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Diário Liberdade
Sábado, 08 Julho 2017 20:28 Última modificação em Terça, 11 Julho 2017 16:59

Porque Washington está preocupada com o Míssil Balístico Intercontinental norte-coreano

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País: Coreia do Norte / Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Resistir

[Stephen Gowans] Com o teste do Míssil balístico intercontinental ( ICBM ) assinalando a sua capacidade de retaliar a uma agressão dos EUA, a Coreia do Norte deixou claro que o esforço norte-americano de sete décadas para derrubar o seu governo poderá nunca se concretizar – um duro golpe contra o despotismo dos EUA e um avanço para a paz e para a democracia a uma escala mundial.

Um dado número de países testou recentemente mísseis balísticos ou de cruzeiro e uma mão-cheia, em particular a Rússia e a China, possuem ICBMs com ogivas nucleares capazes de atingir os EUA. E, no entanto, apenas os mísseis e programas de armas nucleares de um desses países, a Coreia do Norte, suscitam consternação em Washington.

O que faz da minúscula Coreia do Norte, com o seu minúsculo orçamento de Defesa, e com os seus rudimentares arsenal nuclear e capacidade em matéria de mísseis, uma ameaça tão alarmante que faz "espalhar a preocupação em Washington e nas Nações Unidas"? [1]

"A verdade", diz-se, "encontra-se muitas vezes escondida na primeira página do New York Times". [2] Isto não é menos verdade no que toca ao real motivo da inquietação de Washington perante os testes de mísseis norte-coreanos.

Hwansong 14, o ICBM da RDPC. Num artigo de 4 de julho de 2017 intitulado "O que pode Trump fazer em relação à Coreia do Norte? As suas opções são poucas e arriscadas", o repórter David E. Sanger, membro do Council of Foreign Relations, o think-thank não-oficial do Departamento de Estado norte-americano, revela o porquê de Washington estar alarmado pelo recente teste de um míssil balístico intercontinental por parte da Coreia do Norte.

"O medo", escreve Sanger, "não é de que o Sr. Kim [líder norte-coreano] lance um ataque preventivo sobre a Costa Oeste dos EUA; isso seria suicida, e se o líder norte-coreano de 33 anos demonstrou algo nestes cinco anos de liderança, é que a sua prioridade é a sobrevivência".

O alarme de Washington, de acordo com Sanger, é o facto de o "Sr. Kim ter [agora] a capacidade para contra-atacar". Em outras palavras, Pyongyang adquiriu meios eficazes de auto-defesa. Isso, escreve Sanger, faz da Coreia do Norte um "regime perigoso".

Hwansong 14, o ICBM da RDPC. De facto, para uma potência hegemónica como os EUA, qualquer governo estrangeiro determinado, que se recusa a adoptar o papel de vassalo, torna-se um "regime perigoso", que tem de ser eliminado. Nesse sentido, permitir a uma nação independente como a Coreia do Norte desenvolver os meios para se defender mais eficazmente das ambições imperialistas dos EUA é algo que não cabe no guião de Washington. Os EUA passaram os últimos 70 anos a tentar integrar a minúscula e destemida nação no seu império não-declarado. Agora, tendo a Coreia do Norte adquirido a capacidade de retaliar contra um agressão militar dos EUA, e de causar danos consideráveis no território norte-americano, a perspectiva de esse investimento de sete décadas gerar frutos parece improvável.

A hostilidade norte-americana contra a independência norte-coreana tem sido expressa de várias maneiras ao longo das sete décadas de existência da Coreia do Norte.

Três anos de agressão militar liderada pelos EUA, de 1950 a 1953, exterminaram 20% da população da Coreia do Norte e reduziram a pó todas as cidades do país [3] , levando os sobreviventes a refugiarem-se em abrigos subterrâneos, onde viviam e trabalhavam. Acerca da destruição causada pelos EUA, disse o general norte-americano Douglas MacArthur: "Eu nunca tinha visto tamanha devastação... Depois de ver os escombros e aqueles milhares de mulheres e crianças e tudo o mais, vomitei". [4]

Hwansong 14, o ICBM da RDPC. Uma campanha viciosa de sete décadas de guerra económica, destinada a destruir a economia norte-coreana e levar miséria ao seu povo, conferiu à Coreia do Norte a infeliz distinção de nação mais sancionada do planeta. Dentre os pacotes de sanções norte-americanas, há as que foram impostos pelo facto de a Coreia do Norte ter escolhido uma "economia marxista-leninista" [5] , revelando o que está de facto na base da hostilidade dos EUA contra aquele país.

Durante décadas, os norte-coreanos viveram sob a espada de Dâmocles nuclear norte-americana, sujeitos repetidamente a ameaças de aniquilação nuclear, incluindo serem transformados em "briquetes de carvão" [6] e "completamente destruídos", para que "deixem literalmente de existir" [7] – e isto antes de os norte-coreanos possuírem armas nucleares e os meios rudimentares que lhes permitissem usá-las. Por outras palavras, ao ameaçar pulverizar os norte-coreanos, Washington ameaça torná-los os sucessores dos povos aborígenes americanos, como objecto de genocídio por parte dos EUA.

Devemos relembrar por que razão a Coreia do Norte se retirou do Tratado de Não Proliferação de Armas Nucleares (TNP). Como escreve o professor de História da Universidade de Chicago, Bruce Cumings, para a Coreia do Norte a crise nuclear começou em finais de fevereiro de 1993:

"O General Lee Butler, chefe do Comando Estratégico dos EUA, anunciou que armas nucleares estratégicas (i.e., bombas de hidrogénio), anteriormente apontadas para a antiga URSS, iriam ser redireccionadas para a Coreia do Norte (entre outros locais). Ao mesmo tempo, o novo chefe da CIA, James Woolsey, declarou que a Coreia do Norte era a 'nossa mais séria preocupação'. Em meados de março de 1993, dezenas de milhares de militares norte-americanos levavam a cabo exercícios militares na Coreia... e ali chegaram os bombardeiros B1-B, B-52s de Guam, vários navios de guerra equipados com mísseis de cruzeiro, e similares. Depois disso, a Coreia do Norte retirou-se do TNP". [8]

Duas décadas e meia depois, os bombardeiros B1-B e os navios de guerra com mísseis de cruzeiro (desta vez, porta-aviões – meios de "projeção de poder" dos EUA) estão de volta.

No último mês de junho, Washington enviou não um, mas dois porta-aviões, o USS Carl Vinson e o USS Ronald Reagan, para as águas entre o Japão e a Coreia a fim de realizar "exercícios", "uma demonstração de força nunca vista em mais de duas décadas", noticiou o Wall Street Journal. [9]

Ao mesmo tempo, o Pentágono enviou bombardeiros estratégicos B1-B, não uma, mas duas vezes no último mês, para realizar simulações de bombardeamentos nucleares "perto da Linha de Demarcação Militar que divide as duas Coreias", por outras palavras, ao longo da fronteira norte-coreana. [10]

Compreensivelmente, a Coreia do Norte denunciou as simulações de bombardeamentos pelo que elas eram: graves provocações. Se as novas capacidades de auto-defesa do país comunista provocaram preocupação em Washington, então a manifesta exibição de poder ofensivo de Washington poderá ter feito também, legitimamente, soar o alarme em Pyongyang. O Wall Street Journal resumiu as provocações dos EUA desta forma: "As forças militares dos EUA realizaram vários sobrevoos perto da península coreana usando bombardeiros B1-B [nucleares] e enviaram um porta-aviões e respectiva frota para a região – causando apreensão na Coreia do Norte". [11]

Robert Litwak, director de estudos de segurança internacional no Wilson Center, explica a razão da apreensão de Pyongyang, no caso de ainda não ser suficientemente óbvio. Os exercícios militares liderados pelos EUA "[podem parecer] manobras defensivas para nós, [mas] da perspectiva da Coreia do Norte, eles podem pensar que estamos a preparar um ataque quando começamos a enviar bombardeiros B2". [12]

Em janeiro, a Coreia do Norte ofereceu-se para se "sentar com os EUA, a qualquer altura" para discutir os exercícios militares norte-americanos e os programas de armas nucleares e de mísseis balísticos. Pyongyang propôs que os EUA "contribuíssem para aliviar a tensão na península coreana, suspendendo temporariamente os exercícios militares desse ano no sul da Coreia e na sua vizinhança, e que, em resposta, a RPDC estaria pronta a suspender temporariamente os testes nucleares que suscitam a preocupação dos EUA". [13]

A proposta norte-coreana foi apoiada pela China e pela Rússia [14] e, recentemente, pelo novo presidente da Coreia do Sul, Moon Jae-in. [15] Mas Washington rejeitou perentoriamente a proposta, recusando-se a admitir uma equivalência entre os exercícios militares liderados pelos EUA, que os oficiais norte-americanos consideram 'legítimos', e os testes nucleares e de mísseis da Coreia do Norte, que consideram 'ilegítimos'". [16]

A rejeição dos EUA da proposta norte-coreana apoiada por China-Rússia-Coreia do Sul, no entanto, está apenas retoricamente relacionada com noções de legitimidade, e a questão da legitimidade não sobrevive ao mais elementar escrutínio. Por que razão os mísseis balísticos e as armas nucleares norte-americanas são legítimos, e os da Coreia do Norte não são?

A verdadeira razão que leva Washington a rejeitar a proposta norte-coreana é explicada por Sanger: "uma suspensão acordada seria um reconhecimento de que o modesto arsenal da Coreia do Norte estaria aqui para ficar", o que significa que Pyongyang adquiriu a "capacidade para responder" e para impedir Washington de lançar uma agressão para mudança de regime – à maneira das guerras que perpetrou contra Saddam e Gaddafi, líderes de governos independentes, que, tal como a Coreia do Norte, se recusaram a serem integrados no império informal dos EUA, mas que, ao contrário da Coreia do Norte, renunciaram aos seus meios de auto-defesa e, uma vez indefesos, foram derrubados por agressões promovidas pelos EUA.

"É isso que o Sr. Kim acredita que o seu programa nuclear irá impedir", escreve o membro do Council on Foreign Relations. "E ele pode estar certo", concede Sanger.

Qualquer pessoa preocupada com democracia deve ficar animada pelo facto de a Coreia do Norte, ao contrário da Líbia de Gaddafi e do Iraque de Saddam, ter resistido com sucesso às predações dos EUA. Os EUA exercem uma ditadura internacional, arrogando para si próprios o direito de intervir em qualquer parte do globo e de ditar aos outros países como estes devem reger os seus assuntos políticos e económicos – ao ponto de, na Coreia do Norte, empreenderem uma guerra económica contra o país, por este ter uma economia marxista-leninista, oposta aos interesses económicos do estrato superior da sociedade norte-americana, cujas oportunidades para realizar lucro através de exportações e investimentos na Coreia do Norte foram, em conformidade, eclipsadas.

Esses países que resistem ao despotismo são os verdadeiros campeões da democracia, e não aqueles que o exercem (EUA) ou o facilitam (os seus aliados). A Coreia do Norte é caluniada como uma belicosa ditadura, violadora dos direitos humanos e praticante de cruéis e invulgares castigos a dissidentes políticos, uma descrição que assenta como uma luva no principal aliado árabe dos EUA, a Arábia Saudita, destinatário de favores militares, diplomáticos e outros, quase ilimitados, apesar da sua total aversão à democracia, da redução das mulheres ao estatuto de coisas, da disseminação de uma ideologia Waabista sectária e imoral, de uma guerra imposta contra o Iémen e de decapitações e crucificações de dissidentes políticos.

Se estamos preocupados com a democracia, então também devíamos – como argumenta o filósofo italiano Domenico Losurdo – estarmos preocupados com a democracia a uma escala global. O medo que se propaga em Washington e nas Nações Unidas é o medo de que a democracia tenha recebido impulso a uma escala global. E isso não deve ser uma preocupação para o restante da humanidade, mas sim uma "carícia alentadora".
05/Julho/2017
1. Foster Klug and Hyung-Jin Kim, "North Korea's nukes are not on negotiation table: Kim Jong-un," Reuters, July 5, 2017.
2. Esta ideia poderá ser atribuída a Peter Kuznick, co-autor, juntamente com Oliver Stone, do livro The Untold History of the United States.
3. De acordo com o General da Força Aérea dos EUA, Curtis LeMay, chefe do Comando Aéreo Estratégico durante a Guerra da Coreia, citado em Medi Hasan, "Why do North Koreans hate us? One reason – They remember the Korean War," The Intercept, May 3, 2017. LeMay disse "nós matámos ... 20 por cento da população ... fomos lá e lutámos, até destruirmos todas as cidades na Coreia do Norte".
4. Glen Frieden, "NPR can't help hyping North Korea threat," FAIR, May 9, 2017.
5. "North Korea: Economic Sanctions," Congressional Research Service, 2016.
6. Colin Powell ameaçou a Coreia do Norte de que os EUA poderiam transformá-la numa "briquete de carvão". Bruce Cumings, "Latest North Korean provocations stem from missed US opportunities for demilitarization," Democracy Now!, May 29, 2009.
7. General norte-americano Wesley Clark, citado em Domenico Losurdo, Non-Violence: A History Beyond the Myth, Lexington Books, 2015, disse: "Os líderes da Coreia do Norte usam linguagem belicosa mas eles sabem muito bem que não têm uma opção militar viável ... Caso eles atacassem a Coreia do Sul, a sua nação seria completamente destruída. Deixaria literalmente de existir".
8. Bruce Cumings, Korea's Place in the Sun: A Modern History, W.W. Norton & Company, 2005. p. 488-489.
9. Gordon Lubold, "North Korea, South China Sea to dominate Defense Secretary's Asia Trip," The Wall Street Journal, June 2, 2017.
10. Jonathan Cheng, "U.S. bombers fly near North Korean border after missile launch," The Wall Street Journal, May 30, 2017.
11. Jonathan Cheng, "North Korea compares Donald Trump to Adolph Hitler," The Wall Street Journal, June 27, 2017.
12. "US experts argue in favor of scaling down S. Korea-US military exercises," The Hankyoreh, June 20, 2017.
13. Korean Central News Agency, January 10, 2015.
14. Jonathan Cheng and Alastair Gale, "North Korea missile launch threatens U.S. strategy in Asia," The Wall Street Journal, July 4, 2017.
15. David E. Sanger, "What can Trump do about North Korea? His options are few and risky," The New York Times, July 4, 2017.
16. Jonathan Cheng and Alastair Gale, "North Korea missile launch threatens U.S. strategy in Asia," The Wall Street Journal, July 4, 2017.

O original encontra-se em gowans.wordpress.com/... . Tradução de Francisco Nunes.

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