A circunstância de algum desse capital ser oriundo da República Popular da China não altera aspectos essenciais, como é o caso das «rendas excessivas» da EDP e da factura que os portugueses pagam pela energia eléctrica: em 2015 o preço da electricidade em Portugal era o 6º mais elevado da UE. Entre 2004 e 2016 foi sempre superior ao da média UE27. O preço médio da energia eléctrica subiu 54% entre 2004 e 2016 na UE27 e, no mesmo período, subiu 70,1% em Portugal. As multinacionais que controlam o sector concertam a alta dos preços. Facto que não é alterado por a Three Gorges ser chinesa.
Aparentemente, o Estado chinês poderá vir a garantir o controlo total da EDP, confirmando-se assim, e duplamente, que a única forma de garantir o controlo nacional de sectores estratégicos é através da propriedade pública dos mesmos. O mínimo de soberania económica exige uma luta sem quartel também contra uma elite local compradora, enfeudada a interesses estrangeiros, variando apenas a nacionalidade na rede de dependências que vai tecendo e da qual vai beneficiando. Esta é uma história que o Estado chinês conheceu bem, tão bem que agora a reinventa sob novas formas, tendo tido a capacidade de se colocar do outro lado da relação assimétrica de dependência. Enfim, é preciso entretanto continuar a atirar barro à muralha, relembrando, por exemplo, o seguinte:
Quando Xi Xiping vai a Davos defender a globalização, é possível assinalar que a China se insere estrategicamente neste processo. Assim, escolhe os fluxos a que se abre e a forma como o faz, de resto como qualquer país em ascensão ao longo da história contemporânea. Basta pensar que a China controla os fluxos de capital financeiro, molda os fluxos de investimento produtivo, no quadro de uma estratégia de convergência tecnológica, que de resto foi até há pouco relaxada em relação a direitos de propriedade intelectual, e maximiza os fluxos comerciais em função de vantagens competitivas que vai construindo, graças à mobilização de todos os instrumentos de política de desenvolvimento, incluindo cambial. Num tempo marcado pela financeirização do capitalismo global e pelas suas crises recorrentes, não deixa de ser sintomático que um dos polos de crescimento do sistema mundial tenha evitado até agora estas crises precisamente porque recusou essa forma de globalização, mantendo no essencial um sistema assente naquilo que os economistas neoliberais designam por repressão financeira.
E quem um dia haveria de dizer que por cá uma parte nada irrelevante dos sectores estratégicos nacionais e das elites nacionais que os gerem teriam de responder perante o Partido Comunista Chinês? Por exemplo, é este que, em última instância, controla a electricidade no nosso país, no contexto de uma estratégia de investimento internacional que não está desligada de considerações políticas. Entretanto, é preciso não esquecer que na China a electricidade e a sua rede são propriedade pública, bem como a ultramoderna ferrovia sempre em expansão (uma rede de alta velocidade superior à do resto do mundo combinada), mais de três quartos da banca ou, já agora, a totalidade da terra, entregue por muito tempo a quem a trabalha ou a quem nela constrói.
Fonte: http://ladroesdebicicletas.blogspot.pt/2018/05/aprender-com-china.html