É um livro essencial, e extremamente atual, apesar de escrito na década de 1950, porque vale se atentar ao fato de que faz referência ao “hoje”.
Pode se dizer que nesta obra, Simone de Beauvoir se inscreve entre as criticas pioneiras do pós-modernismo – embora em seu tempo não se falasse nisso com a insistência que há em nosso tempo.
Mas os temas do pensamento de direita que critica naquela obra são os temas do debate do pós-modernismo que se generalizou nas décadas seguintes à sua publicação. Alinhados em capítulos de certa forma autônomos, ela aborda e critica questões típicas do pensamento da direita – que vão do anticomunismo crasso, ao subjetivismo, misticismo, individualismo, elitismo, rejeição da ciência – que marcam o pensamento reacionário apresentado como “novidade” embora sejam velharias ultrapassadas que servem apenas para tentar legitimar os privilégios da classe dominante, contra as reivindicações populares que a direita trata como “inveja” e “ressentimento”.
Simone de Beauvoir foi pioneira ao defender os direitos da mulher, e se colocou na origem do reconhecimento da historicidade na determinação de gênero quando insistiu que ninguém “nasce” mulher, mas “torna-se” mulher pela educação que recebe.
Em “O pensamento de direita, hoje” ela criticou “os teórico burgueses professam um subjetivismo psicofisiológico: as idéias refletem não o objeto pensado, mas a mentalidade do sujeito pensante”. Crítica que, em nosso tempo, cabe como uma luva ao subjetivismo típico do pós-modernismo, para o qual o que vale é a interpretação, não a realidade concreta. Maneira de pensar que está na base da rejeição da ciência objetiva e concreta.
A incapacidade de empatia de gente da direita com a humanidade aparece na análise que faz da afirmação de Drieu la Rochelle, um intelectual elitista, teórico da direita, falecido em 1945: "não sei amar. O amor à beleza é um pretexto para odiar os homens". Esteticismo exacerbado semelhante a muitos que, hoje, proclamam o amor do “belo pelo belo”, e deixam em plano secundário a denúncia das contradições e injustiças entre os homens. Simone de Beauvoir diz ainda que a visão estética da vida é uma arma que muitos usam para justificar a ordem estabelecida e, simultaneamente, para se permitir desprezar aqueles que esta ordem oprime e massacra.
Esteticismo narcisista e alienado expresso na cultura pessimista cujo lema é viver o presente, o aqui-e-agora, a cultura descartável dominante em nosso tempo.
Alguns autores da primeira metade do século 20, tratados criticamente por ela, estão na raiz do pensamento de direita atual – entre eles Oswald Spengler, Martin Heidegger, Arnold Toynbee, Karl Jaspers. Daí a extrema atualidade de “O pensamento de direita, hoje”, que denuncia temas caros ao pensamento conservador. Por exemplo, a “naturalização” da história. “A natureza é um dos grandes ídolos da direita”, escreveu Simone de Beauvoir. “Ela surge como antítese da história e da práxis”, explica. “Contra a história a natureza nos oferece uma imagem cíclica do tempo; vimos que o símbolo da roda elimina a idéia de progresso e favorece a sabedoria quietista. O retorno indefinido das estações, dos dias e das noites encarna concretamente a grande roda cósmica”, diz, referindo-se a um mito valioso para a direita. E prossegue: “A evidente repetição dos invernos e dos verões torna irrisória a idéia de revolução e manifesta o eterno. É um comentário sagaz e preciso.
Simone de Beauvoir, que visitou o Brasil juntamente com Jean-Paul Sartre, em 1960 – e se tornou amiga da escritora Hilda César Marcondes da Silva – era uma mulher curiosa em relação ao mundo e atenta às suas contradições. Visitou a União Soviética, China, Cuba nos primeiros anos após a vitória da revolução – e sempre teve uma avaliação muito crítica em relação às maneiras de viver e organizar a vida. Um exemplo é seu romance Mal entendido em Moscou – publicado postumamente na França em 1992 –, onde registrou, a partir da experiência de sua segunda viagem com Sartre à capital soviética, na década de1960, seu inconformismo com os rumos autoritários vividos pela União Soviética.
Simone de Beauvoir foi uma lutadora pela emancipação – de mulheres e homens. Ela registrou no final de “O pensamento de direita, hoje”: o recurso supremo da burguesia, em seu esforço para salvar seus privilégios, “é arrastar consigo, para a morte, a humanidade inteira. A burguesia quer sobreviver; mas seus ideólogos, sabendo-se condenados, profetizam o naufrágio universal. A expressão ‘ideologia burguesa’ hoje não designa mais nada de positivo. A burguesia ainda existe mas seu pensamento catastrófico e vazio , não é mais que um contra-pensamento”.
Referência
Beauvoir,Simone de. O pensamento de direita, hoje. Rio de Janeiro, Editora Paz e Terra, 1967