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Diário Liberdade
Terça, 24 Mai 2016 20:41

As voltas da vida (política) ou breve relato sobre o preço da ambição Destaque

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Atilio Borón

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A cena em uma aula da Flacso, em Santiago de Chile, agosto de 1967. Os alunos dos dois mestrados ofertados no momento, um em Sociologia e outro em Ciência Política, esperam com entusiasmo a chegada de um novo professor de economia: um jovem exilado brasileiro, com impecáveis antecedentes de esquerda, que pela primeira vez ministraria um curso a nível de pós-graduação. O Diretor da instituição faz a apresentação formal e pouco depois o professor passa a explicar seu programa, coisa que faz em um bom “portunhol” e com marcado acento brasileiro, que servia para matizar a aridez de seu discurso. O conteúdo e a bibliografia são rigorosamente marxistas, sem a menor fissura pela qual pudesse deslizar-se alguma outra vertente de pensamento econômico.


Quando terminou sua exposição, um pesado silêncio desceu sobre a sala. Eu era um dos estudantes e me chamou a atenção o hermetismo teórico do programa. Já tinha feito um curso de Economia Política na Argentina, na Faculdade de Ciências Econômicas da UBA, com a inesquecível Rosa Cusminsky, que depois do golpe de 1976 conseguiu exilar-se no México e continuar com seu trabalho docente na UNAM. No curso ministrado por Rosa, uma marxista “convicta e confessa”, como se declarara José Carlos Mariátegui, estudamos é claro Marx (algumas passagens d’O Capital, lemos com afinco Salário, Preço e Lucro, discutimos o Anti-Duhring), porém também vimos John M. Keynes, Joseph Schumpeter, Joan Robinson, Arthur Pigou e John K. Galbraith.

Rompi o silêncio e, com muito tato, perguntei ao novo professor se não iríamos estudar também a obra de alguns destes autores que a boa Rosa nos fez ler, em meu caso quando ainda não tinha feito dezoito anos. A resposta me deixou gelado, pois indignado, se voltou para mim e disse, com um tom ameaçador e agitando com força seu dedo indicador da mão direita: “Olhe, jovenzinho: se você quer perder o tempo estudando esse lixo burguês não tem nada que fazer em meu curso”. Intimidados pela violência verbal do professor, ninguém teve a ousadia de abrir a boca. Este começou a ditar sua matéria e eu nem sequer me preocupei em tomar notas, coisa que faço habitualmente.

Ao terminar a aula, saí e nunca mais regressei a seu curso. Tive sorte, porque naqueles anos, o Chile era a Atenas latino-americana e completei minha formação econômica pelas mãos de dois formidáveis professores: Celso Furtado e Osvaldo Sunkel, que ministravam cursos separados no Instituto de Estudos Internacionais da Universidade do Chile que, como era previsível, foram muito superiores ao que ministrara meu censor. Este iniciou uma notável carreira acadêmica e política.

Devo reconhecer que durante o governo de Salvador Allende foi um estreito colaborador de seu Ministro da Economia, Pedro Vúskovic. Sei também que passou maus bocados com o golpe de Pinochet e que a duras penas conseguiu sair do Chile. Assim como eu, foi para os Estados Unidos e obteve um doutorado em Economia na prestigiosa Universidade de Cornell. Depois disso, passou um tempo no Instituto de Estudos Avançados de Princeton e, após quatorze anos de exílio, regressou ao Brasil, onde, pela mão de seu mentor e protetor no Chile (Fernando Henrique Cardoso), ele chegou a ser deputado federal, senador, prefeito e governador de São Paulo e duas vezes candidato a presidente, sendo derrotado uma vez por Lula, em 2002, e outra vez por Dilma, em 2010. Em sua campanha presidencial de 2002, seus ataques e infâmias contra Hugo Chávez Frías adquiriram uma lamentável notoriedade, e seu rancor contra tudo o que tenha relação com Chávez e o chavismo, com o bolivarianismo e a revolução, persiste até o dia de hoje, alimentada por seu visceral ódio ao PT e a tudo o que se pareça, culpável de sua frustração política.

Sua adesão à direitista socialdemocracia brasileira e sua calculada conversão ao neoliberalismo como uma rota de ascensão para chegar, como objetivo, à presidência do Brasil acentuou ainda mais os traços de extrema intolerância e dogmatismo que exibira em sua juventude. Hoje representa a versão mais radical e talvez mais sofisticada – porque é uma pessoa inteligente e dona de uma sólida formação intelectual – da direita brasileira. Sua insaciável ambição de poder, essa que segundo Hobbes só cessa com a morte, não só o fez jogar fora aquilo em que acreditava com fanático zelo em fins dos anos sessenta, mas que o levou a convalidar o escandaloso assalto ao governo do Brasil pela mão de uma quadrilha de corruptos que merecia estar na cadeia indefinidamente.

Porém, com o ardor próprio dos convertidos, a ele não importa nada e aceitou desempenhar um cargo muito importante no governo de Michel Temer, posicionando-se para tentar, pela terceira vez, chegar à presidência do Brasil e, assim, saciar sua irreprimível obsessão. Este é o personagem que na nota que hoje publica o diário La Nación (Buenos Aires) prometeu “limpar de ideologia a política exterior” do Brasil. Apresento-lhes José Serra, que não foi meu professor e hoje Chanceler do governo golpista do Brasil.

Fonte: Resumen Latinoamericano

Tradução: Partido Comunista Brasileiro (PCB)

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