Insistir neste ponto nos dá ferramentas para sairmos facilmente do pântano das interpretações reacionárias sobre a história soviética.
A ferrovia socialista e suas duas alternativas teóricas
Qual é a essência do programa econômico da contrarrevolução? Se a construção do socialismo passa pelo desenvolvimento do plano – “a planificação centralizada é o modo de ser da sociedade socialista”, ensina Che Guevara –, a restauração capitalista passa pela desarticulação da planificação mediante o desenvolvimento estratégico do mercado – “a planificação se misturou cada vez mais com fatores estimulantes do mercado”, disse o oportunista Mikhail Gorbachev.
O socialismo científico reconhece a existência do mercado como resíduo do capitalismo, consequentemente estuda suas leis, mas não para desenvolvê-lo como no caso dos oportunistas, senão para contê-lo enquanto se extingue por meio do incremento do espaço da ação planificada.
Na experiência soviética, qual foi a expressão da contrarrevolução na discussão sobre a economia política do socialismo? No período revolucionário de Lênin e Stálin, a contrarrevolução “intelectual” esteve representada na “oposição”: 1) Lev Kamenev e Grigori Zinoviev durante os primeiros anos do poder soviético; 2) Leon Trotski e Nikolai Bukharin durante os anos trinta; e 3) alguns economistas da Academia de Ciências (Konstantín Ostrovitianov, Lev Leontiev, Dimitri Shepilov, etc.) durante os primeiros anos de pós-guerra. No período posterior, que engloba a hegemonia deste pensamento, a contrarrevolução “intelectual” naturalmente atuou nas esferas dirigentes. É fácil ver esta questão nos fatos. Durante a hegemonia do marxismo-leninismo, construiu-se na URSS um forte e glorioso Estado socialista, enquanto durante a hegemonia do oportunismo, restaurou-se a sociedade de exploração de classes.
Sintetizando numa metáfora, poderíamos dizer que o Socialismo seria uma ferrovia entre uma localidade chamada Capitalismo e outra chamada Comunismo, onde o trem em direção ao Comunismo está carregado de um plano, ao tempo que o trem em direção ao Capitalismo está carregado de mercado. Uma vez empreendido o trajeto, só pode se avançar ou retroceder, movimentar-se para os lados é naturalmente impossível. A União Soviética foi um trem que, conduzido por Lênin e Stálin, avançou velozmente desde o Capitalismo em direção ao Comunismo. Depois, sob a condução de Nikita Khruschev, Leonid Brejnev e Mikhail Gorbachev, regressou ao ponto de partida.
A ofensiva econômica da contrarrevolução
Qual foi o marco geral da restauração capitalista na URSS? Como bem sabemos, Khruschev foi quem tomou a decisão de iniciar o regresso ao capitalismo. Na esfera econômica, a dita contrarrevolução se expressou no enfraquecimento do investimento na indústria pesada, em proveito da produção de mercadorias. Há um elemento que mostra com muita clareza a diferença radical entre o rumo marxista-leninista e o contrarrevolucionário. Na opinião de Stálin, para se chegar ao comunismo, a União Soviética devia elevar a propriedade dos kolkoses (de tipo similar ao cooperativo) à condição de propriedade de todo o povo (estatal). Entanto que para Khruschev a “construção da base material do comunismo” implicava o fortalecimento dos kolkoses.
A URSS nos tempos de Stálin conseguia manter controlada a questão do mercado ilegal. O mecanismo estava baseado num sistema de distribuição mediante vales, que se intercambiavam pela produção de forma ordenada e justa. O notável desenvolvimento das forças produtivas elevava constantemente a quantidade e a qualidade dos bens disponíveis, questão que se expressava em baixas nos preços (ou nos vales entres aos trabalhadores). Geralmente o compromisso dos operários com seu trabalho era premiado moralmente pelo poder soviético, questão que não afetava a justa distribuição da produção.
Após a viragem revisionista do período do Khruschev, já no tempo de Brejnev, iniciaram-se as reformas econômicas de Aleksei Kosyguin. Estas foram uma verdadeira ofensiva 1) contra a produção planejada segundo as necessidades, ao incorporar a rentabilidade mercantil como critério de avaliação e 2) contra a distribuição socialista, ao introduzir um novo sistema de premiação em dinheiro.
Concretamente se começou a entregar até 30% do salário como incentivo ao trabalho individual. Essa massa nova de dinheiro sobre o salário, ao não ser acompanhada de um incremento na produção e, ao mesmo tempo, manter os preços fixos, levou à aparição da escassez e da inflação – fenômenos até então desconhecidos na URSS. Dito claramente, pode-se dizer que a política econômica da contrarrevolução mudou a deflação (baixa dos preços) do período de Stálin pela inflação, o incremento pela redução de bens recebidos pelo trabalhador soviético.
Como as reformas reacionárias potencializaram a decomposição do socialismo? A escassez de certos produtos evidentemente gerou um descontento generalizado nas massas. Mas, indo mais profundo na análise, queremos enfocar no fato de que a nova situação engendrou as condições para a especulação e a acumulação privada. Um dos principais canais para o desenvolvimento destes fenômenos foi a aparição dos distribuidores de bens de consumo privado, já que eles puderam usufruir da escassez e da inflação para acumular privadamente vendendo sobre o fixado pelo Estado socialista. Em palavras claras, o vendedor podia declarar que vendia a preços oficiais, mas, na realidade, vendia a preços maiores, num processo de enriquecimento que evidentemente teria consequências mortais para o socialismo. Por quê? Algumas respostas são:
1) Porque poupava esses “rendimentos extras” e, pouco a pouco, isso se transformou em “capital” – valor que se valoriza. Assim, o fim do socialismo se tornou uma necessidade para que esses acumuladores conseguissem realizar seu capital comprando força de trabalho.
2) Com o fato de os acumuladores se tornarem um setor de classe privilegiado, o entusiasmo das massas em construir uma sociedade justa entrava em franca decomposição. Simultaneamente, a autoridade moral do Partido Comunista – quem implementou as reformas – se desacreditava ante as massas, e a consciência – que é o motor do socialismo – longe de evoluir, retrocedia.
3) Porque a venda de produtos a preços maiores do que os declarados é a própria criação do mercado paralelo. Algo que, ao mesmo tempo, gera mais condições para a acumulação privada, formando um círculo vicioso totalmente alheio aos princípios mais básicos do socialismo.
A síntese evidente
Os efeitos que mencionamos são só pequenas expressões do grande tema da contrarrevolução econômica na URSS, já que evidentemente este tema é imensamente mais amplo. Porém, de todo modo, isso não implica que não possamos identificar a essência do fenômeno: isto é, que a “desestalinização” econômica se inscreve no intento de fazer retroceder a sociedade socialista para a capitalista.
para A Verdade