Milhares de pessoas ficárom na fronteira do Bangladesh, que se nega a acolhê-los porque “há terroristas infiltrados entre eles”. Trata-se de umha nova fórmula do castigo coletivo a um povo já castigado.
A imprensa de massas ocidental e a dos países mussulmanos acusa os budistas de limpeza étnica e assinala Suu Kei, ministra dos Negócios Estrangeiros, pola passividade e por ser cúmplice dos crimes cometidos polos “budistas”, que nom os generais que continuam a deter o verdadeiro poder em Myanmar. Que interesse terám para apresentar este conflito como étnico-religioso? Porque destacam o drama destas pessoas enquanto silenciam o de 17 milhons de iemenitas ou dos sete milhons de sudaneses que suportam, há vários anos, a soma de terror, violaçom, tortura, fame, sede, desespero e outras atrocidades perante a total passividade da comunidade internacional?
Por sua vez, o governo de Myanmar e os meios pró-chineses minimizam a importáncia da crise e culpam os “terroristas bengalis”, ou o que é o mesmo, a Organizaçom Arakan Rohingya Salvation Army (ARSA) de ter provocado a tensom, assaltando a 25 de agosto várias esquadras policiais e postos militares e assassinar a vários agentes.
No entanto, entre as causas do conflito “interno” de um país que compartilha fronteira com a China nom podia faltar o determinante fator geopolítico.
Quem som os rohingyás?
Myanmar é um país de 52 milhons de habitantes, dos quais 1,1 milhons som rohingyás, que levam o nome do Estado em que habitam. som descendentes dos trabalhadores bengalis que chegàrom à Birmánia a partir do século XV, e hoje som um das dezenas de grupos étnico-religiosos (que falam cerca de 100 idiomas e dialetos), que vivem sob o domínio de umha maioria de budistas da etnia Bamar, e possivelmente de origem mongol. Apesar dos imensos recursos naturais, Myanmar ocupa o posto 150 dos 187 países no Índice de Desenvolvimento Humano: só 26% daa sua populaçom tem acesso à eletriidade.
Salvo o curto período do governo do presidente Ne Win (1962 e 1988), que dirigiu a República Socialista da Uniom de Birmania, os rohingyás e outras minorias do país como Karen, Kachin (cristá) ou Shan, fôrom perseguidos e condenados a umha extrema pobreza. Os budistas supremacistas destruírom mesquitas, mas também igrejas e templos hinduístas dos imigrantes índianos.
Desde o golpe de estado militar do 1988, o exército converteu-se em dono direto dos recursos do país: as seus férteis terras, água, petróleo e mineraçom, e a 30 de março de 2012, depois de anular a Lei da Terra de 1963 -aprovada polo governo socialista que protegia os pequenos proprietários e os direitos dos cultivadores da terra-, abrírom o mercado às corporaçons estrangeiras para arruinar o país. Esta dinámica intensifica ainda mais o processo da expulsom dos camponeses (na sua maioria budistas) das suas terras polos comandantes militares regionais e os seus protegidos paramilitares. Os militares também controlam o negócio de ópio. De facto, hoje Myanmar é o segundo produtor mundial de ópio após o Afeganistám, a partir da sua ocupaçom pola NATO em 2002, se converter no primeiro. Também em Myanmar (e Laos e Tailándia, o chamado “Triángulo de Ouro” do ópio e da heroína) EUA utilizou a droga para financiar o Kuomintang, um partido fascista que luitava contra as forças de Mao Zedong.
A esta involuçom acrescentou-se a suspensom da lei que atribuía cidadania aos mussulmanos rohingyás, o qual ateou o fogo da batalha entre os despejados: os budistas empobrecidos tivérom via livre para atacarem e expulsarem das suas casas e terras os mussulmanos pobres.
No mesmo ano 2012, aparece a insurgência islamista ARSA, integrada por várias centenas dos 500.000 rohingyás emigrados no Paquistám, e treinados como jihadistas polo regime do general Ziaul Haq e a CIA para luitar contra o governo socialista do Afeganistám. A ausência de umha informaçom objetiva e imparcial impossibilita conhecer o papel real desta organizaçom na atual crise.
O braço de ferro entre a China e os EUA
O maior país do sueste asiático e com imensas terras cultiváveis e água, Myanmar encontra-se entre dous dos estados mais povoados do mundo, China e Índia, necessitados de recursos naturais, embora o verdadeiro rival da China neste cenário sejam os EUA.
Para a China, Myanmar, com o qual tem 2.204 quilómetros de fronteira, é como o México para os EUA. Pequim, até 2015 –data da instalaçom do governo de Suu Kyi, patrocinado polos EUA–, além de manter umha ampla relaçom com o regime militar birmano, também cuidou do Exército do Estado de Wa Unido (UWSA), a organizaçom armada étnica mais forte de Myanmar, e um dos grupos nascidos da desintegraçom do Partido Comunista da Birmánia em 1989. Que a China patrocinasse um grupo para fazer avançar a sua agenda num país (fazer de “proxy”) é novo na política exterior chinesa. Paralelamente, o governo do presidente Xi, com o fim de aumentar a sua influência política no país e pôr fim à longa guerra civil birmana, organizou encontros entre o governo de Suu Kyi e os grupos rebeldes. Quanto às relaçons comerciais, a China é o primeiro sócio de Myanmar, e investiu uns mil milhons de dólares nas infraestruturas do país vizinho. Em abril passado, inaugurárom uns oleodutos que atravessam Myanmar e alcança o sudoeste da China, aumentando a segurança energética da China. “Curiosamente”, o Estado Rohingya é onde começam estes encanamentos na Baía de Bengala.
A China nom votou o comunicado de 5 de setembro da ONU, proposto polos EUA, que condenava a “limpeza étnica” dos mussulmanos rohingyás, e agora teme que esta “sensibilidade” seja o início de um plano para sabotar os oleodutos chineses, e impedir a construçom do porto Kyaukpyu que fai parte do projeto da Nova Rota da Seda (“One Belt, One Road”). Este porto, ao igual que o porto Gwadar paquistanês alugado pola China, é vital para o gigante asiático, que hoje realiza grande parte do seu transporte comercial polo congestionado estreito de Malaca, e irá permitir-lhe importar o hidrocarboneto do Golfo Pérsico a da China. Que os corredores marítimos vitais passam através de águas disputadas ou bloqueados, obriga a Pequim a conseguir um acesso direto ao Oceano Índico, e só pode o fazer através do Paquistám e Myanmar. Washington teme que estes portos sirvam também de base naval para o seu grande rival.
Daí que Barak Obama, que planeou rodear a China com bases militares, nom só levou a sua protegida Suu Kyi ao poder, como foi o primeiro presidente dos EUA a visitar o país, em 2012, e voltou de novo em 2014 para o atrair à sua órbita com acordos comerciais e militares.
Em março do 2017, um navio da marinha dos EUA, o Comando Militar de Navegaçom Marítima, visitou um porto de Myanmar pola primeira pola primeira vez desde a Segunda Guerra Mundial.
A mudança de rumo na política exterior dos EUA com a Administraçom Trump e a sua obsessom com o Irám permitiu aos chineses respirarem com algumha tranquilidade, embora esta “crise de refugiados mussulmanos” poda se converter no seu pesadelo. Os EUA preferirám um Myanmar destruído e afundado na guerra civil a que se converta numha ponte para a expansom da influência chinesa. Entretanto, o regime militar birmano desvia a atençom das luita de classes para um conflito étnico-religioso entre marginalizados budistas e mussulmanos.
Antes que Myanmar se desfaga entre caos e desastre, há que forçar o exército a se retirar do estado de rohingyás, pôr fim à matança desse povo e garantir os seus direitos federais.