A luta do povo Sioux contra o Oleoduto de Acesso ao Dacota é a história de como um protesto em defesa do direito à água se transformou no epicentro da revolta dos índios americanos. Uma batalha entre o direito a existir e um genocídio começado há 500 anos.
Há pouco mais de um século, Touro Sentado perguntava-se «Quantos tratados é que os Sioux assinaram que tenham violado? Quantos tratados é que o Homem Branco assinou que tenha respeitado?». A resposta para ambas as perguntas é «nenhum». Desde a assinatura do Tratado de Fort Laramie, em 1851, o território entregue pelos EUA à nação Sioux foi sendo roubado até, hoje em dia, estar reduzido a um décimo da sua extensão original.
Tal como há 165 anos, o governo dos EUA planeava voltar a violar os tratados com os Sioux e impor a passagem de um oleoduto por terras tribais, colocando em risco permanente as reservas de água das comunidades nativas. Mas desde o início do ano a resistência dos «protectores da água» trava a construção do tubo no território soberano da tribo Sioux de Standing Rock (SRST). Para o presidente da SRST, David Archambault II, «a questão não é se vai haver uma fuga de óleo, é quando. A ETP [a empresa responsável pela construção do oleoduto] tem processos-crime por contaminação da água em quatro estados. No mês passado tiveram outra fuga na Pensilvânia. Vocês confiariam nesta água?», perguntou à CNN.
O projecto de 10 mil milhões de dólares para levar petróleo do Dacota do Norte ao Illinois ao longo de 2000 quilómetros foi alterado várias vezes para proteger a água de cidades como Bismarck, mas os índios não foram sequer consultados, infringindo assim os tratados com os Sioux e a própria Declaração Internacional dos Direitos dos Povos Indígenas, de que os EUA são signatários.
Cenário de guerra
Contudo, aquele que já é o maior protesto dos povos nativos dos EUA em mais de um século, vem inflamando a impaciência do grande capital. Os principais investidores, entre os quais o presidente eleito Donald Trump, dizem que a resistência dos «protectores da água» já custou mais de 1,4 mil milhões de dólares em atrasos na construção e pedem mão pesada. Ao longo de 2016 a repressão policial em Standing Rock militarizou-se e foi-se tornando mais brutal: só no mês passado, 141 pessoas foram detidas, algumas das quais em jaulas de canil, marcadas com números na pele e privadas de assistência médica. No entanto, a violência que aconteceu este domingo é algo que os índios americanos não conheciam há décadas.
Ojilaka Akicita, activista dos direitos dos povos nativos, estava lá e descreveu-me o ataque em primeira mão: «Domingo à noite decidimos remover as barricadas que a polícia montou para nos cortar o caminho, na auto-estrada 1806. A polícia respondeu com tudo excepto fogo real. Usaram um canhão de água misturada com químicos que nos ardia na cara, usaram gás pimenta, balas de borracha, granadas de impacto... Estavam quatro graus negativos e a polícia disparava água gelada contra manifestantes pacíficos. As nossas roupas congelavam-nos junto ao corpo». Entre os mais de 300 feridos, 26 dos quais ainda hospitalizados, há idosos entre a vida e a morte e crianças com ossos partidos. Sophia Wilanksy, de 21 anos, teve o braço amputado.
Para Ojilaka Akicita, a escala da brutalidade policial revela, porém, que está em causa muito mais do que o meio ambiente: «Isto não é só sobre a água. É sobre anos e anos de genocídio e colonização. É sobre a nossa autodeterminação. É sobre esta terra que o capitalismo está a arruinar. Para o governo, é sobre os lucros, que valem mais do que a segurança das pessoas e do que os tratados. Esta terra está nos tratados, mas mesmo depois de tudo o que nos fizeram, ainda nos dizem que estamos a invadir a nossa própria terra, ainda vêm polícias marchar sobre os nossos cemitérios», denunciou. «O mundo inteiro está a ver. O mundo inteiro viu-nos a resistir pacificamente. Viu que isto é um cenário de guerra». Oxalá tivesse visto.
*Este artigo foi publicado no Avante! nº 2243, 24.11.2016