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Diário Liberdade
Domingo, 20 Agosto 2017 02:59 Última modificação em Terça, 22 Agosto 2017 15:27

E os vencedores na era pós-Daech são...

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/ Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Asia Times Online

[Pepe Escobar, Tradução do Coletivo Vila Vudu] O caso de amor entre a Casa de Saud e o líder iraquiano nacionalista Muqtada al-Sadr revela o desespero dos sauditas depois da miserável derrota na Síria e de uma mudança para se opor ao Irã em Bagdá, em vez de se opor a Damasco.

Muqtada al-Sadr está aprontando alguma. No Iraque ocupado de 2004, o líder nacionalista que adiante construiu o movimento Sadrista chegava a ser demonizado como inimigo número 1 dos EUA – destronando rapidamente Osama bin Laden. Agora está sendo pintado – pelos bajuladores de Wahhabistas de sempre – como uma espécie de Reconciliador. Mês passado, al-Sadr voou para Jedá para encontrar o príncipe coroado Mohammed bin Salman, codinome MBS, o destruidor saudita do Iêmen. Isso, apenas um ano depois de al-Sadr convocar protestos à frente da embaixada de Riad em Bagdá contra da execução do importante clérigo xiita Nimr al-Nimr. Há poucos dias, al-Sadr voou para Abu Dhabi para se encontrar com o príncipe coroado Mohammed bin Zayed Al Nahyan – nada mais nada menos que o mentor de MBS.

O que está acontecendo por aqui? 

Os sadristas são essencialmente a classe trabalhadora urbana nacionalista do Iraque, não exclusivamente xiitas. Al-Sadr é crítico empenhado contra o governo do primeiro-ministro Haider al-Abadi e costumava apoiar – pode-se dizer assim – o ex-primeiro-ministro Nouri al-Maliki. Fator crucialmente decisivo a considerar, é que prega a dissolução das Unidades de Mobilização Popular Hashd al-Shaabi (ing. Popular Mobilization Units, PMU) apoiadas pelo Irã, que foram instrumento importante na luta contra o Daesh. Segundo especialistas do Conselho de Cooperação do Golfo, as viagens de Sadr têm a ver com enfrentar a expansão comandada pelo Irã xiita e respectiva "agressão". Mas as versões sobre a ira contra a influência do Irã no Iraque só contam metade da história.

O esperto al-Sadr está de fato em luta contra qualquer interferência – do Irã, sim, mas também da Arábia Saudita wahhabista, da Turquia sunita e de Israel pró-curdos. Por outro lado, as al-Sadr exigiu ano passado a renúncia de Bashar al-Assad na Síria – o que o pôs alinhado com a parte de Riad e Ancara que querem interferências/mudanças de regime. A noção de que a Casa de Saud consideraria investir no Iraque sul e central de maioria xiita e enviar ajuda humanitária para os migrantes internos iraquianos, como foi confirmado pelo escritório de al-Sadr nada é além do mais vagabundo duplifalar orwelliano. Rápido exame de como a Casa de Saud está tratando os xiitas no Iêmen e na própria província Oriental da Arábia Saudita basta para dirimir quaisquer dúvidas.

Os sauditas também prometeram "reforçar a autoridade árabe xiita" em Najaf e Karbala. É aberta interferência em assuntos religiosos xiitas – com Najaf, que é quietista, em aberta oposição à cidade de Qom, militantemente Khomeinista. Os sauditas também "consideram" instalar um consulado em Najaf e operar voos de Najaf à Arábia Saudita.Todo esse enredo pode ser interpretado como Riad usando Najaf como uma espécie de ponte para Bagdá. MBS fez circular a ideia de que gostaria que o primeiro-ministro al-Abadi fosse um mediador na relação sempre difícil entre Riad e Teerã. O Irã acolheu bem a ideia – assumindo-se que não seja tática diversionista dos sauditas.O jogo da Casa de Saud tem a ver sobretudo com as eleições de 2018 no Iraque.

Al-Sadr é um conhecido fazedor de reis de eleições passadas. Mas a ideia de que os sauditas consigam comprar al-Sadr para fazer dele "O Homem de Riad" é ridícula. Al-Abadi e al-Maliki (ele próprio fortemente apoiado pelas Unidades de Mobilização Popular) concorrerão na mesma chapa, e é possível que obtenham mais de 120 assentos no Parlamento. Se acontecer assim, é fim de jogo para al-Sadr. O que esse jogo do poder na Casa de Saud revela é, mais uma vez, desespero – causado essencialmente pela derrota miserável que sofreram na Síria. Daí a mudança, para tentar conter a "agressão" iraniana no Iraque, em vez de na Síria.

Síria: os fatos em campo

Muito além do ninho de amor de sauditas e al-Sadr, a Mesopotâmia e o Levante na era pós-Daech são hoje sem dúvida irreconhecíveis, se comparados ao estado do tabuleiro no início dos anos 2010s.Os fatos em campo no teatro de guerra na Síria são fortes.

Enquanto na Av. Beltway o Departamento de Estado dos EUA permanece cego pela mudança de regime, Moscou avançou e, com uma pequena força expedicionária virou de pernas para o ar o jogo no Oriente Médio. Com jatos russos perfeitamente coordenados com várias forças em solo, a diplomacia russa acabou por fechar completamente todos os tipos de fronts de guerra e impôs cessar-fogos ou zonas de desescalada.Há agora um Novo Exército Sírio [ing. New Syrian Army (NSA?)], em vez daqueles mortos vivos do "Exército Sírio Livre", perfeitamente treinado e testado em combate, seja em guerra convencional seja em guerra de guerrilha e guerrilha urbana, e com a moral muito alta, a ponto de o Hezbollah hoje só precisa alocar uns poucos de seus oficiais para coordenar cada unidade síria.Unidades Populares Nacionais, ao estilo Hezbollah, ou mesmo ao estilo das UPNs, estão sendo construídas por Damasco, como espinha dorsal de futuras forças de resistência contra invasões, diretas ou por mercenários mandados para lá.

Enquanto a CIA e a Casa de Saud, Qatar (que adiante se arrependeu) e Turquia (que adiante se alinhou ao lado dos russos) viviam obcecados naquela cruzada de mudança de regimes, "investindo" em usar os tais "rebeldes moderados" e jihadistas enlouquecidos para disseminar o caos, o Irã investiu bilhões de bom e velho dinheiro na Síria – inclusive pagando salários de soldados, comprando petróleo, em apoio logístico e em construir fábricas de medicamentos.Assim sendo, exceto o Novo Exército Sírio, os combatentes jihadistas que ainda há em solo são amontoados de milícias xiitas. Há grupos de resistência, às vezes chamados de Hezbollah Iraquiano, e há as Forças Locais de Defesa em Aleppo e as Forças Nacionais de Defesa que reúnem alawitas e sunitas, todos com suporte de instrutores militares iranianos.O Hezbollah, por sua vez, é hoje ainda mais forte do que em 2006. A verdade, em resumo, é que foi o Hezbollah quem, em essência, derrotou a al-Qaeda na Síria.

De importante, sobretudo, é que está morto o projeto de dividir para governar um Takfiristão. Daesh e al-Qaeda estão sendo esmagados – e serão reduzidos a bandos de assaltantes de estrada de periferia. O governo Trump pôs fim ao "Assad tem de sair" e ao financiamento pela CIA, aos tais "rebeldes moderados".Nem Síria nem Iraque serão divididos. E no front do Oleogasodutostão – um dos motivos cruciais da guerra – pode-se até antever em futuro próximo, que Irã e Qatar se unirão para vender gás natural à Europa.Implica dizer que não haverá Novo Oriente Médio neoconservador. Em vez disso, os "4+1" – Rússia, Síria, Irã, Iraque plus Hezbollah – ganharam a banca e controlam o jogo. E Washington que durma com um barulho desses.

As alegrias de liderar pela retaguarda

É quando entra em cena a Feira Internacional de Damasco, a ser inaugurada nessa 5ª-feira. É a pedra inaugural do renascimento da economia síria.

Que nações estão representadas na feira diz tudo sobre o futuro. Todos os BRICS lá estarão,[1] ao lado de Irã, Iraque e Cuba.

Quem não estará lá? França, Reino Unido, Turquia, a Casa de Saud e os EUA – todos aplicados apoiadores de mudança de regime, "rebeldes moderados" e todos os que se fizeram representar por jihadistas salafistas.Não surpreende que Rússia, China e Irã – os três principais polos cruciais da integração da Eurásia – recebam tratamento de "alta prioridade" segundo Damasco, na reconstrução da Síria. Portanto nem só os "4+1" estão ganhando acesso ao comando: entra o mamute chinês.

Como Asia Times noticiou, a Arab-Chinese Exchange Association já rolara um tapete vermelho prévio, promovendo a feira de Damasco em Pequim num evento chamado "First Project Matchmaking Fair for Síria’s Reconstruction." Participante chave nesse evento foi o Banco Asiático de Investimento e Infraestrutura (BAII).

Pequim já vê a Síria como parte da Iniciativa Cinturão e Estrada (ICE). Afinal de contas, esse "Novo Oriente Médio" é crucial para a China, especialmente como sua maior fonte de importações de petróleo, que deve permanecer acima dos 50% para o futuro previsível.O atual estado de coisas já foi previsto e cogitado pelo especialista em Relações Internacionais Wang Jisi, nos idos de 2012, em seu estudo pioneiro e revolucionário Marching Westwards: The Rebalancing of China’s Geostrategy, no qual codificou a expansão estratégica da China, da Ásia Central para o Oriente Médio.ICE é o auge dessa visão – e instalará uma orgia de conectividade entre China, o Golfo Persa e o Mediterrâneo. Para Pequim, a Síria é extremamente atrativa como entroncamento chave para transbordo de mercadoria embarcada para o Iraque, o Líbano e o Levante, e também por possibilitar acesso direto ao Mediterrâneo.

A China National Petroleum Corporation (CNPC) não é só acionista nas duas principais empresas de petróleo da Síria, como também já assinou importantes contratos para assistência em pesquisa e desenvolvimento; e a Sincochem é dona de direitos em um dos dois maiores campos de petróleo na Síria.Damasco está muito consciente da política chinesa sutil para a Síria, de "liderar pela retaguarda". Pequim, aliada a Moscou, já reduziu a nada o esquema induzido pela OTAN de sanções/condenações contra a Síria, no Conselho de Segurança da ONU.

Pequim sempre teve certeza de que não haveria 'mudança de regime' na Síria – com as consequências devastadoras que se viram na Líbia. O show de horrores dos "rebeldes moderados"/Salafi-jihadi na Síria manteve a China em alerta vermelho, dada a possibilidade de a coisa ser "exportada" para Xinjiang.Al-Sadr, jogando seu jogo wahhabista, nada perderia se aprendesse algumas dicas do Politburo chinês: use o seu tempo com cuidado. Não deixe ver que você lidera pela retaguarda. E dê o bote quando identificar os reais vencedores. Pequim não se deixou enganar pelo "pivô para a Ásia" dos EUA – o qual, por falar dele, colapsou sob o próprio peso. Há problemas no front oriental? Invista sutilmente no front ocidental. E colha seus benefícios ombro a ombro com os "4+1."O Iraque, aliás, é parte dos "4+1." Se al-Sadr jogar corretamente as cartas que tem, pode até ser promovido, de MBS, para Xi Jinping.


[1] Foram convidadas quatro empresas brasileiras, mas em junho ainda não haviam decidido participar. Mais em Brazil-Arab News Agency[NTs].

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