoto.
A pesquisa constata que cada vez mais cidades, regiões e países por todo o mundo estão optando por fechar o livro das privatizações no setor da água e reestatizar serviços, retornando o controle público da gestão da água e do saneamento em muitos casos, isto é, uma resposta às falsas promessas dos operadores privados e ao seu fracasso em colocar o interesse das comunidades acima do lucro.
Nos últimos 15 anos, houve pelo menos 180 casos de reestatizações em 35 países, como Alemanha, Argentina, Hungria, Bolívia, Moçambique e França. Em contraposição, neste mesmo período, muitos poucos casos de privatizações de água ocorreram.
Este fenômeno de reestatizações vem se mostrando como uma tendência mundial. O número de reestatização nas cidades duplicou nos últimos cinco anos, o que demonstra a aceleração desta tendência.
Não é por acaso que a França, um dos países que mais promoveram reestatizações, somando até agora 49 cidades, foi o país com mais longa história de privatização da água e sede das maiores multinacionais do setor. Os municípios franceses viveram em primeira mão o “modelo de gestão privada” que exportaram para todo o mundo como solução.
Em Paris, capital da França, foram realizados, em 1984, dois contratos de concessões de 25 anos. Em 2001, ao se fazer uma auditoria nas empresas privadas que geriam o abastecimento d’água da cidade, foram detectadas inúmeras irregularidades com destaque para os preços abusivos cobrados, de 25% a 30% superiores aos custos. Em 2010, quando reestatizado, o sistema permitiu a redução das tarifas em 8%.
Nos Estados Unidos, país onde mais ocorreram reestatizações, com 59 cidades, não foi diferente. Um exemplo significativo é a cidade de Atlanta, onde, nos primeiros quatros anos (1999 – 2003) de privatização do sistema de água, houve a demissão de metade dos trabalhadores e as tarifas continuaram a subir ano após ano. A qualidade do produto baixou de tal forma que em algumas ocasiões os moradores eram forçados a ferver a água devido ao tratamento insuficiente e, muitas vezes, ela chegava às torneiras com a cor alaranjada. Em 2003, alegando má gestão, o sistema foi reestatizado.
As razões apresentadas nos países para as reestatizações são semelhantes por todo o mundo: baixa qualidade nos serviços, aumento brutal nas tarifas, falta de transparência financeira, desempenho medíocre das empresas privadas, subinvestimento e dificuldade em monitorar os operadores privados.
A situação do saneamento básico é bastante precária e precisa de soluções no sentido de fortalecer este serviço público e essencial para saúde da população. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2014, somente 56% dos domicílios possuíam coleta de esgoto. O caso mais crítico é o da região Norte, onde 87,8 % das casas não têm coleta de esgoto. Em seguida vem o Nordeste, com 64%; o Sul, com 58,2%; Centro-Oeste, 58%; e o Sudeste, onde o percentual é bem diferenciado: 15,1% não tem coleta.
A privatização não resolve estes problemas. Ao contrário, os intensifica. Representa a lógica do lucro acima de tudo, não importa se milhares de pessoas vão morrer por falta de saneamento. O que importa mesmo é se o balancete financeiro da empresa vai ter lucros exorbitantes. O lucro acima da vida.
Os governos, financiados em suas campanhas por grandes setores empresariais, tentam retribuir os “favores” entregando a estes empresários nossas riquezas a preço de banana. Com discursos enfatizando a eficiência e a gestão, na verdade só estão pensando em favorecer seus grupos econômicos. Quem sofre é a população mais carente.
“A luta contra a privatização do serviço de água e esgoto é uma luta em defesa da garantia do acesso à água e à coleta de esgoto aos mais pobres, porque se privatizarem, além de o serviço piorar, haverá demissão em massa dos trabalhadores, precarização do trabalho e aumento abusivo nas tarifas”, afirma, em nota, a diretoria do Sindicato dos Trabalhadores nas Indústrias Urbanas da Paraíba (Stiupb).
É necessário desenvolver uma ampla campanha de informação para a população demonstrando as consequências das privatizações. Em todos os lugares onde se procederam estas iniciativas a qualidade do serviço piorou e ainda se teve que pagar mais por ele; sem contar que houve precarização dos empregos e o aumento do desemprego.
Alexandre Ferreira, Teresina.