Mesmo que a saideira, em seu sentido estrito, seja uma só e a última bebida antes de se deixar o bar teríamos a seguinte questão: ela é aantecipação do fim da bebedeira ou, ao contrário, o seu adiamento? O fato de ser várias em nada facilita a resposta, pois, digamos, três saideiras ao mesmo tempo que são a antecipação da antecipação da antecipação do fim, podem ser também o seu triplo protelamento.
Considerando a primeira opção, isto é, que a saideira é a antecipação do fim, temos que quem está bebendo não gostaria de parar de beber, mas já sabe que deveria fazê-lo. E para que esse fim esteja definitivamente no horizonte, mais uma(s). Já a segunda opção, qual seja, a saideira enquanto adiamento do fim, temos que quem está bebendo também tem ideia de que deveria parar de beber, só não sabe ou não importa quando. E enquanto isso, mais uma(s).
Em ambos os casos a saideira se relaciona com o fim da bebedeira. É esse fim, aliás, que metafisicamente faz com que a mesma bebida passe a ser outra coisa que não o que vinha sendo até então. Os experts em saideiras sabem muito bem que a saideira, embora fisicamente a mesma bebida, tem um gosto só seu. E esse gosto especial é justamente o sabor de transgredir a ideia que mais hora menos hora ocorre a quem está bebendo, qual seja: que deve parar.
A saideira, portanto, tem o gosto do excesso. Não o excesso cometido pelo alcoolista, pois esse sabe de antemão que, se depender dele, não terá fim a sua bebedeira. Chamar as doses que bebe de saideiras é apenas a desculpa do alcoolista para não parar de beber. Sem dizer que para ele todas as doses têm um e mesmo gosto.
Para concluir essa pequena metafísica é preciso ressaltar que a saideira não diz respeito somente ao excesso de bebida, isto é, às doses a mais além daquela que deveria ser a última. A saideira se relaciona sobretudo com prazer de cometer deliberadamente um excesso etílico sem, contudo, esse ato excessivo ser fruto de uma patologia, como no caso do alcoolista.
A saideira, portanto, é muito mais o amor ao beber do que à bebida. E é esse amor que, metafisicamente, converte qualquer bebida em saideira. Até mesmo Cristo, que por amor às pessoas que se divertiam em um casamento que estava prestes a ser encerrado porque o vinho estava acabando, fez seu primeiro milagre: transformou água em vinho. Oxalá a nossa mundanidade pudesse ser milagrosa assim! Caídos no mundo, entretanto, podemos pelo menos pedir ao garçom mais uma(s) saideira(s).