Milhões entre os melhores militantes da causa socialista se emocionam com a morte de Fidel. A vida me ensinou que quando os nossos choram, é importante demonstrar respeito. Respeito não é reverência. Respeito é consideração. Permanecer indiferente a esta reação seria uma arrogância perigosa.
O ódio contra Fidel e contra Cuba é expressão de um ódio social contra o igualitarismo, a fraternidade, a solidariedade, que são o coração da luta dos trabalhadores. Querem enterrar o símbolo que a revolução cubana foi para mais de uma geração. Porque Cuba provou que a revolução permanente, a simultaneidade, em um processo ininterrupto e acelerado de uma revolução democrática, uma revolução anti-imperialista, uma revolução agrária, uma revolução negra, com uma revolução anticapitalista era possível. Uma façanha histórica imensa.
Na hora do adeus é preciso ter perspectiva de classe.
Ouvi o ameaçador “Vai para Cuba”, pela primeira vez, no dia 20 de Junho de 2013, na Paulista. Era ecoado por uma coluna de extrema direita de algumas centenas de seguidores furiosos, coléricos, enraivecidos. Agora o ódio dos que nos ameaçam, insolentes, desassombrados, e defendem, descaradamente, o egoísmo, a desigualdade, e a competição se volta contra Fidel.
Tanto ódio assim precisa ser explicado. A razão é terrível, mas é simples. A pequena ilha de Cuba realizou proezas sociais fantásticas. Demonstrou que as relações sociais pós-capitalistas, apoiadas na socialização da propriedade, no planejamento, e no monopólio do comércio exterior, o tripé de uma estratégia socialista, eram superiores ao capitalismo. Cuba não pode ser comparada com países que já estavam, nos anos sessenta, em estágios de desenvolvimento histórico superior. Isso é anacrônico. Cuba merece ser comparada com aquelas nações que emparelhavam com ela quando Batista estava no poder: Guatemala, Honduras, Nicarágua e El Salvador. Ainda lembro de um episódio que me impressionou pela altivez. Quando o Papa polonês visitou Cuba, em 1998, um cartaz anunciava: “Milhões de crianças dormirão hoje na rua. Nenhuma delas é cubana”. Eu, que nunca fui castrista, senti orgulho.
Fidel será castigado hoje, talvez mais do que nunca, com a acusação de que foi um ditador implacável. Aqueles que lutamos pelo socialismo devemos ser conscientes do significado deste ódio de classe: querem enterrar com Fidel a esperança que Cuba representou. Nós queremos que aquela inspiração, personificada no exemplo internacionalista de Che Guevara, renasça.
Na hora do adeus é preciso ter lucidez.
Mais do que nunca o marxismo do século XXI deve ser internacionalista. O socialismo não é possível em um só país. A fundação da OLAS (Organização Latino-Americana de Solidariedade) foi um dos momentos mais elevados do impacto continental da revolução cubana. Estou entre aqueles que compreendem que o alinhamento incondicional de Cuba com a política de Moscou após, sobretudo, a invasão de Praga em 1968, foi uma inflexão desastrosa que teve consequências adversas na América Latina e, também, em Cuba. Os descaminhos da revolução cubana começaram com a consolidação do regime de partido único. A última oportunidade foi perdida, talvez, nas encruzilhadas da revolução nicaraguense e salvadorenha. O regime especial dos anos noventa, após a restauração capitalista na ex-URSS, foi o início da decadência.
Conheci Fidel Castro quando ele veio ao Brasil em 1990. Eu era membro da executiva nacional do PT, e uma reunião especial foi organizada no Anhembi. Luiza Erundina era a prefeita de São Paulo. Não éramos mais do que umas poucas dezenas. Fidel impressionava pelo gigantismo de sua personalidade: força de caráter, rapidez de pensamento, intensidade emocional, tudo parecia autêntico. Mas o culto à personalidade de um líder infalível já não era mais, somente, uma excentricidade caribenha. Era retrógado.
Eu nunca fui a Cuba. Mas a ilha da revolução sempre viveu dentro de mim.
Na hora do adeus, quero guardar essa saudade para sempre.
Fonte: Esquerda Online