A ameaça de Eduardo Bolsonaro de um novo AI 5 contra eventual avanço da resistência popular no Brasil motivou protestos indignados mesmo de segmentos prá lá de suspeitos, como o STF, generais, Rede Globo, a Joice do PSL e por aí vai. Como é praxe, a oposição parlamentar avançou a proposta faz-de-conta da cassação do deputado federal golpista. Foi tudo encenação para a platéia, no estilo do menino que gritava “Olha o lobo, olha o lobo” a toda hora. A diferença é que, no Brasil, o animal glutão já assiste o putifério democrático comendo as costelinhas das ovelhas, uma após a outra.
O Ato Institucional nº5, decretado em 13 de dezembro de 1968, sob a presidência do ditador Artur da Costa e Silva, restringiu duramente as garantias democráticas ainda vigentes, em boa parte já desrespeitadas: fechou temporariamente o Congresso; permitiu demisões arbitrárias, intervenção nos municípios, nos estados, etc. Sobretudo, radicalizou a repressão, com prisões, torturas e mortes de opositores ou tidos como tal. Tudo sob o apoio aberto ou velado dos grandes meios de comunicação da época, desnecessário dizer.
O AI 5 foi motivado pelo enorme avanço da oposição popular nos meses anteriores, com destaque para as mobilizações estudantis. Porém, a ditadura e o grande capital temiam sobretudo os trabalhadores que já entravam no combate. Em 16 de abril de 1968, eclodira na Siderúrgica Belgo-Mineira a primeira grande greve operária pós-1964. Em 16 de julho, era a vez da Cobrasma, em Osasco. Em 1967, realizavam-se as primeiras ações de grupos pequenos de esquerda, que abandonavam a luta de massa contra a ditadura, quando ela ainda avançava, pelo combate armado de vanguarda.
Na esquerda e na direita, ontem e hoje, alimenta-se o mito de que o refluxo da oposição popular à ditadura militar e a destruição dos minúsculos grupos armados foram devidos à implacável repressão militar-policial permitida ou simbolizada pelo AI 5. Bastaria, portanto, decretar um novo AI 5, em qualquer momento, para mandar o movimento social ao congelador da história, por longos anos. A oposição parlamentar serve-se atualmente dessa fantasia histórica para rejeitar proposta de combate ao golpismo pós-2016 com a população mobilizada nas ruas, escolas, fábricas, quartéis.
A repressão não derrotou a esquerda
A dissolução da onda popular e operária anti-ditatorial de 1967 e 1968 deveu-se essencialmente a dois fenômenos, inter-influentes. O primeiro, determinante, foi o fim do período recessivo e a forte expansão econômica que o país conheceu a partir de 1968. A expansão econômica foi impulsionada igualmente pela facção militar nacionalista e autoritária-desenvolvimentista que abiscoitara o poder em 1967, defenestrando da direção da ditadura os liberais-castelistas, em um verdadeiro “golpe no golpe”.
Em 1962 a 1967, o crescimento do PIB per capita brasileiro foi de 2,1%. De 1968 a 1973, ele explodiu para 7,9%! A nova conjuntura derrubou o desemprego e aumentou o valor-médio dos salários dos trabalhadores, através da expansão do ritmo da produção e das horas trabalhadas. Ainda que carunchado, o novo ciclo econômico virtuoso, o “Milagre Econômico”, conquistou o apoio ou a neutralidade sobretudo de imensos setores das classes médias, que passaram a fazer viagens à Europa e a comprar carros e apartamentos [BNH], tudo financiado.
A reversão do ciclo econômico depressivo em expansivo, já em 1968, foi olimpicamente ignorada por praticamente toda a oposição à ditadura no Brasil, sobretudo pelos grupos que propunham a luta armada de vanguarda incondicional. É compreensível que assim procedessem os corajosos sub-oficiais e mesmo oficiais nacionalistas que combateram a ditadura militar com os meios que conheciam, ou seja, as armas.
Desastre histórico
Porém, era inaceitável que dirigentes de organizações como o PCB e a POLOB abandonassem o marxismo e a reorganização do movimento social para abraçar práticas vanguardistas armadas [blanquismo]. A homenagem a eles, pelo destemor com que lutaram, não raro sacrificando a vida, deve ser necessariamente acompanhada pelo balanço político do desastre político para o qual contribuíram. Desastre que engoliu toda uma geração de jovens militantes, sobretudo das classes médias.