Aparentemente, o poder macronista é inexpugnável: detém o Eliseu, dispõe do apoio dos oito multimilionários donos de 90% dos média privados franceses, nomeia os dirigentes do pretenso serviço público do audiovisual, dirige com mão de ferro um governo pastiche e uma maioria parlamentar de lambe-botas. Por outro lado, o PS e o PCF apelaram ao voto em Macron na segunda volta das presidenciais, e depois na segunda volta das legislativas, sob pretexto de barragem «antifascista» (mesmo sabendo que Macron quer inserir o estado de emergência liberticida na lei «comum»!); enfim, a maioria dos aparelhos sindicais, a CFDT evidentemente, mas também Jean-Claude Mailly que passo a passo dela se aproxima, não quer mais que isolar a CGT, engolindo alegremente a serpente constritora da Lei do Trabalho «XXL».
Acrescente-se que o híper-conformista euro-atlântico Macron tem o apoio dos seus padrinhos do mundo euro-atlântico, a quem obedece servilmente, de Donald Trump a Angela Merkel, passando por Santo Obama, Wall Street e o FMI. Quem então, ousaria em França opor-se um pouco mais duramente a um tal «Jupiter»?
Para ajudar à missa, uma boa parte da «esquerda radical» (sic) passa mais tempo a denunciar a «Coreia do Norte» cercada e a Venezuela bolivariana desestabilizada pela oligarquia e pela CIA, que a combater na rua o principal inimigo dos povos, da paz e do direito dos povos a dispor de si mesmos sem ingerência estrangeira: o imperialismo americano e os seus vassalos da UE.
MACRON, OU O GIGANTE DE PÉS-DE-BARRO
No entanto, as recentes declarações proferidas por Macron a partir do estrangeiro, da Polónia* e da Roménia nomeadamente, manifestam claramente o seu extremo nervosismo.
Não é um sinal de força correr para o estrangeiro declarar a França «irreformável» e calcar o nosso povo sob um espesso desprezo de casta. É verdade que depois da eleição enganosa de Macron, a sua cotação caiu vertiginosamente na opinião pública. Esta derrocada (20 pontos perdidos num verão, mais que Sarkozy e Hollande juntos!) vem no seguimento ...
• da redução dos APL (1), que penaliza a juventude e os estudantes, ao mesmo tempo que a nova contra-reforma fiscal irá oferecer anualmente, em média, 15 mil € de benesses fiscais a cada uma das 280 mil famílias francesas mais ricas,
• à instituição pelo governo de novos critérios ilegais de entrada na Universidade, o que vem destruir o princípio do bacharelato como primeiro grau universitário,
• ao conflito aberto do Eliseu com o ex-Chefe de Estado-Maior das Forças Armadas (que, por muito estranho ao campo progressista que seja, não pode ver com bons olhos o facto de Macron demolir a defesa «nacional», retirando-lhe mesmo o nome, para construir o futuro exército euro-atlântico),
• ao crescente confronto entre o poder central, que se tornou... «girondino» (!!!) (3) e as comunas de França privadas de meios,
• ao gigantesco corte nos «contratos apoiados» (que sería antes necessário transformar em empregos estáveis e não suprimi-los da noite para o dia)
• e naturalmente, ao anúncio de uma Lei do Trabalho XXL, exigida de forma concertada pelo insaciável MEDEF(5) e pela despótica Comissão de Bruxelas. O que não pode senão inquietar todos os que se mantêm fieis às conquistas do CNR(4) e dos ministros comunistas de 1945, convenções colectivas e Código do Trabalho à cabeça; e tanto mais que que esta lei aparece como anúncio doutras, não menos devastadoras, sobre as reformas, a CSG (6), o subsídio de desemprego, os cortes nos Serviços públicos, a privatização da EDF, etc.
Também não é para Macron um sinal de confiança na sua legitimidade nacional declarar a partir de... Bucareste, que «a França não é ela mesma senão quando vise um projeto que a ultrapasse»: ou seja, quando ela se renega como nação, quando na verdade se trata do contrário: é quando o nosso povo se apoia nas suas melhores tradições nacionais, as do humanismo, das Luzes, da Revolução Francesa – incluindo da sua fase «jacobina» – , da Comuna de Paris, da Lei da laicidade de 1905, da Frente Popular, das lutas anticoloniais e anti-esclavagistas, do CNR, da greve de massas de Maio de 1968, do Não popular à Constituição Europeia, do orgulho francófono recusando o tout-anglais(7 «transatlântico» balbuciado por Macron, segundo o qual o nosso país recupera e brilha mais perante o estrangeiro...
Por outro lado, Macron sabe bem que, ainda que se tenham deixado intimidar um pouco durante as eleições, a propósito de uma saída do euro – QUE NENHUM TENOR DA ESQUERDA ESTABELECIDA OUSOU DEFENDER ABERTAMENTE e que os pseudo-patriotas da FN torpedearam completamente - os franceses, sobretudo os operários e empregados, se mantêm tendencialmente euro-cépticos e que estão fartos, muito maioritariamente, desta ditadura europeia, pilotada por Berlim, que não para de «aligner» e de admoestar a França em todos os domínios, orçamental, industrial, social, linguístico, escolar, cultural, etc.
UM PODER MINORITÁRIO, UM PROGRAMA DE DESMANTELAMENTO NACIONAL PROFUNDAMENTE ILEGÍTIMO
Por outro lado, Macron e os seus têm bem a noção de que são MUITO MINORITÁRIOS no país: Recordemos que...
• na primeira volta das presidenciais, Macron teve apenas 24 % dos votos (dos quais muitos eram «inteligentes» que não queriam Macron, mas procuravam eliminar Fillon votando por «En marche»),
• na segunda volta ele foi eleito, sobretudo na base da chantagem em torno da tomada do poder pela FN (22% na primeira volta, muito longe dos 40% da segunda...) e não na base de uma adesão programática,
• nas legislativas, os «seus» deputados que deviam ter sido eleitos por uma pretensa «vaga laranja», obtiveram menos votos e percentagem que o seu venerado chefe,
• a candidatura Mélenchon recolheu mais de 7 milhões de votos na primeira volta. Ultrapassou salutarmente o PS e os seus seguidores e o seu chefe de fila, JLM, falhou por pouco a segunda volta (que teria sido perfeitamente possível sem as candidaturas de diversão trotskistas e a atitude mais que equívoca do PCF oficial relativamente a Hamon).
• E sobretudo, Macron sabe que mais de 56% dos franceses, dos quais uma maioria esmagadora de operários e empregados, BOICOTARAM a segunda volta das legislativas, sem falar das centenas de milhar de votos brancos e nulos; de tal modo que os 80% de deputados-marioneta macronistas são na realidade um insulto à maioria dos nossos concidadãos, que não se reconhecem neles absolutamente nada.
Acresce ainda que a classe operária e a fração mais avançada da juventude não digeriram a passagem da Lei do Trabalho a golpes de 49-3 (8), que a utilização, ainda pior, de decretos para curto-circuitar o parlamento, apressar a destruição dos contratos de trabalho e o «direito» patronal de despedir a seu bel-prazer, só pode exasperar ainda mais o mundo do trabalho. Imaginemos por momentos que existia em França um verdadeiro partido comunista dedicado à classe operária, revolucionário, 100% antifascista e anti-UE (como era por exemplo o caso na época de Jacques Duclos), um partido reunindo em torno dos trabalhadores em luta essa parte maioritária das camadas médias que está precarizada pelo Partido Maastrichtiano Único (esse «PMU» formado pelos LR, os LRM, o PS e, cada vez mais, pelos seus pequenos batedores euro «comunistas»), um partido que denunciasse sem concessões este poder grosseiramente antissocial, antinacional, antidemocrático, belicista, imperialista e falsamente «antifascista». Haveria então verdadeiras possibilidades de o nosso povo passar da defensiva perdedora, à qual o reduzem há decénios as políticas euro-reformistas da esquerda político-sindical estabelecida, a uma contraofensiva vitoriosa que reabrisse a via a transformações progressistas e revolucionárias no nosso país, o que, por outro lado, não deixaria de despertar profundas simpatias populares no resto da Europa!
Isto significa que a bola está largamente no campo dos verdadeiros comunistas, para se envolverem numa ação comum, independente da direção euro-formatada e social-dependente do PCF-PGE, para irem em conjunto ao encontro dos trabalhadores à porta das empresas, para construírem a dinâmica unitária de ação 100% anticapitalista e anti-UE que levará à reconstituição de um verdadeiro Partido comunista no nosso país.
NA OFENSIVA E COM DETERMINAÇÃO
Em todo o caso, para os militantes do campo popular, o momento não é de deixar cair os braços: em vez de se envolverem em disputas sobre quem-é-quem em matéria de ação, como fazem certos aparelhos, os militantes francamente comunistas do PRCF estarão em todas as mobilizações contra o decreto Macron, venham elas da CGT, da « frente social » ou da France insubmissa. Claro que o PRCF aí levará a sua mensagem própria, a da união da bandeira vermelha e da tricolor, a da Frente antifascista, patriótica, popular e ecológica (FR.APPE !) para, pela via progressista e internacionalista, fazer a França sair do euro, da UE, da OTAN e do capitalismo. O PRCF continuará a apelar aos comunistas, quer sejam ainda aderentes do PC-PGE, quer se organizem independentemente desse partido em fase de deriva terminal, a agir em conjunto pelas « quatro saídas » e a criar as condições para a reconstrução, urgente e vital, de um partido comunista de combate. E dirigir-nos-emos também, sem descanso, aos sindicalistas de classe – que já não suportam a cortina de fumo das « discussões » e do falso « diálogo social » organizados por Macron –, bem como aos republicanos patriotas, que recusam tanto a FN fascizante como a mentira da « Europa Social ».
«REVOLUÇÃO» COM «EM MARCHA» (SIC) OU EM MARCHA PARA A REVOLUÇÃO?
Marcamos encontro neste espírito no pavilhão do PRCF na Festa do Humanité tal como no encontro de luta de 4 de novembro onde, ao contrário dos que «enterram» Lénine enquanto fingem comemorar Outubro de 1917, o PRCF e uma vintena de PC estrangeiros fieis ao marxismo-leninismo afirmarão em conjunto que a luta continua para o derrube do capitalismo, pelo poder dos trabalhadores e pela expropriação capitalista, numa palavra, por uma sociedade socialista «em marcha» ... para o comunismo.
O desprezo com que Macron acaba de tratar povo polaco ingerindo-se na sua política interna, é esclarecedor sobre o caracter neocolonial deste poder. O PRCF está totalmente solidário com os comunistas polacos que procuram derrotar o poder clerical-fascizante de Varsóvia. Mas se quiser ajudar os polacos democratas, Macron terá de se abster de dar lições ao povo que deu ao mundo e à França Dombrowski ou Maria Sklodowska-Curie. Macron deveria, isso sim, denunciar o maccarthismo anticomunista dos dirigentes polacos como uma das fontes da fascização da Europa de leste, nas mãos de poderes fascizantes constantemente alimentados por Bruxelles, que atiça continuamente o anticomunismo e o antisovietismo.
Cabe, por isso, aos comunistas e aos progressistas de França combaterem unidos este anticomunismo, tão perigoso para as liberdades na Polónia como para a democracia e o movimento operário do resto da Europa.
Por outro lado, como entender que Macron corra para Varsóvia e para Bucareste para aí denunciar o « dumping social » ao mesmo tempo que em França se prepara para subverter as convenções colectivas e as condições do despedimento de 17 milhões de assalariados ?
Notas do Tradutor:
(1) Aide personnalisée au logement (Ajuda individual ao alojamento) – subsídio de renda de casa, atribuído pelo Estado às famílias de menores rendimentos. A redução deste subsídio em 5 euros para todos os beneficiários, entrará em vigor em outubro e fará poupar mensalmente 32,5 milhões de euros aos cofres do Estado francês.
(2) Contrats aidés (contratos apoiados) – contratos de inserção no emprego, destinados a jovens à procura do 1º emprego, a desempregados de longa duração, etc...; contratos de trabalho garantidos e apoiados financeiramente pelo Estado. Estes contratos assumem diversas modalidades. (Têm similar em Portugal, permitindo aos patrões “contratar” pessoal, sobretudo com elevadas qualificações, a custo zero). Ver mais em http://travail-emploi.gouv.fr/emploi/insertion-dans-l-emploi/contrats-aides/
(3) Girondinos – membros da Gironde, grosso modo, partido que foi evoluindo para contrarrevolucionário na Revolução Francesa.
(4) contribution sociale généralisée (contribuição social generalizada) – imposto instituído em 1991 para financiar a Segurança Social francesa.
(5) MEDEF – Mouvement des entreprises de France (Movimento (sic) das empresas de Franças) – a confederação francesa do grande patronato.
(6) Conseil nationale de la résistance (Conselho Nacional da Resistência) – órgão nacional que coordenou os diversos movimentos que integravam a resistência interna ao ocupante nazi em França, a partir de Maio de 1943.
(7) O tout-anglais (tudo em inglês) é definido como «a adoção global da língua inglesa como panaceia para a comunicação internacional», que começa a ser denunciada como obsoleta e de efeitos nefastos. Na frase do texto de Gastaud, parece ter um sentido irónico.
(8) A coups de 49-3 (a golpes de 49-3) – trocadilho intraduzível com a alínea 3 do artigo 49 da Constituição francesa, segundo o qual o governo pode chamar a si a responsabilidade de publicar um projeto de lei em debate na Assembleia Nacional, dando-lhe a redação que quiser, bem entendido... Ou seja, governar por decreto.
* Georges Gastaud, filósofo e porta-voz nacional do PRCF é amigo e colaborador de odiario.info.
Tradução de Carlos Coutinho