A Turquia tem participado – e participa – nestes antagonismos com o objectivo de proteger os interesses da classe burguesa turca e de se reforçar enquanto poder regional. O activo envolvimento da Turquia nos acontecimentos na Síria, as operações militares que conduziu na parte norte deste país que é habitada por populações de origem curda, e as suas relações com o Estado Islâmico colocaram-na em confronto com os seus aliados tradicionais, nomeadamente os EUA, a NATO e outros.
É certamente necessária uma ulterior investigação acerca dos incidentes e elementos que dirigiram a tentativa de golpe e da resultante prevalência de Erdogan em relação a ele. No fundamental, o que é necessário ser examinado é que forças, domésticas e exteriores, apoiaram o golpe, quais eram os seus objectivos, o papel dos chamados Kemalistas e forças seculares, ou das forças do Imã Gülen, que o regime de Erdogan “aponta” como os responsáveis, “expulsando” milhares do aparelho de Estado; o papel dos EUA e da NATO; a situação real nas forças armadas turcas ou em parte delas, os possíveis compromissos e acordos que tiveram lugar e que tiveram repercussão no desenrolar e conclusão da tentativa de golpe.
É necessária uma ulterior investigação acerca da posição dos EUA e de outras forças da NATO, que no início da tentativa de golpe falavam da “necessidade de preservação do Estado” e depois, quando a balança se inclinou a favor das forças de Erdogan, apoiaram o “governo democraticamente eleito da Turquia”. Para além disso, devem também ser tomadas em conta as recentes movimentações da Turquia no sentido da normalização de relações com a Rússia e Israel.
A acção organizada de significativos sectores das forças armadas, a tentativa de assassínio de Erdogan, o número de mortos, feridos e detidos, entre os quais numerosos generais das forças armadas, o prolongado bombardeamento de Ancara, os combates de rua em outras cidades, desmentem a ideia de que se tratou de um golpe “encenado” ou um golpe “de farsa”. O tempo se encarregará de clarificar muitos destes aspectos, bem como de quem beneficiou ou virá a beneficiar desta situação.
Em qualquer caso, e por definição, as contradições e antagonismos inter-burgueses e inter-imperialistas não prenunciam nada de bom para os povos da região e em particular para o povo turco, que no decurso de todo o período anterior tem vindo a confrontar-se com as persistentes políticas antipopulares dos governos do AKP, o partido de Erdogan. As elevadas taxas de crescimento nos anos recentes e a melhoria da situação de algumas camadas intermédias não conseguiram, em nenhum caso, eliminar a pobreza, o desemprego, a repressão, a exploração selvagem da classe operária e das camadas populares turcas.
Esta linha política não deixará de ser prosseguida em força pelo facto de Erdogan ter finalmente conseguido controlar a situação. Nem podem, evidentemente, constituir resposta às políticas antipopulares golpes que são expressão de diferentes sectores da burguesia, ou servir de justificação para argumentações acerca da “restauração da democracia” na Turquia ou para ilusões – cultivadas por alguns – de que o regime de Erdogan pode “registar a mensagem” de que são necessários mais direitos sociais e mais liberdades políticas. Tais expectativas vêm já sendo demolidas pelos acontecimentos dos dias que se sucederam imediatamente à tentativa de golpe, que demonstram que o ataque não irá limitar-se aos “instigadores” do golpe e aos seus apoios no aparelho de Estado, mas que irá amplificar-se contra o povo, contra os seus direitos civis mas, sobretudo, contra as suas liberdades laborais, populares e sindicais. Em simultâneo, as atitudes agressivas da burguesia e do Estado turcos são conhecidas e estão claramente expressas no que diz respeito ao Mar Egeu, à disputa de direitos de soberania gregos bem como da questão cipriota, que permanece em aberto.
Os acontecimentos na Turquia mostraram uma vez mais que a situação na região “cheira a pólvora” e é marcada – com consequências imprevisíveis – pelas agudas contradições e antagonismos entre poderosos centros imperialistas. O governo SYRIZA-ANEL assume pesadas responsabilidades porque participa activamente nos planos imperialistas em nome do capital grego; apoiou as perigosas recentes decisões da Cimeira da NATO que assinalam uma escalada nesses antagonismos, em particular entre NATO e Rússia, ao mesmo tempo que cultiva falsas esperanças de que a Grécia possa constituir uma “ilha” numa região turbulenta.
Hoje, mais do que nunca, é necessária a disponibilidade militante do povo contra as guerras e intervenções imperialistas, contra a participação do nosso país em tais guerras e intervenções. É igualmente necessário que cada povo não se deixe enredar em qualquer cenário das contradições inter-burguesas, todas elas contrárias aos seus interesses. Os povos têm, pelo contrário, todo o interesse em desenvolver a sua acção independente e de massas, para preparar e lutar em momento e em cada lugar pelas suas próprias soluções, tendo como critério as suas próprias necessidades e tendo como objectivo o derrube do poder do capital, e a desvinculação de qualquer uma das diferentes alianças imperialistas.
O KKE exprime a sua solidariedade com a classe operária e o povo da Turquia, com o fraterno Partido Comunista na Turquia que nas condições de uma correlação de forças extremamente negativa conduz esta difícil luta, a única capaz de gerar esperança.
ATENAS 19/7/2016
Gabinete de Imprensa do CC do KKE