Na Índia por exemplo os processos de "des-industrialização" (importações da metrópole deslocando produtores artesanais internos) e a "drenagem de excedente" (o desvio sem qualquer contrapartida de uma parte do excedente do país através do sistema de tributação colonial), provocou um enorme aumento na pressão sobre a terra por parte da população e engendrou a moderna pobreza em massa.
Uma vez que o "subdesenvolvimento" do terceiro mundo foi o resultado da maneira pelo qual ele foi integrado na economia capitalista mundial, na época da descolonização acreditava-se geralmente que os povos desta região só poderiam progredir sob um regime económico alternativo que os livrasse de tal integração. E uma vez que o capital metropolitano não iria tolerar isto, e a burguesia – temerosa quanto à ameaça à sua própria posição devido à sua chegada tardia ao cenário histórico (razão pela qual ela também fazia causa comum com os interesse fundiários internos) – era incapaz de enfrentar o capital metropolitano, tal libertação só poderia ser efectuada através de um estado baseado numa aliança dos trabalhadores com o campesinato. Este argumento da esquerda exerceu na época uma considerável influência intelectual; e estes países eram vistos a procederem tal libertação por etapas ao longo do tempo rumo ao socialismo. O desenvolvimento do terceiro mundo não era, portanto, encarado como ocorrendo através da busca de um caminho capitalista de desenvolvimento; isso só poderia ocorrer através da busca de uma trajectória alternativa que o levasse ao socialismo.
Tal entendimento, entretanto, começou a ser desafiado na era neoliberal com o argumento de que os factores que no passado haviam produzido a segmentação do mundo não estavam mais operacionais. Subjacente a esta segmentação, a qual exprimia-se na dicotomia entre países desenvolvidos e subdesenvolvidos, estava o facto de que o trabalho destes últimos não era livre para mover-se para os primeiros e o capital destes, através de movimentos juridicamente livres para os segundos, por variadas razões relutava em fazê-lo, excepto para capturar o mercado destes últimos ou apossar-se das matérias-primas dos mesmos. Por outras palavras, apesar de os salários destes últimos serem muito mais baixos, o capital dos primeiros não localizava ali fábricas para atender ao mercado global, incluindo o metropolitano.
Esta situação, de acordo com este novo argumento, mudou sob a globalização neoliberal. O capital metropolitano estava agora desejoso de localizar fábricas no terceiro mundo a fim de explorar seus salários mais baixos para atender à procura global. De facto, a relocalização de várias actividades manufactureiras e do sector de serviços da metrópole em países do terceiro mundo, especialmente no Leste, Sudeste e Sul da Ásia, sugeriam agora que mesmo dentro da estrutura do capitalismo mundial estes países poderiam ainda assim experimentar desenvolvimento económico rápido.
Tal argumento naturalmente era falho, mesmo no momento em que estava a ser avançado. A mesma ordem neoliberal sob a qual tal difusão de actividades estava a ocorrer, da metrópole para o terceiro mundo, também estava a lançar um feroz ataque à pequena produção e infligia um processo de acumulação primitiva de capital dentro do terceiro mundo. E, ao mesmo tempo, estava a gerar empregos tão escassos no terceiro mundo, mesmo quando as taxas de crescimento do PIB dessas economias eram impressionantes e sem precedentes, que a pobreza em massa realmente se agravou, ao invés de ser aliviada, apesar desse crescimento elevado.
Mas agora o capitalismo mundial entrou numa nova fase em que até mesmo essa difusão, como estava a ocorrer na era neoliberal, está a ser restringida. Portanto a própria premissa do argumento que via o terceiro mundo como a desenvolver-se dentro do quadro do capitalismo mundial, ou seja, mesmo sem desligar-se do quadro do capitalismo mundial através de controles adequados de comércio e capital, perdeu sua relevância. O proteccionismo de Trump pretende precisamente restringir tal difusão da actividade da metrópole para o terceiro mundo, e isto é apenas um sinalizador do facto de que o regime neoliberal está agora num beco sem saída.
Trump, deve-se notar, não pretende de modo algum desfazer-se do neoliberalismo. Ao contrário, ele está a manter o núcleo da organização neoliberal, a qual é mobilidade global do capital financeiro. Mas ele está a estabelecer restrições ao capital americano (e a outros capitais metropolitanos, bem como capitais do terceiro mundo) a que localizem instalações de produção dentro do terceiro mundo a fim de atender à procura americana. E ele está a compensar o capital americano que seria prejudicado por tais restrições através de concessões fiscais em grande escala sobre lucros corporativos. As medidas de Trump, por outras palavras, são calculadas de modo a não provocar danos ao capital americano; mas elas certamente impediriam a difusão de actividades da metrópole para o terceiro mundo que supostamente são o instrumento para inaugurar o desenvolvimento do terceiro mundo mesmo dentro da estrutura do capitalismo mundial.
As medidas de Trump têm de ser entendidas no contexto da crise que engolfou o capitalismo mundial no período da globalização neoliberal. Na raiz desta crise está o facto de que a própria relocalização de actividades das metrópoles para o terceiro mundo tem mantido baixos os salários reais nas metrópoles. Ao mesmo tempo, isto não elevou os salários reais no terceiro mundo pois a grandes reservas de trabalho nestes, criadas no período colonial, longe de ficarem esgotadas, estão a crescer ainda mais. Se bem que o vector dos salários reais na economia mundial permaneça assim mais ou menos constante, o vector da produtividade do trabalho aumentou muitíssimo, resultando em um enorme aumento na fatia de excedente da produção mundial. Isso cria uma tendência à superprodução na economia mundial, uma vez que a fatia do consumo do excedente é menor do que a dos salários. Esta tendência, no entanto, foi mantida sob controle nos EUA devido a dois booms baseados em "bolhas", primeiro a “bolha das dot.com” nos anos noventa e depois a “bolha habitacional” no início deste século.
Com o colapso da bolha habitacional e sem nenhuma nova bolha a substituí-la, a economia dos EUA, e com ela a economia capitalista mundial, entrou num período de crise, provocando descontentamento generalizado em massa e uma ameaça à estabilidade social do sistema. A classe trabalhadora, já afligida há muito por salários estagnados, agora tem de enfrentar o fardo agravado do aumento do desemprego.
A solução de Trump para a crise é a busca daquilo a que economistas chamam a política do "roubo o meu vizinho" ("beggar-my-neighbour"), a qual equivale a roubar empregos de outros países, especialmente países do terceiro mundo, a fim de aumentar o emprego nos EUA. A estagnação na economia mundial, por outras palavras, não está a ser superada. Mas dentro desta estagnada economia mundial, os EUA estão a tentar melhorar sua posição a expensas dos outros. Embora isso possa melhorar a posição dos EUA por algum tempo, até que outros comecem a retaliar, ela não supera a crise do capitalismo mundial. Ao contrário, quando outros retaliarem, esta crise será agravada ainda mais, o que só confirma o facto de que o capitalismo neoliberal chegou a um beco sem saída.
Nesta situação desaparecem claramente quaisquer esperanças de que o terceiro mundo continuasse a ser o beneficiário da difusão de actividades da metrópole e dessa forma continuasse a crescer rapidamente dentro do quadro do capitalismo mundial. Este crescimento, como vimos, foi acompanhado por um agravamento da pobreza em massa e não do seu alívio. Mas agora até esta trajectória de desenvolvimento chegou ao fim.
Os países do terceiro mundo terão doravante de adoptar medidas para desenvolver o seu mercado interno. Daqui em diante, para qualquer crescimento terão de confiar no mercado interno ao invés do mercado de exportação, o qual é atingido pela estagnação económica mundial e pelo proteccionismo dos EUA. Isto exigirá o crescimento da agricultura camponesa, de maior igualdade de rendimento interno, de um aumento generalizado nos salários reais, de uma elevação do salário mínimo e de uma activação da despesa estatal. Uma vez que tais medidas enfrentarão a oposição da finança globalizada, a qual precipitaria uma fuga de capitais e portanto uma crise financeira, terão de ser postos em vigor controles de capitais. E como isto é provável que torne muito mais difícil financiar défices de transacções correntes das balanças de pagamentos, também terão de ser instituídos controles de importações.
Contudo, todas estas medidas exigiriam uma mudança na natureza do Estado, na aliança de classe que o sustenta. Só uma aliança trabalhadores-campesinato que possa sustentar um estado [poderá] assistir a uma ultrapassagem da crise e estagnação para a qual o terceiro mundo está a ser inexoravelmente empurrado nesta nova situação, a qual assinala o beco sem saída do capitalismo neoliberal. E uma vez que a trajectória de desenvolvimento anunciada por um estado apoiado por uma tal aliança será caracterizada por um movimento rumo ao socialismo através de etapas, o velho argumento de que o desenvolvimento do terceiro mundo pode ocorrer só através da busca de um caminho que conduza ao socialismo readquire uma relevância enfática na nova situação.