O subtexto da búlgara guerrilheira no seu repreensivo, porém curto silêncio provavelmente foi: “Que papo é esse de tudo bem, mané? Tu tá prestes a ser preso; eu, deposta; e o Brasil, a cair de novo nas mãos da velha oligarquia; e tu me vem com esse papo de tudo bem?”. E não é que ela estava certa? Pelo menos para ela as coisas não estavam bem, uma vez que, como se diz, não terminaram bem. Para Lula, as cartas ainda estão na mesa. Mas os prognósticos não são muito alentadores...
No ano da pós-verdade, pelo menos segundo o Dicionário Oxford, mas que, sem papas na língua, no Brasil foi o ano da pró-mentira-deslavada, a repreensão de Dilma à alienação retórica de Lula ao telefone foi um ponto fora da curva de grande valor. E talvez esse átimo de diálogo vazado da ex-presidenta tenha sido não somente prova da capacidade dela de enfrentar a realidade sem subterfúgios, como também extremamente simbólico em relação à postura dela diante daqueles que a golpearam.
Todos os que queriam que Dilma enfiasse goela abaixo do povo aquilo que depois do golpe chamou-se “Uma Ponte para o Futuro”, receberam dela algo como: “Não, não tá bom não... Vou tentar de outra forma”. Como é sabido, melhor dizendo, devidamente gravado e publicizado, os canalhas pró-golpe também queriam “estancar a sangria” das investigações e prisões que em breve beberia do sangue deles. Outrossim a presidenta disse um: “Não, não tá bom não... Prefiro que sangremos até o fim”.
Gata escaldada, mais ainda, torturada, Dilma devia saber muito bem com quem estava lidando. Ter lutado contra a Ditadura Militar no Brasil dos anos 1970 certamente a fez conhecer o deslimite e o cinismo de oponentes fascistas. Não obstante, na sua última “guerrilha” parlamentar ela resistiu, ao vivo e a cores, às investidas golpistas, mesmo ciente de que isso custaria o seu cargo. E isso porque, para ela, tem coisas que “não, não tá bom não”.
Nem mesmo o ex-presidente Lula, infinitamente mais popular e creditado que Dilma, consegue ser tão verdadeiro. Depois de ter sua fama devassada “como nunca antes nesse país”, agora ele quer ser presidente novamente. A pós-verdade mais triste da qual nem mesmo Lula consegue se livrar, contudo, é o velho discurso de que o melhor para o povo é voltar a comprar “seu carrinho; sua TV de plasma; sua máquina de lavar roupa”. Aqui é preciso engrossar o coro com Dilma: “Não, Lula. Não tá bom não!”.
Será que o vilipêndio que o povo e o país sofreram em 2016 não serviu para mostrar a Lula que priorizar o poder de compra do povo, em vez de educá-lo e empoderá-lo politicamente em primeiro e mais importante lugar, permitiu que, de um só golpe, o seu legado fosse arrasado, e, de quebra, que a elite golpista retornasse confortavelmente ao poder? Esse seu discurso populista agrada as massas. Sem dúvida repeti-lo dará votos à sua reeleição – isso, claro, se não for preso até lá. Agora, em se tratando do que realmente é melhor para o povo, “Não, Lula. Não tá bom não”.
Ok, Dilma deu seguimento à política consumista inaugurada por Lula. A diferença entre eles, contudo, é que ela não ficava fazendo apologia populista disso. Ela é uma burocrata fria. Mas, forçando a barra, sua “burrocracia” teve ao menos a virtude de impedir que ela caísse na falsa intelligentsia pós-verdadeira que inundou 2016 qual tsunami.
Se faltou à Dilma fazer a tão solicitada mea-culpa, isso ainda divide muito as opiniões. Agora, o que não deixa dúvida é que a guerrilheira sabe melhor do que qualquer um de seus pares aceitar publicamente quando as coisas não vão bem. Ah se Aécio Neves tivesse essa virtude!
Por isso, não tem como eu desejar um Feliz Natal à Dilma. Seria pós-verdadeiro demais de minha parte pretender que seja possível, para uma mulher, como se diz, tão pé-no-chão como ela, alienar-se completamente da tristeza que foi esse nosso ano e, de uma hora para outra, ter um Natal feliz. Desse modo, desejo a minha presidenta que seja feliz, mas... “not all”.