16 anos depois do 11/9 e do subsequente bombardeio norte-americano que derrubou os Talibã, em que pé estamos?
Osama bin Laden está morto. Al-Qaeda não existe mais no Afeganistão, mas ataca como enxame a província Idlib na Síria, convertida por metástase em Hayat Tahrir al-Sham (HTS), a ex- Frente al-Nusra; 30 mil jihadistas com experiência de combate que absorveram brigadas de outros grupos de "rebeldes moderados". Os Talibã controlam de fato mais de 60% do Afeganistão.
A mini-avançada recém anunciada do governo Trump (mais 4 mil soldados, além dos 11 mil que lá estão) não mudará os fatos em campo, como tampouco o plano original de Erik Prince, que sugeriu enviar para lá seu exército privado. Depois que a nova avançada foi anunciada, Prince na verdade revelou que o Conselheiro de Segurança Nacional H.R. McMaster "originalmente solicitou entre 70 mil e 80 mil soldados adicionais."
Agora comparem a estratégia de uma solução baseada no Pentágono para "vencer" (a palavra é do próprio Trump) com a de Pequim.
O ministro de Relações Exteriores da China Wang Yi, no final de junho desse ano, negociou um acordo entre Paquistão e Afeganistão para estabelecer um mecanismo para gestão de crises, que a China apoiará, capaz de operar como mediador entre Cabul e Islamabad. Conseguido isso, Yi provavelmente passará a tentar reconstruir o muito difícil Grupo de Cooperação Quadrilateral, composto de Afeganistão, Paquistão, China e os EUA.
As conversas trilaterais Af-Pak-China – que acontecerão ainda esse ano em Pequim – foram decididas semana passada durante a primeira viagem internacional do ministro de Relações Exteriores do Paquistão Khawaja Asif, para – e para onde seria?! – Pequim. As conversações se centrarão em encontrar um modo para negociar com os Talibã –, em contraste muito claro com a estratégia do Pentágono do governo Trump.
Extraordinário é que Yi elogiou os esforços de Islamabad na luta contra o terrorismo, apenas umas poucas semanas depois da cúpula dos RICS* em Xiamen, onde a China foi um dos membros que declarou Lashkar-e-Taiba e Jaysh-e-Mohammad – dois grupos com base no Paquistão – organizações terroristas.
Por sua vez, o popular líder da oposição no Paquistão Imran Khan, líder do partido Terheek-e-Insaf, que governa a ultrassensível província do nordeste (que faz fronteira com o Afeganistão) privilegia o diálogo Af-Pak e fronteiras abertas.
E, isso, enquanto Islamabad está realmente construindo um muro ao longo da longa e extremamente porosa fronteira de 2.600 quilômetros (afinal, são todos, dos dois lados, primos pashtuns). A explicação é que melhoraria o impulso contraterrorista. Mas Cabul opõe-se firmemente – os afegãos contestam furiosamente a linha Durand do Império Britânico.
A posição de Khan reflete uma vasta porção da opinião pública paquistanesa, para os quais o melhor mapa do caminho que há hoje para o Af-Pak não inclui aumentar a intervenção militar norte-americana, mas, isso sim, exige um amplo processo político.
Em seu papel de mediador, Pequim move-se cautelosamente em campo minado que inclui também a possibilidade de fricção com a Índia.
A percepção popular majoritária no Paquistão, fundamentada ou não, é que os ataques terroristas – a maior parte dos quais ocorrem no Khyber Pakhtunkhwa – originam-se no Afeganistão e são "controlados" pela Índia.
New Delhi compete ativamente com Pequim com substanciais investimentos no Afeganistão, não só em projetos de reconstrução, mas principalmente numa estratégia de conectividade da Índia: o acordo trilateral de $550 milhões, com Afeganistão e Irã, para desenvolver o porto de Chabahar, que deve ser configurado como um nodo de uma embrionária Rota da Seda Indiana que contornará o Paquistão.
O Paquistão está aliado à China – e a destinação é outro nodo chave das Novas Rotas da Seda, também chamadas Iniciativa Cinturão e Estrada, o Corredor Econômico China-Paquistão (CECP). Pequim sabe muito bem que Islamabad não pode aceitar nem governo pró-Índia em Cabul, nem algum Talibã incontrolável, de volta ao poder.
Os Talibã, por sua vez, sabem que estão vencendo no interior do país (embora não nos principais centros urbanos). Não estão pressionados para se aproximarem da mesa de negociações; e quando lá chegarem, quererão parte substancial da agitação.
TAPI ataca novamente
Essa parte da agitação tem a ver com um dos novelões preferidos do Oleogasodutostão, que acompanho já há anos: o gasoduto de $10 bilhões Turcomenistão-Afeganistão-Paquistão-Índia (TAPI).
Recentemente, tem-se observado algum movimento. Cabul apareceu com um projeto de engenharia para o trecho afegão do TAPI. Islamabad trabalha na supervisão e "engenharia detalhada" desses avanços.
O novelão infindável TAPI ainda é a única boa chance para o Turcomenistão aumentar seus ganhos da exportação de gás natural. Um gasoduto Trans-Cáspio é ainda mais irrealizável, por culpa da incompetência da União Europeia como negociadora.
Mesmo assim, ninguém sabe se o TAPI algum dia realmente acontecerá; a mais recente data marcada para entregar a obra pronta é 2020. É sempre crucial lembrar que o TAPI foi sonho dos EUA no primeiro governo Clinton, quando os Talibã eram aliados acomodados dos EUA, a ponto de visitarem Houston para discutir acordos de energia.
Pentágono ou OCX?
A política chinesa para o Afeganistão é cuidadosamente gerida pelo Conselheiro do Estado Chinês Yang Jiechi – que recebeu briefing especial do secretário de Estado dos EUA Rex Tillerson, depois de Trump anunciar sua mini-avançada. A política segue três vetores chaves.
O primeiro é o contraterrorismo – um dos pontos de concentração da Organização de Cooperação de Xangai (OCX). Sob as atuais circunstâncias, significa luta regional concertada contra qualquer expansão do Daech, também chamado ISIS-K ("ISIS-Khorasan").
O segundo tem a ver com consideráveis investimentos chineses na extração de minérios afegãos, coisa que, literalmente, envolve todos os mármores, além de lítio e cobre no projeto Mes Aynak de mineração.
O terceiro vetor e que tudo recobre é a conectividade, com o Afeganistão, na intersecção da Ásia Central com Sul da Ásia, idealmente posicionada como nodo chave da Iniciativa Cinturão e Estrada. Trens de carga da China ocidental já há um ano chegam à cidade de Hairatan, na fronteira ao norte do Afeganistão.
Por sua parte, a Rússia não está "apoiando os Talibã" – ao contrários dos boatos disseminados pela OTAN. Como Sun Zhuanghzi, secretário-geral do Centro de Pesquisas da OCX na Academia de Ciências Sociais da China, pode atestar, o que se vem desenvolvendo nos encontros anuais da OCX desde no mínimo 2002 é uma posição comum da parceria estratégica Rússia-China: os Talibã tem necessária e imperativamente de ser incluídos num processo afegão de reconciliação nacional. Especialmente depois de os Talibã terem tornado público seu apoio a investimentos estrangeiros para infraestrutura – conectividade ferroviária, TAPI, até Mes Aynak – desde que sejam investimentos que visem a atender interesses do povo afegão.
Incorporar os Talibã no processo de paz também implica que devam lutar contra eventual levante do Daesh, também chamado ISIS-K, processo que já está em andamento.
E essa solução exclusivamente asiático-afegã deve ser trabalhada sob o guarda-chuva da OCX, da qual Rússia, China, Índia e Paquistão são membros, e o Afeganistão é observador e futuro membro pleno.
Não surpreende que a mini-avançada do Pentágono no Afeganistão tenda a se deixar interpretar em toda a Eurásia – especialmente na China, Rússia, Irã e Paquistão – segundo dois principais vetores.
Um, a possibilidade para os EUA e ainda passar a mão em parte daquela fabulosa riqueza, que valeria segundo se ouve $1 trilhão, de recursos naturais/minerais à qual Trump aludiu e que interessa também a ambas, China e Rússia.
Outro, uma base militar avançada para atrapalhar/interferir/minar as Novas Rotas da Seda/ICE e a integração da Eurásia – parte de uma ampla e complexa guerra econômica dos EUA contra os eixos eurasianos Rússia, China e Irã.
Nada disso tem qualquer coisa a ver com a Guerra Global ao Terror (GGaT) que o governo Obama rebatizou de Operações de Contingência no Realpolitik diz que qualquer solução no dramático tabuleiro de xadrez afegão para o que, para os EUA, traduz-se em guerra que já dura 16 anos, terá sempre de envolver envolve China, Rússia, Índia, Irã e Paquistão.
Em resumo, essas são as apostas de alto nível no Afeganistão, com uma lembrança distante do 11/9: ou uma solução à moda Pentágono, ou uma solução completamente asiática.*****
* Desde o golpe de 2016, o Brasil deixou de se inscrever entre parceiros comerciais confiáveis de quem seja, e voltou à condição degradada de estado-vassalo dos EUA. Por isso, doravante, não mais falaremos de BRICS, que já não existem, mas só de RICS, sem Brasil, que está em processo de desmonte [NTs].