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Diário Liberdade
Segunda, 15 Agosto 2016 02:00 Última modificação em Segunda, 15 Agosto 2016 13:30

Turquia: A "caça às bruxas" chega à cultura

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País: Turquia / Repressom e direitos humanos / Fonte: Esquerda

Sila Gencoglu é uma das cantoras pop mais populares da Turquia e os seus concertos atraem milhares de jovens em cada verão. Perguntaram a Sila, quando foi convocado o comício em Istambul contra o golpe de Estado e a favor da democracia, se tinha intenção de ir. A estrela do pop turco disse que, sem dúvida, estava contra o golpe de Estado, mas que preferia “ficar à margem de semelhante show”. Em poucas horas, começou a receber um monte de insultos nas redes sociais e quase de forma imediata foram cancelados concertos seus programados para Ancara, Kayseri, Bursa, Istambul…

De contrardo com o comunicado emitido pela Câmara de Istambul, a simples comparação da concentração popular contra o golpe de Estado com um show já era motivo mais que suficiente para romper o contrato com Sila Gencoglu; em termos muito semelhantes expressava-se, segundo informa a rede Bianet, a “Fundação para a Cultura, as Artes e o Turismo” de Bursa, dependente deste importante município, com quase dois milhões de habitantes e situado, tal como Istambul, junto ao mar de Mármara.

Sila, depois do cancelamento dos concertos, disse estar em “estado de choque” porque tinha deixado bem clara a sua oposição ao golpe, mas também à manipulação política dos sentimentos populares, convertendo uma concentração de apoio à democracia num acto de adesão à política autoritária do presidente Tayip Erdogan.

O caso de Sila é só um exemplo, ainda que o mais marcante, devido à popularidade da cantora, do clima de “caça às bruxas” que se vive na Turquia depois da intentona golpista de 15 de julho. Nenhum setor crítico da política de Erdogan está livre da campanha de neutralizaçãode qualquer forma de oposição, agora com a desculpa de limpar o aparelho de Estado de qualquer vestígio gulenista, movimento islamista moderado dirigido por Fethullah Gülenque é acusado pelo Governo de Erdogan de ter instigado a intentona golpista.

6.792 professores universitários perseguidos

O Conselho do Ensino Superior acaba de anunciar que o número de professores universitários investigados ou afastados dos seus postos por estarazão ascende a 6.792. Em alguns casos, uma entrevista, uma conversa telefónica com Fethullah Gülen ou ter livros seus é motivo suficiente para ser incluído nas purgas.

 O professor Candan Badem, investigado por ter nas suas estantes um livro de Gulen

Por exemplo, Candan Badem, do Departamento de História da Universidade de Tunceli, está a ser perseguido por ter um livro de Gülen nas suas estantes, onde tinha também numerosas obras sobre comunismo, marxismo e anarquismo. Segundo explicou Candan à rede Bianet, esse único livro de Fethullah Gülen tinha-o utilizado precisamente para fazer trabalhos críticos contra o movimento deste antigo aliado de Erdogan, atualmente exilado nos Estados Unidos e para o qual a Turquia pediu a prisão preventiva durante o processo de extradição solicitado por Ancara.

Os Professores pela Paz, centenas dos quais já tinham sido expulsos da Universidade antes da intentona golpista, recordam que a escalada autoritária de Erdogan e as depurações na Universidade vêm de longe e que agora apenas se deu um salto mais amplo na mesma direcção.

Alguns destes professores, que propunham acabar de forma negociada com a guerra no Curdistão, já foram processados por graves delitos, como ocorreu com Mustafa Sener, professor de Ciências Políticas da Universidade de Mersin, acusado de propaganda terrorista, incitamento ao ódio e manifestação ilegal. Mustafa Sener, como muitos outros professores, não só ficou sem trabalho, vetado indefinidamente em todas as universidades da Turquia, como enfrenta um pedido da acusação pública de 14 anos de prisão. Só na sua universidade há outra vintena de professores em situação semelhante.

HDP: Dirigentes perseguidos, sedes assaltadas

Com um Partido Republicano do Povo (CHP, social-democrata e kemalista) amordaçado e atemorizado pelas massas que Erdogan lançou na rua e com um Partido da Ação Nacional (MHP, extrema-direita) cada vez em maior sintonia com o nacionalismo de Erdogan, agora quem é o alvo é o pró-curdo Partido Democrático dos Povos (HDP), o terceiro grupo dentro da Assembleia Nacional Turca (parlamento), ao qual começou a ser aplicada a nova lei que permite levantar a imunidade parlamentar dos deputados.

Os primeiros da lista foramSelahattin Demirtaş, copresidente e líder indiscutível do HDP, e o conhecido parlamentar por Ancara Sırrı Süreyya Önder, um dos que iniciou o movimento da praça Taksim. Para ambos são pedidos cinco anos de prisão por “propaganda de organização terrorista”, ainda que contra Demirtaş existam outros 93 processos com dois pedidos de prisão perpétua e mais 500 anos de prisão por vários delitos.

Dezenas de sedes do HDP foram assaltadas pela polícia numa clara tentativa de amedrontar o único partido parlamentar que não se dobrou a Erdogan e que denunciou, tanto o golpe de Estado, como o contragolpe do Governo. As sedes foram arrasadas sem qualquer mandato judicial, destruindo mobiliário, instalações e bibliotecas, como ocorreu na sede do distrito de Beyoglu, onde todos os livros, com exceção da grande Enciclopédia da História Otomana, foram atirados para o chão, numa forma de atuar que lembra demasiado a “noite dos cristais” do nazismo hitleriano.

Artigo de Manuel Martorell, publicado em cuartopoder.es a 14 de agosto de 2016. Tradução de Carlos Santos para esquerda.net

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