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Diário Liberdade
Domingo, 03 Junho 2018 14:19 Última modificação em Quinta, 07 Junho 2018 16:10

Por que a Rússia não revida quando atacada?

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País: Rússia / Direitos nacionais e imperialismo / Fonte: Russia Insider

[Dmitry Orlov, Tradução da Vila Vudu] Vários comentaristas observaram um fato estranho: durante o desfile de 9 de maio na Praça Vermelha em Moscou, Putin apareceu em presença de Netanyahu, primeiro-ministro de Israel. Mais ou menos no mesmo momento, a força aérea de Israel atacava com foguetes alvos sírios e iranianos na Síria (foguetes que, na grande maioria, as defesas sírias derrubaram), e os sírios revidavam contra posições de Israel nas Colinas do Golan (que são território sírio ocupado por Israel; portanto, trata-se de resistência contra força ocupante, não de ataque contra Israel).

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Por que a Rússia não se levantou em defesa da Síria, sua aliada? Sobretudo, houve conversas sobre vender à Síria o poderoso sistema S-300 de defesa aérea, oferta posteriormente retirada. Seria essa a melhor atitude de um aliado?

Ou ainda outro exemplo: relações entre Rússia e Ucrânia estão em espiral descendente desde o putsch de 2014 em Kiev, que derrubou o governo constitucional. Há um impasse militar, em rápida putrefação, na região do Donbass, no leste da Ucrânia, insistentes provocações contra a Rússia, e EUA e UE aplicam sanções econômicas e políticas contra a Rússia, alegadamente como 'resposta' à 'anexação' da Crimeia e ao conflito ainda não resolvido no Donbass, que já custou cerca de dez mil vidas.

Mesmo assim, a principal parceria comercial da Ucrânia ainda é com... a Rússia. A Rússia não apenas continua a comerciar com a Ucrânia, mas também absorveu um êxodo de refugiados econômicos da economia ucraniana, hoje em colapso, que chega a milhões. A Rússia já proveu acomodações para esses refugiados, permitiu que encontrem trabalho e também que enviem dinheiro para as famílias que permanecem na Ucrânia. E a Rússia nunca garantiu reconhecimento político às duas repúblicas separatistas no leste da Ucrânia.

A única ação que a Rússia empreendeu relacionada à Ucrânia foi assumir a Crimeia como parte da Rússia. Mas não chega a ser propriamente novidade: a Crimeia sempre foi parte da Rússia desde 1783, e a transferência da Crimeia para a República Socialista Soviética da Ucrânia, que aconteceu em 1954, governo de Nikita Khrushchev, violava a Constituição da URSS então vigente.

Mais um exemplo: os EUA, com a União Europeia agindo servil e obedientemente, têm imposto vários tipos de sanções sobre a Rússia desde a Lei Magnitsky em 2012, promovida e impulsionada pelo fantasticamente corrupto oligarca William Browder. Essas sanções causaram algum dano, mas também ajudaram (estimularam a substituição de importações dentro da Rússia) e às vezes foram simples incômodo. A Rússia é grande demais, importante demais e poderosa demais para que alguém, mesmo uma entidade tão grande quanto EUA e UE somados, consiga isolá-la ou obrigá-la a se curvar pela imposição de sanções.

Em alguns casos, há poderoso efeito bumerangue, que causa mais dor aos sancionadores que aos sancionados. Mas fato é que a Rússia pouco ou nada fez como resposta ou reação – além de trabalhar na substituição de importações e para construir e estabelecer relações comerciais com outras nações mais amigáveis. A Rússia poderia ter atingido duramente os EUA bloqueando, por exemplo, a venda de peças de titânio sem as quais a empresa Boeing ficaria impossibilitada de construir aviões.

Ou poderia ter proibido a venda de motores de foguetes para os EUA, e os EUA teriam de suspender o lançamento de satélites. Mas a Rússia não fez nada disso. Em vez de revidar, a Rússia só continuou a repetir que sanções são improdutivas e não ajudam a obter coisa alguma.

Mais uma: em flagrante violação de acordos dos quais a Rússia e países da OTAN são signatários, a OTAN expandiu-se diretamente até a fronteira da Rússia, e recentemente converteu os pequenos estados do Báltico, Estônia, Letônia e Lituânia numa espécie de cercadinho para bebês militares, onde se pôs a fazer manobras militares ao lado da fronteira da Rússia, estacionando lá milhares de soldados e pondo-se a treiná-los para... atacar a Rússia.

A Rússia protestou, mas continuou a comerciar com todos os países envolvidos. Em especial, continuou a fornecer energia elétrica aos países do Báltico e a usar os portos do Báltico como via de saída de seus produtos.

Quando recentemente a Letônia proibiu o idioma russo nas escolas (1/3 da população de Letônia são russos) e Pôs-se a violar direitos dos russos lituanos que tentaram reagir àquela afronta, os russos não tomaram conhecimento sequer desse ato de flagrante discriminação contra russos. Na Letônia todas as lâmpadas continuam acesas e os trens cargueiros russos continuam a andar plenamente carregados e sem parar de cruzar a fronteira.

"Por que isso?", alguém poderia perguntar. "Por que essa atitude passiva contra tantas provocações, ofensas e agressões?" Ninguém pode dizer que a Rússia seria grande demais para ser ferida. Em 2012 as sanções foram pífias, mas em 2014 a economia russa foi, sim, duramente atingida (embora mais pelos baixos preços do petróleo e do gás, do que pelas sanções). O rublo perdeu metade do valor e a taxa de pobreza da Rússia subiu. O que, então, está acontecendo?

Para compreender, é preciso tomar um passo de recuo e considerar o contexto geral.

• A Rússia é o maior país do mundo em extensão, mas não, com certeza, em população. As fronteiras são muito bem protegidas, mas são mais de 61 mil quilômetros.

• A Federação Russa leva esse nome, mas inclui mais de 100 diferentes nações, com no máximo 80% de russos étnicos e com seis outras nações, cada um com mais de um milhão de almas.

• Faz fronteira com 16 estados soberanos – mais que qualquer outro país no mundo – incluindo duas fronteiras marítimas (com Japão e EUA) e duas com estados não reconhecidos internacionalmente (Abkházia e Ossétia do Sul).

• Tem a maior diáspora em todo o mundo, com algo entre 20 e 40 milhões de russos (dependendo de como sejam contados) que vivem fora da Rússia propriamente dita. A maior comunidade russa no oeste vive nos EUA, cerca de 3 milhões.

• Tropas russas de paz têm operado em vários países em torno da própria Rússia e em todo o mundo — Abkházia, Ossétia do Sul, Armênia, Transnistria, Tadjiquistão, Bósnia, Kosovo, Angola, Chade, Serra Leoa, Sudão — e ainda é muito útil para impedir que conflitos latentes degenerem em guerra.

• A enorme massa terrestre russa e a enorme riqueza em recursos naturais faz da Rússia um dos principais fornecedores mundiais de produtos economicamente essenciais, especialmente petróleo, gás, urânio e carvão, que mantêm as lâmpadas acesas e impedem que os canos e dutos congelem em dúzias de países. Não importa o que vá mal nas relações internacionais, a Rússia deve continuar a ser fornecedor estável e confiável.

Nesse ambiente, responder gestos de hostilidade que venham do outro lado do oceano com mais gestos hostis daqui para lá (sobretudo gestos de hostilidade fútil) seria contraproducente: alguém sempre sairá ferido e é bem possível que seja os russos.

Assim, parte da abordagem dominante é simplesmente 'tocar adiante', mantendo as melhores relações alcançáveis com o maior número possível de países, especialmente com os vizinhos, conversando com os dois lados em todos os conflitos, sempre tentando diluir as tensões e balanceando atentamente os diferentes interesses de todos os envolvidos. A Rússia tem boas relações com o Irã e com a Arábia Saudita (dois estados inimigos entre si), e também com Síria e Israel que lutam a tiros um país contra o outro.

A outra parte da abordagem dominante para fazer frente a um lado de fora cada vez mais hostil é caminhar na direção de autarquia limitada; não se fechar em si mesmo fora do mundo, mas tomando medidas cuidadosas para se tornar relativamente invulnerável às vicissitudes do mundo exterior. A Rússia já é autossuficiente em energia, está tomando medidas para se tornar autossuficiente em alimentos, e o próximo desafio é alcançar a autossuficiência em tecnologia e nas finanças.

Considerados nesse contexto, os aparentes fracassos da Rússia – que parece ter-se deixado paralisar e estaria sem ação – devem ser vistos como etapas de atitude atentamente pensada:

• Israel bombardeia a Síria quando Netanyahu aparece é lugar de honra no desfile em Moscou. A Síria responde e ataca em território seu nas Colinas de Golan. Então a Rússia decide não vender o sistema S-300 na Síria. O que aconteceu? Bem, Israel reconheceu o Dia da Vitória, 9 de maio, como feriado nacional. 

Um terço dos israelenses são russos, e muitos deles sentiam-se muito orgulhosos de ser russos naquele dia, e participaram em grandes desfiles transmitidos pela televisão russa. Frente a uma crescente onda de antissemitismo na Europa, e com neonazistas crescentemente enlouquecidos e ativos na Ucrânia, Rússia e Israel mostram-se unidas.

E há também o fato de que Israel não gosta de que haja iranianos na Síria. Sem dúvida tem todo o direito de não gostar, dado que os iranianos continuam a repetir que Israel tem de ser destruída. Mas os iranianos foram convidados a entrar na Síria, o que significa que não é assunto russo. Ter Israel a bombardear a Síria não ajuda a Rússia, mas não é a primeira vez nem será a última.

A Síria derrubar mísseis israelenses e atacando israelenses em território sírio no Golan foi novo desenvolvimento, uma escalada, e escaladas são sempre más. Entregar o sistema S-300 aos sírios, teria dado à Síria capacidade para derrubar qualquer coisa em todo o espaço aéreo de Israel; dado que os sírios já escalaram, dar-lhes capacidade para escalar ainda mais não parece acertado.

• Ucrânia provoca continuadamente a Rússia e viola direitos dos 8 milhões de russos que vivem lá; mesmo assim a Rússia mantém-se a maior parceira comercial da Ucrânia. Como assim? Bem, há o fato desagradável de que a Ucrânia é governada atualmente por gente "inadequada" – para usar um termo russo muito específico. É regime ilegal, imensamente corrupto, apoiado por outro regime do outro lado do oceano, o qual, por falar dele, também é bastante "inadequado" – chefiado por um bufão ridículo o qual, como se não bastasse, é comandado por um "estado profundo" imensamente corrupto.

Mas esses são fatos temporários que de modo algum se sobrepõem ao fato permanente de que russos e ucranianos são essencialmente o mesmo povo (com exceção de umas poucas tribos que habitam principalmente o oeste do país que durante séculos foi uma terra de ninguém na Europa Central – vizinha de porta da Transilvânia, de onde vêm os vampiros).

Russos e ucranianos são geneticamente indistinguíveis, e há numerosas nações dentro da Rússia que são muito mais diferentes, culturalmente, dos russos, que os ucranianos. A estratégia dominante nesse caso é evitar ferir a Ucrânia, porque já se está ferindo que chegue ele mesmo; e porque ferir a Ucrânia seria apenas, na essência, ferir russos.

Diferente disso, muito mais sentido faz ser simplesmente paciente e dar tempo ao tempo. Eventualmente, o povo na Ucrânia se cansará da ocupação e tomará o destino em suas próprias mãos, derrubará os bandidos locais e também os que mandam neles e manobram de longe os bandidos locais; e o relacionamento eventualmente será mais normal.

• Quanto às sanções do ocidente, a Rússia impôs algumas contrassanções, e seriamente pensadas. A Rússia baniu a importação, da União Europeia, de várias categorias de alimentos. Assim estimulou a produção de alimentos dentro da Rússia rumo à autossuficiência alimentar. Dado que dentro da União Europeia os fazendeiros são politicamente muito poderosos, a ação dos russos tornou muito impopulares, na Europa, as sanções norte-americanas.

Acrescente-se a isso o fato de que os EUA querem agora sancionar as importações europeias de energia, forçando os europeus a comprar dos EUA, cujo produto é muito mais caro e muito menos confiável, e pode-se ver por que os europeus estão fartos das intromissões de Washington. Claro que, já tendo cedido grande parte da própria soberania há muito tempo, os europeus enfrentam dificuldades fantásticas para recuperá-la; mas, pelo menos, estão começando a pensar sobre isso.

Só até aí já é uma vitória para a Rússia: os russos precisam de nações independentes soberanas à sua volta, não um bando de vassalos acovardados de Washington. No que tenha a ver com impor contrassanções aos EUA diretamente, só causariam mais e maiores danos econômicos, sem garantir qualquer vantagem política.

• Quanto à implantação da OTAN junto às fronteiras russas, agentes anti-Rússia nos miniestados do Báltico e tropas da OTAN treinando para "atacar a Rússia" – bem, francamente, sim, os russos estão bastante insultados, mas não se pode dizer que estejam exatamente com medo. 

Todos sabem que a OTAN é parte da gangue de defesa do establishment norte-americano. O objetivo da OTAN é roubar transatlânticos de dinheiro, não para fazer armas que funcionem nem treinar exércitos capazes de lutar. Há agora grande quantidade de blindados e soldados da OTAN preposicionados nos Bálticos, mas não em número ou qualidade suficientes para invadir a Rússia em qualquer acepção significativa.

E se algum dia invadirem, muito rapidamente serão abandonados. Tem mais: os blindados da OTAN simplesmente não passam por baixo de muitas pontes e não conseguem cobrir grandes distâncias sobre terreno irregular – como os blindados russos conseguem. Os blindados da OTAN têm de ser levados por trem ou por rodovia, sobre a carroceria de caminhões adaptados, até o local de combate. Ou viajam por mar, até portos de águas profundas.

Assim sendo, basta que a Rússia dinamite algumas pontes nas rodovias ou ponha abaixo, com foguetes disparados de qualquer ponto, algumas instalações de portos. Depois, cercar e destruir contingentes relativamente pequenos de invasores, e será fim de jogo. A OTAN sabe disso, e toda essa atividade nos estados do Báltico tem o único objetivo de encaminhar algum dinheiro para os estados do Báltico – economicamente anêmicos e em rápido processo de redução das populações.

Aquelas populações já estão sofrendo; por que feri-los ainda mais? Quanto aos direitos dos russos na Letônia, pode-se pensar que eles realmente não se incomodam com ter direitos violados – ou voltariam para a Rússia, onde há lugar de sobra para recebê-los. Claro que merecem muito apoio moral, mas essa batalha é deles, não da Rússia.


Essa não é leitura excitante, carregada de emoções fortes, mas... ok. As pessoas vasculham a internet à procura de histórias sobre viradas dramáticas de eventos, sobretudo para espantar o tédio. Muitas vezes acontece de os mais importantes desenvolvimentos nada terem de emocionante, mas nem por isso deixam de ser importantes. Por exemplo, a Rússia está reduzindo seu gasto de defesa, porque em breve o país será completamente rearmado.

EUA e OTAN podem fazer a mesma coisa? Não. Se algum dia tentarem, que seja, o establishment da defesa dos EUA monta novo conjunto de deputados e senadores eleitos e o gasto desmedido recomeça. Significa que os russos podem sentar e esperar, de braços cruzados, assistindo enquanto os EUA que se autoempurram para a bancarrota. Essa sim, será virada dramática nos eventos. Basta esperar.

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