As imagens acima foram registradas no dia 15 de outubro pelo fotógrafo Giorgos Moutafis depois de mais um naufrágio que resultou na morte de sete migrantes – três crianças e um bebê – próximo à ilha de Lesbos, na Grécia.
A colisão entre uma lancha da Guarda Costeira grega e a embarcação de madeira dos migrantes teria sido a causa do acidente e as fotos foram publicadas timidamente em alguns jornais.
Quando as fotos do menino Aylan Kurdi, rodaram o mundo em setembro deste ano, a publicação das imagens rendeu debates sobre a pertinência ou não de expor a criança daquela maneira.
Desde que o jornalismo passou a ser mais criterioso na veiculação de imagens fortes (antigamente valia tudo), os argumentos de defesa para a publicação vão sempre na linha de tratar a referida fotografia como uma imagem ícone de determinada situação, de um período, de uma crise, da tragédia em questão. Algo que sirva como ponto de virada, o atingimento de um limite. Como se o ápice da brutalidade finalmente fizesse brotar um mínimo de humanidade.
Diante da repercussão das imagens de Aylan Kurdi, a fotógrafa turca Nilufer Demir declarou: “Nunca acreditei que uma foto poderia causar esse impacto. Gostaria que isso mudasse o curso das coisas.”
Eu também gostaria mas ao ver as fotos publicadas hoje pela manhã preciso confessar que a reação automática foi a de negar essa linha. Ao ver a foto ali, pequena, no canto da página, sem destaque, retratando o mergulhador que carrega a criança pelo colete, com certo desprezo, como se cheio de melindre, senão nojo mesmo em tocá-la, fui tomado pela resignação.
A foto de Aylan já faz parte do nosso repertório visual e as seguintes não produzem o mesmo efeito. O problema dos refugiados permanece mas virou uma notinha no jornal; Mais algumas crianças morreram portanto a forma de carregar seus corpos involuiu do quase paternal acolhimento do agente na Turquia com Aylan no colo para um abominável arrastar de uma menina ainda sem identificação. Caiu na temível banalização.
Lembrei de Susan Sontag que no final da vida, após tantos e brilhantes ensaios e artigos sobre a fotografia, passou a declarar-se cética quanto a essa propriedade e em seu último livro foi enfática ao afirmar que fotos atrozes não mudariam o mundo.
De imediato passou-me pela mente algumas fotos tidas como icônicas e ainda comovido pela aspereza da foto matinal de uma criança morta estabeleci a mesma relação. Para muitos, a imagem da menina nua, correndo em fuga de um ataque no Vietnã em 1972 ajudou a mudar a opinião pública americana contra aquela guerra.
Será? Pode até ter mudado a percepção em relação àquela especificamente mas os EUA permaneceram declarando guerra ao mundo quase anualmente.
A foto de um abutre aguardando a morte de uma esquálida criança no Sudão foi impactante, popular e mundialmente conhecida mas não extinguiu a fome na África. No máximo, mudou a vida do fotógrafo, o sul-africano Kevin Carter, que com ela venceu o prêmio Pullitzer e depois optou pelo suicídio.
Isto posto, contrariamente ao que possa estar parecendo, não me posiciono pelo veto à publicação das fotografias. De forma alguma. A prova é o quanto a imagem foi capaz de perturbar-me na manhã de ontem, a ponto de não querer mais olhar este tipo de foto, de questionar sua necessidade. Mas não é a censura que desejo. Desejo que não ocorram mais fatos como estes para serem fotografados.
O que espero é que elas realmente cumpram esse incômodo e a resposta para tal perturbação deve vir do ser humano. A imagem deve sim incomodar, revirar o estômago, tirar-lhe da zona de conforto, obrigá-lo a escrever um artigo, a dar um berro, arrancar nem que sejam suas últimas lágrimas.
A máquina fotográfica nada pode em relação a isso e seu produto, a foto, é apenas um selfie da vida. Não gostou? Sinto muito, é um retrato fidelíssimo, sem retoques. Então você fará o que para mudar?
No longínquo ano de 1888, a Kodak lançava seu primeiro modelo popular de câmera fotográfica. O título do anúncio para seduzir o consumidor pelas vantagens e facilidades de seu produto era: “Você aperta o botão, nós fazemos o resto.”
Muitos já apertaram o botão. Mas nós não fizemos o resto. A culpa não é nem da câmera nem das fotos. Se você não se indignar só porque já viu algo parecido, então o problema está em você.
Fonte: Diário do Centro do Mundo