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Diário Liberdade
Sábado, 27 Julho 2019 22:51 Última modificação em Terça, 13 Agosto 2019 14:36

Por que Trump cedeu à China e à Huawei?

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País: China / Laboral/Economia / Fonte: Resistir

[Vijay Prashad] Tudo sobre a guerra comercial entre os Estados Unidos e a China é desconcertante. As duas maiores economias do mundo entraram numa luta titânica com palavras duras e altas tarifas, provocando arrepios na economia global.

Centenas de milhares de milhões de dólares em mercadorias de ambos os lados depararam-se com barreiras tarifárias que pareciam intransponíveis. Tréguas viriam do nada – como na reunião do G20 de 2018 em Buenos Aires – mas depois seriam postas de lado pelo presidente dos EUA, Donald Trump, em uma série de tweets em horários estranhos.

Em Maio, Trump perseguiu a Huawei, uma das maiores empresas de tecnologia do mundo. O ataque desta vez não foi por motivos económicos. Trump acusou a Huawei de ser um braço de espionagem do governo chinês. Empresas dos Estados Unidos que forneciam software e chips à Huawei já não teriam permissão para fazê-lo. Os diplomatas de Trump puseram-se a caminho a fim de forçar os aliados dos EUA a deixarem de usar a tecnologia da Huawei nos seus países. A pressão sobre a China resultou na prisão de Meng Wanzhou, directora financeira da Huawei, com acusações de fraude bancária e electrónica quanto às sanções dos EUA contra o Irão. Meng Wanzhou é filha do fundador da Huawei, Ren Zhengfei.

Huawei

Tal como muitas empresas chinesas, a Huawei começou em 1987 com um objectivo modesto – fabricar comutadores telefónicos para empresas de telecomunicações. Então, gradualmente, emergiu como a maior fabricante de equipamentos de telecomunicações – ultrapassando a multinacional sueca Ericsson – e o segundo maior fabricante de smartphones – logo atrás da multinacional sul-coreana Samsung. Actualmente é uma das maiores empresas de tecnologia do mundo, com receitas anuais de mais de US$200 mil milhões.

A perda súbita de 1200 fornecedores nos EUA afectou a Huawei. Um quarto dos componentes dos sistemas da Huawei vem desses fornecedores. Estas empresas americanas perderam US$11 mil milhões por ano, mas a Huawei perdeu o acesso imediato a peças chave. Ren Zhengfei parecia tranquilo, dizendo que o ataque de Trump à sua empresa só fortaleceu a sua resolução de abastecer-se junto a fabricantes chineses. O deixar de ter acesso ao sistema operacional Android, da Google, levou a Huawei a adoptar um sistema operacional chinês chamado Hongmeng. O chip Kunpeng 920 poderia substituir os chips importados.

Em 2015, o presidente da China, Xi Jinping, lançou um programa chamado Made in China 2025, o qual insta as empresas chinesas a utilizarem material chinês tanto quanto possível. A proibição de Trump das vendas à Huawei apenas acelerou o impulso da empresa para a compra dentro da China. Temores de mais proibições e guerras tarifárias levaram até mesmo líderes corporativos mais moderados – como Ren Zhengfei e Jack Ma – a adoptarem uma linguagem de independência tecnológica.

Então, inopinadamente, Trump retirou seu assalto à Huawei. Na cimeira do G20 deste ano, em Osaka, Trump disse que as empresas americanas podem vender à Huawei. Trump anteriormente já havia retirado a proibição da venda de mercadorias a outra empresa chinesa, a ZTE. Este exemplo mostrou que ele não demoraria a desistir do seu combate contra a Huawei.

Luta sobre o 5G

A próxima geração de tecnologia sem fio de alta velocidade – a 5G – é actualmente dominada pela Huawei, com a Ericsson da Suécia e a Nokia, da Finlândia bem atrás. Nenhuma empresa dos EUA está próxima destas três na produção da tecnologia 5G.

Em Abril, o Defense Innovation Board do governo dos EUA divulgou um relatório em que observava: "O líder do 5G deve ganhar centenas de milhares de milhões de dólares em receitas ao longo da próxima década, com ampla geração de empregos em todo o sector da tecnologia sem fio. O 5G tem o potencial para revolucionar também outras indústrias, pois tecnologias como a dos veículos autónomos obterão enormes benefícios com a maior e mais rápida transferência de dados. O 5G também reforçará a Internet das Coisas ao aumentar a quantidade e a velocidade do fluxo de dados entre dispositivos múltiplos, podendo mesmo substituir a espinha dorsal (backbone) de fibra óptica de que dependem tantos produtos domésticos. O país que possui o 5G possuirá muitas destas inovações e estabelecerá os padrões para o resto do mundo. Pelas razões que se seguem, este país provavelmente não será os Estados Unidos".

Como as empresas americanas são incapazes de fabricar o equipamento actualmente produzido pela Huawei e outros, apenas 11,6% da população dos EUA é coberta pelo 5G. Não há indicação de que a AT&T e a Verizon sejam capazes de fabricar com rapidez suficiente o tipo de transmissores necessários para o novo sistema tecnológico.

A erosão das empresas americanas no sector de telecomunicações pode ser atribuída directamente à desregulamentação da indústria pela Lei de Telecomunicações de 1996. Muitas empresas combatiam para ganhar fatias de mercado, com diferentes padrões móveis e planos de operadoras com diferentes configurações que dificultavam aos consumidores a mudança de empresa. Este mercado fragmentado significou que nenhuma empresa fez os investimentos necessários para a geração seguinte. Isto quer dizer que as empresas americanas estão numa grave desvantagem no que se refere à próxima geração de tecnologia.

O avanço rápido da Huawei e das empresas europeias ameaça tanto as empresas de tecnologia dos EUA, em particular, quanto a economia dos EUA, em geral. Nas últimas décadas, estas empresas de tecnologia estado-unidenses tornaram-se os principais investidores na economia dos EUA e os motores do seu crescimento. Se estas firmas falharem perante empresas como a Huawei, então a economia dos EUA começará a cambalear.

A guerra de Trump contra a Huawei não é tão irracional quanto parece. Sua administração – como outras antes – tem utilizado tanta pressão política quanto possível para restringir o crescimento de tecnologia na China. Acusações de roubo de propriedade intelectual e de laços estreitos entre as empresas e os militares chineses têm o objectivo de desviar clientes de produtos chineses. Estas acusações certamente prejudicaram a marca da Huawei, mas é improvável que destruam a sua capacidade de se expandir por todo o mundo.

A Huawei afirma que dois terços das redes 5G fora da China utilizam seus produtos.

Até mesmo o Reino Unido – um firme aliado dos EUA – decidiu em segredo permitir que a Huawei ajudasse a construir a rede 5G do Reino Unido. Quando o secretário de Defesa Gavin Williamson supostamente deixou escapar a notícia de que o Conselho de Segurança Nacional do Reino Unido tomara esta decisão, foi demitido do gabinete. Os avanços tecnológicos da Huawei são maiores que a tagarelice acerca de ameaças à segurança e roubo de propriedade intelectual. Todas as quatro maiores redes móveis do Reino Unido já utilizam equipamento Huawei.

É provável que a administração de Trump venha a retirar seu pedido de que a China extradite Meng Wanzhou. Em Dezembro, Trump disse que se considerar bom para os Estados Unidos, então intervirá junto ao Departamento de Justiça dos EUA para não continuar mais com a extradição. Esta declaração – feita à Reuters – sugere que Trump não está comprometido em usar a familiar pressão contra a Huawei. Isto sugere que Trump agora percebe que pode tentar torcer o braço de Ren Zhengfei o máximo possível, mas é improvável que a Huawei e a China cedam. Eles têm a vantagem.

Vijay Prashad é historiador, editor e jornalista indiano.
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