Como última resposta até o momento, o Grande Debate Nacional deveria descomprimir o movimento. Mas, como resposta, vemos uma massificação da mobilização em Paris, com uma mobilização recorde em Toulouse. E o governo tenta de todas as formas escondê-la a todo custo.
“É apenas um debate. A luta... continua...”
A equação parece sem solução para o governo. Se em um primeiro momento o governo usou e abusou da estratégia do medo, por meio do dispositivo militar e da violência policial, os milhares de feridos e de mutilados começaram a atingir a consciência das massas. Enquanto o executivo tomou conhecimento desta mudança após o fervor popular que se expressou em torno do boxeador Christophe Dettinger, o caso de Olivier, na cidade de Bourdeaux, ferido na cabeça [e colocado em coma artificial] após um tiro da BAC, Brigada Anti-Criminalidade, foi a gota d’água que fez transbordar, como um ponto de inflexão.
Desde então, o “apagão” midiático se tornou praticamente insustentável para a grande mídia, obrigada a não mais ocultar as violências policiais. Além disso, a estratégia repressiva do governo começou a tornar-se contraproducente. Milhares de pessoas feridas e mutiladas, combinadas à impunidade total das forças da polícia, radicalizaram uma ampla camada de Coletes Amarelos, dispostos a confrontar as forças repressivas, corroendo a legitimidade da instituição policial.
A velha estratégia de “bons” manifestantes contra os “vândalos malvados”
Para o ato 10, o governo tentou devolver a acusação de “violência” para tentar relegitimar as forças policiais, tentando dividir os Coletes Amarelos entre “bons” e “maus” manifestantes, procurando mostrar “proporcionalidade” da resposta policial. Isso é evidenciado pela grande presença da grande mídia, procurando mostrar a “realidade” do terreno. Essa encenação da ação das forças da ordem tentou “evidenciar” o bom andamento da manifestação que acabaria com uma horda de vândalos, de maneira a delimitar, a qualquer preço, os manifestantes, para melhor legitimar a repressão da polícia. Apesar desta operação não ser nova, aqui ela assume um sentido particular no contexto de uma deslegitimação profunda das forças policiais em uma escala totalmente nova. A expressão mais ilustrativa desta operação foi a transmissão ao vivo nos canais televisivos da BFM-TV e Cnews de imagens da violência policial e de uma manifestante ferida na cidade de Rennes. Pela primeira vez desde o início do movimento, imagens da violência policial foram transmitidas ao vivo nas grandes mídias.
No entanto, essa estratégia do governo de “retorno à ordem”, abandonando as irrupções repressivas, não deixa de ser contraditória. Primeiramente, em termos das forças policiais. Depois de encorajar amplamente a atirar na cabeça dos manifestantes, o governo tentou adotar uma nova abordagem, procurando disciplinar as forças da ordem “sem passar vergonha”. Primeiro, negando a violência policial em nome do Ministério do Interior, enquanto operava internamente uma forma de “ressignificação” do diretor geral da polícia.
Mais um problema para o governo: afrouxando seus dispositivos quase-militares, deixa um espaço aberto que o movimento dos Coletes Amarelos começa a ocupar. Assim, muitos novos manifestantes, que poderiam ter medo da repressão policial, não hesitam mais a se juntarem aos Coletes Amarelos. De fato, a mobilização está aumentando em diversas cidades na França. Nesse sentido, mesmo a estimativa altamente subestimada do Ministério do Interior, de que no décimo ato teriam cerca de 84.000 manifestantes em toda a França, é maior do que a do ato anterior. Os números oficiais estão totalmente fora da realidade, como evidencia a enorme manifestação em Toulouse com mais de 15.000 manifestantes, um recorde absoluto no movimento. As marchas em Paris não ficam para trás, com a maior participação desde o início da irrupção dos Coletes Amarelos, agora com o elemento novo de uma pequena participação de militantes da CGT [Confederação Geral do Trabalho, a maior confederação de sindicatos da França], cerca de uma centena, ou ainda com a chegada de cerca de sessenta estudantes de Paris.
Outra contradição, não menos importante, foi a aposta de Macron de asfixiar os Coletes Amarelos com seu Grande Debate Nacional que não impediu a amplificação do movimento – como podemos ler em um muro: “É apenas um debate. A luta... continua...”