Publicidade

Diário Liberdade
Quarta, 09 Outubro 2019 16:33 Última modificação em Domingo, 20 Outubro 2019 23:11

A disputa intraburguesa nos EUA

Avalie este item
(0 votos)
País: Estados Unidos / Institucional / Fonte: PCB

[Richard Becker] Para o movimento popular, o impeachment oferece um caminho para lugar nenhum

O aprofundamento do conflito sobre o impeachment do presidente Donald Trump é uma luta entre facções da classe dominante capitalista e seu aparato governamental. A luta é fundamentalmente sobre qual lado exercerá controle sobre o Estado e o governo com todo o poder e riqueza que confere.

O anúncio de um inquérito de impeachment foi feito pela presidente da Câmara dos Deputados, Nancy Pelosi, em 24 de setembro. Foi aberto logo após a revelação de que uma denúncia havia sido registrada em relação à ligação telefônica de 25 de julho entre Trump e o presidente da Ucrânia. O denunciante foi posteriormente identificado como um agente da CIA, mas a denúncia é entendida como um produto coletivo de vários agentes de inteligência.

Não existe um lado “progressista” nessa briga. Como foi o caso de Nixon em 1974, a própria estrutura do impeachment concentra toda a atenção no que está acontecendo dentro dos chamados “salões sagrados” do Congresso, relegando os movimentos populares para o lado de fora.

O regime de Trump é flagrantemente racista, sexista, homofóbico, anti-imigrante, antiambiental, antitrabalhista, anti-sem-teto e muito mais. Todos os dias, os asseclas de Trump estão realizando ataques aos direitos populares duramente conquistados e ao próprio planeta.

No entanto, em vez de resistir a esses ataques, a liderança do Partido Democrata no Congresso está concentrando toda a sua energia no impeachment de Trump, com o argumento de que ele solicitou interferência estrangeira nas eleições presidenciais de 2020. Os líderes democratas veem isso como uma espécie de linha de menor resistência e que não exige contestar os interesses corporativos que são representados pelos principais partidos capitalistas e os financiam.

O que realmente aconteceu na ligação

Em um telefonema de 25 de julho com o recentemente eleito presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, Trump primeiro reclama que os países da União Europeia não estão fazendo o suficiente para ajudar a Ucrânia, enquanto os Estados Unidos estão fornecendo apoio. Em seguida, ele sugere que Zelensky ajude na investigação da Crowdstrike, empresa privada de segurança cibernética que informou ao FBI que foram os russos que invadiram os servidores do Comitê Nacional do Partido Democrata em 2016.

Desde que o relatório Mueller foi lançado em agosto de 2019 e concluiu que não havia conluio entre a campanha de Trump-2016 e a Rússia, Trump e o procurador-geral William Barr embarcaram em uma campanha internacional para descobrir as origens do boato de cooperação Rússia-Trump. A transcrição do telefonema de Trump e Zelensky, divulgada pela Casa Branca em 25 de setembro, registra Trump dizendo a Zelensky: “Gostaria que você nos fizesse um favor, porque nosso país passou por muita coisa e a Ucrânia sabe muito sobre isso. Eu gostaria que você descobrisse o que aconteceu com toda essa situação com a Ucrânia, eles dizem Crowdstrike ... Acho que você tem um dos seus ricos ... O servidor, eles dizem que a Ucrânia tem.”

Depois de perguntar sobre a Crowd Strike, Trump pede a Zelensky para ajudar em uma investigação sobre Hunter Biden e seu pai, o ex vice-presidente Joe Biden. “A outra coisa, há muita conversa sobre o filho de Biden, que Biden interrompeu a acusação [relacionada à corporação que deu a Hunter Biden um assento em seu conselho de administração] e muitas pessoas querem descobrir sobre isso, então o que você puder fazer com o procurador-geral seria ótimo. Biden se gabou de ter parado a promotoria, então se você puder investigar ... Parece horrível para mim”.

Os democratas decidiram iniciar um inquérito formal de impeachment contra Trump, na véspera de uma eleição presidencial, com base nessa ligação.

Os democratas não se opuseram quando Trump estava pressionando, intimidando e ameaçando outros chefes de estado a parar de comprar petróleo do Irã ou não reconhecer o governo eleito da Venezuela ou não importar gás natural da Rússia. Mas nos dizem que seu “bullying” em Zelensky constitui um abuso de autoridade intolerável e impensável. É um abuso de autoridade, mas as operações secretas e abertas da administração Obama para derrubar o governo democraticamente eleito na Ucrânia em 2014 também foram.

O pedido de Trump para uma investigação sobre a conduta de Biden na Ucrânia é claramente um abuso de autoridade, mas provavelmente não deve levar à deposição de Trump, impedindo revelações mais explosivas. Se Trump fosse impugnado por uma maioria de votos na Câmara dos Deputados, ele seria julgado perante o Senado. Uma maioria de dois terços, 67 senadores, teria que votar pela condenação. Atualmente, existem 53 senadores republicanos e 47 democratas.

Trump, os Bidens e a Ucrânia

Em sua conversa por telefone com Zelensky, Trump falou no estilo de um governante imperial abordando um assunto colonial. O sujeito bajulou bastante, elogiando generosamente o governante e assegurando-lhe que ele havia ficado na Trump Tower – rede de hotéis da família Trump – quando estava em Nova York.

Como foi que o governo de Kiev, a cinco mil milhas distante de Washington D.C., se tornou dependente dos EUA?

A resposta real, totalmente ausente da cobertura da mídia, é uma acusação grave de Biden e outros agentes do aparato de segurança nacional durante o governo Obama por crimes na Ucrânia que excederam em muito os “conflitos de interesse” ou o bullying.

Em fevereiro de 2014, o pessoal do Departamento de Estado trabalhou em conjunto com elementos fascistas e da direita para derrubar o presidente eleito da Ucrânia, Viktor Yanukóvytch, depois de meses de manifestações cada vez mais violentas em Kiev, a capital ucraniana. O “crime” de Yanukóvytch foi tentar manter uma posição neutra entre a Rússia e as potências imperialistas ocidentais, uma posição que era inteiramente inaceitável para Washington.

Os Estados Unidos estavam tentando continuar a marcha para leste da OTAN trazendo a Ucrânia. Muitos países ex-socialistas da Europa Oriental e repúblicas soviéticas já haviam sido incorporados à aliança liderada pelos EUA, mas a adição da Ucrânia teria sido de particular importância, colocando as bases e mísseis da OTAN nas proximidades do coração ocidental da Rússia.

O comandante dos EUA na operação de mudança de regime era a Secretária de Estado Assistente Victoria Nuland, trabalhando em estreita colaboração com o embaixador dos EUA na Ucrânia, Geoffrey Pyatt. Nuland vangloriava-se abertamente de que os Estados Unidos haviam gastado 5 bilhões de dólares levando a “democracia” para a Ucrânia. Nomeado para supervisionar o golpe e suas consequências em nome do presidente Obama, não era outro senão seu vice-presidente, Joe Biden.

A seguir estão trechos de uma ligação telefônica entre Nuland e Pyatt, algumas semanas antes do golpe ocorrido em 24 de fevereiro de 2014. O assunto da ligação era quem Washington estava selecionando para ser o novo líder da Ucrânia após o golpe planejado.

Victoria Nuland: O que você acha?

Geoffrey Pyatt: Acho que estamos no caminho. A peça Klitschko [Vitaly Klitschko, um dos três principais líderes opositores] é obviamente o elétron complicado aqui. Especialmente o anúncio dele enquanto deputado candidato a Primeiro Ministro, e você viu algumas de minhas anotações sobre o problema do casamento agora, então estamos tentando fazer uma leitura rápida de onde ele está nessa coisa toda. Mas eu acho que o seu argumento para ele, que você precisará fazer, eu acho que é a próxima ligação que você precisará fazer, é exatamente a que você fez para Yats [Arseniy Yatseniuk, outro líder da oposição]. E eu estou feliz que você o colocou no lugar no qual ele se encaixa nesse cenário. E estou feliz que ele tenha dito o que ele disse como resposta.

Nuland: Bom. Eu não acho que o Klitsch deveria estar no governo. Eu não acho que é necessário. Não acho que é uma boa ideia.

Pyatt: Sim, eu acho... em termos dele não estar no governo, só deixa ele fora fazendo a lição de casa política e tal. Eu só estou pensando em termos do processo avançando, nós queremos manter os democratas moderados juntos. O problema vai ser Tyahnybok [Oleh Tyahnybok, o outro líder opositor, neonazista] e seus caras, e tenho certeza que é dessa a parte que o [presidente Víktor] Yanukóvytch está calculando tudo isso.

Nuland: Eu acho que o Yats [Arseniy Yatskeniuk] é o cara que tem a experiência econômica, a experiência de governar. Ele é... o que ele precisa é Klitsch e Tyahnybok do lado de fora. Ele precisa falar com eles quatro vezes na semana, sabe. Eu só acho que Klitsch ser colocado ao mesmo nível de trabalho de Yatseniuk não vai funcionar.

Quanto à tentativa da União Europeia, um “aliado” dos EUA para negociar o fim do impasse em Kiev, Nuland diz: “Foda-se a UE”.

Após o golpe e com o apoio dos Estados Unidos, Yatseniuk realmente se tornou o novo presidente da Ucrânia.

Biden continuou a desempenhar um papel fundamental no país após o golpe. Em agosto de 2016, ele descreveu para a revista Atlantic como ele havia removido o equivalente ao Procurador-Geral do país um ano antes:

“Ele descreveu, por exemplo, uma reunião com o presidente ucraniano Petro Poroshenko – a quem ele chama de ‘Petro’ – em que instou Poroshenko a demitir um promotor geral corrupto ou ver a retirada de um empréstimo prometido de 1 bilhão de dólares à Ucrânia. “Petro, você não vai receber seu bilhão de dólares”, lembrou Biden. ‘Tudo bem, você pode manter o procurador-geral. Entenda: não pagaremos se você o fizer’. Poroshenko demitiu o funcionário”.

Apenas alguns meses após o golpe de 2014, o filho de Biden, Hunter, foi incorporado ao conselho de administração de uma grande empresa de gás ucraniana, Burisma, na qual ele “colaborou” pelos próximos cinco anos. Apesar de não ter experiência no setor de energia nem na Ucrânia, Hunter Biden recebeu 50 mil dólares por mês. Ele renunciou ao cargo quando seu pai anunciou sua candidatura presidencial em 2018.

À medida que a crise de impeachment se aquece, o governo Trump e os democratas estão acusando uns aos outros de corrupção. Ambos os lados estão certos.

Assim como as audiências de impeachment de Nixon em 1974 transformaram segregacionistas como o senador Sam Ervin da Carolina do Norte em heróis liberais, as audiências de impeachment de Trump já estão tendo o mesmo efeito. Agora, os reacionários estão sendo elevados, como o presidente do Comitê de Inteligência da Câmara, Adam Schiff, um firme defensor de Israel, da guerra do Iraque, da guerra dos EUA e Arábia Saudita no Iêmen, do bloqueio e da proibição de viagens a Cuba, CIA, NSA etc. A improvável (salvo novas revelações explosivas), condenação de Trump traria o político de extrema-direita, Mike Pence, à presidência.

Para o movimento popular, o impeachment oferece um caminho a lugar nenhum.

Fonte: https://www.liberationnews.org/impeachment-road-map-to-nowhere/

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Doaçom de valor livre:

Microdoaçom de 3 euro:

Adicionar comentário

Diário Liberdade defende a discussom política livre, aberta e fraterna entre as pessoas e as correntes que fam parte da esquerda revolucionária. Porém, nestas páginas nom tenhem cabimento o ataque às entidades ou às pessoas nem o insulto como alegados argumentos. Os comentários serám geridos e, no seu caso, eliminados, consoante esses critérios.
Aviso sobre Dados Pessoais: De conformidade com o estabelecido na Lei Orgánica 15/1999 de Proteçom de Dados de Caráter Pessoal, enviando o teu email estás conforme com a inclusom dos teus dados num arquivo da titularidade da AC Diário Liberdade. O fim desse arquivo é possibilitar a adequada gestom dos comentários. Possues os direitos de acesso, cancelamento, retificaçom e oposiçom desses dados, e podes exercé-los escrevendo para diarioliberdade@gmail.com, indicando no assunto do email "LOPD - Comentários".

Código de segurança
Atualizar

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: diarioliberdade [arroba] gmail.com | Telf: (+34) 717714759

O Diário Liberdade utiliza cookies para o melhor funcionamento do portal.

O uso deste site implica a aceitaçom do uso das ditas cookies. Podes obter mais informaçom aqui

Aceitar