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Diário Liberdade
Quarta, 15 Março 2017 13:24

Hogar Seguro Virgen de la Asunción: tragédia que não se cala

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Ilka Oliva Corado

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Muita água correu desde o dia do incêndio em Hogar Seguro Virgen de la Asunción (8 de março), com ele também uma desinformação esmagadora, mídias que buscam captar a atenção dos leitores com as manchetes mais assustadoras e notas “amarelas” que menosprezam a vida e a dignidade das vítimas e suas famílias. Para nem se falar de ética e humanismo. “Estavam lá para delinquir”, mencionam alguns. Outro ressalta que “aquele era um retrato de famílias disfuncionais”, referindo-se aos pais de famílias que, ao saber do incêndio, chegaram como puderam ao refúgio. Artigos, reportagens, relatos detalhados a partir do ponto de vista classista, daquele que mais tem, do acomodado.


O Hogar Seguro não é um centro correcional de menores, é um refúgio do governo da Guatemala, que supostamente oferece proteção a meninos, meninas e adolescente que sofreram violência física, emocional e sexual. Situação de abandono e orfandade que os coloca em constante risco social. Está localizado em San José Pinula nos arredores da capital guatemalteca. Muitas das crianças que foram vítimas de exploração sexual, laboral e de adoções irregulares vão para lá: um centro de tortura autorizado pelo Estado.

Desde 2013 vêm sendo apresentadas denúncias perante a promotoria e a Procuradoria de Direitos Humanos, por abusos sexuais que vivem as meninas por panelinhas criminosas formadas pelos mesmos empregados e autoridades do Hogar Seguro; onde eram vítimas de exploração sexual. No entanto, as denúncias não vieram à luz do dia nos meios de comunicação, porque eram párias, apenas párias. Quem se interessaria pela vida das párias, se a Guatemala pede a pena de morte para elas? Porque as quer exterminar tal como aconteceu com os Povos Indígenas e o Genocídio. Isso explica em grande medida as consequências desta tragédia que se poderia evitar.

Dos primeiros artigos que reativaram as denúncias, um foi de segundo-feira 24 de outubro de 2016, da jornalista Carolina Vázquez Araya, entitulado “As meninas vestiam calça jeans e blusa cinza”, no qual a colunista comenta o seguinte: “Basta olhar para as dependências estatais e suas reduzidas capacidades de gestão que se compreende melhor por que os meninos e meninas desse Hogar Seguro dormem amontoados no chão, se alimentam pouco e alguns escapam dessa situação degradante. Mas isso não explica o repentino desaparecimento de 31 meninas entre 28 e 29 de setembro, somadas às 99 registradas até este momento.” Ela faz referência a um artigo apresentado pelo diário La Hora, portal que seguiu de perto as denúncias das meninas desde 2013.

Durante o transcorrer da semana, alguns meios informaram do desaparecimento de 31 meninas, até o momento não se sabia se haviam fugido ou se foram sequestradas. Nos dias posteriores soube-se que haviam fugido, fizeram-nas retornar ao Hogar Seguro. Saiu à luz pública que sofriam abusos sexuais e todo o tipo de humilhações que qualquer um pode imaginar e por isso haviam fugido, no entanto nada aconteceu, nem as autoridades como a Secretaria do Bem Estar Social nem a sociedade optaram por fazer algo por essas meninas. A sociedade as denegriu de novo, vitimizando-as novamente por sua origem e seu status social. As autoridades fizeram caso omisso, eram párias...

Passaram os meses e a situação no refúgio seguiu igual, na noite anterior ao incêndio 60 meninos trataram de escapar pelos barrancos e bosques próximos, mas só 19 conseguiram, o resto foi devolvido pela polícia ao refúgio e os trancaram a sete chaves. As meninas pela manhã de 8 de março incendiaram colchões buscando chamar a atenção das autoridades, mas estas e os trabalhadores do lugar fizeram caso omisso, nunca abriram a portas. O fogo em questão de minutos devorou as meninas que estavam dentro. No local morreram 19 e mais de 30 ficaram com queimaduras graves, no passar dos dias morreram mais 18 nos hospitais públicos. Nas investigações posteriores soube-se que o pessoal do refúgio trancou as portas e janelas por fora com cadeados. Por que fizeram isso se dentro estavam amontoadas 56 adolescentes que estavam se queimando?

Entre as sobreviventes há 9 meninas grávidas, não chegaram assim ao Hogar Seguro – quem ou quantos as abusaram lá dentro? Há meninas grávidas entre as falecidas?

Por que, se já existiam denúncias de abuso sexual, físico e emocional, não se iniciou uma investigação exaustiva e se fechou o local? Por que a sociedade não reagiu ante tais atrocidades?

É um crime de Estado, um crime da sociedade guatemalteca que encobre a inoperância de um governo e de um sistema colapsado e corrupto. E ficaram impunes os culpados porque a Guatemala é assim: sociedade medíocre, classista, racista e sem coragem.

Nas declarações do governo da Guatemala e textos publicados por meios de comunicação que carecem de ética e humanidade, se aponta e se enfatiza que essas crianças eram delinquentes, “estavam lá por serem delinquentes”, outros porque “seus pais os colocaram lá por serem rebeldes”. Tentando por todos os meios desacreditar as meninas e suas famílias e tirar a importância da tragédia. E se fossem delinquentes, então mereciam morrer assim, em um crime de Estado? Porque é isso o que querem dar a entender. Quem os fez delinquentes? A responsabilidade absoluta é de um Estado falido, podre e corrupto. A de um sistema impune e abusador.

O governo fez oficial a versão de que as meninas se amotinaram (olho com essa palavra, é delicada em um caso tão sério como este) porque não gostavam da comida que lhes davam, e não aceita que ao invés disso as menores eram abusadas física, emocional e sexualmente. Coisa que não assombra vindo de um governo como o da Guatemala. Uma postura irresponsável por parte das autoridades e de total inaptidão e indolência por parte de Jimmy Morales, que deveria ser retirado de seu cargo imediatamente.

Ilka Oliva Corado,

11 de março de 2017, Estados Unidos.

Tradução do Diário Liberdade

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