Por uma série de motivos que não convém abordar agora, o conjunto da classe trabalhadora está [aparentemente] bem mais preocupada com sua aposentadoria, emprego e salário do que com o funcionamento “normal” das instituições democrático-burguesas.
Na maioria das cidades, os atos do 15M foram construídos de forma unitária entre os diferentes campos da esquerda. Socialistas, comunistas e o campo democrático-popular (PT, PCdoB, Consulta Popular etc.) saíram às ruas “juntos” lado a lado de diferentes centrais sindicais que, no mais das vezes, não mantêm qualquer diálogo (foi interessante em Recife ver a CSP-Conlutas, Força Sindical, Intersindical, CUT e CTB dividindo palanque, carro de som e procurando construir diálogos previamente ao ato).
Os efeitos da grandiosa jornada do 15M foram imediatos. Vários ratos do PMDB, como Renan Calheiros, soltaram declarações contra o Governo Temer e a falta de diálogo na condução das propostas. A PEC 287 também terá mais alguns dias antes de sair da comissão especial. Os deputados agora querem ganhar tempo. No senado o projeto de lei sobre o direito de greve dos servidores públicos (na prática o fim do direito de greve) não teve pedido de urgência votado (ficou para dia 21). Senadores do PMDB consideram loucura votar agora esse projeto. Os ratos da base aliada de Temer – inclusive DEM e PSDB – já discutem, dizem as fontes da Folha de SP, atenuar alguns pontos “mais polêmicos” da proposta de contrarreforma, como a idade mínima para a aposentadoria, a regra de transição, mudanças para aposentadoria rural etc.
Depois da derrota na batalha contra a PEC da MORTE, um sentimento de desesperança e impotência tomou segmentos importantes da esquerda organizada e da juventude que ocupou mais de mil escolas. O 15M ajudou a fazer com que a esperança volte e mostrar que é sim possível parar a guerra de classe da burguesia contra os explorados e oprimidos. Mas tudo é notícia boa e comemoração em relação ao 15M? Cremos que não.
Em vários estados houve disputas cruentas pela direção dos atos. A esquerda (em sua diversidade) saiu às ruas junta, mas separada. As diferenças de gritos, palavras de ordem, bandeiras, prática de ato, formas de dialogar com a população etc. são importantes, porém, o fundamental mesmo é que algumas organizações de esquerda – que de forma alguma constituem um bloco homogêneo – veem os atos de rua como momentos de agitação e propaganda e de mostrar força dentro de uma perspectiva de médio/longo prazo de rearmamento [teórico, político e organizativo] da classe trabalhadora. A Greve Geral é sua principal mediação tática para barrar a ofensiva burguesa e procurar reverter a correlação de forças.
Já o campo democrático-popular (que inclui o PDT e Ciro Gomes, afinal eles disputam a liderança no petismo) compreende, de novo, ser a eleição de um novo presidente num grande pacto de conciliação nacional – tendo como principais atores trabalhadores e o “capital produtivo” ou burguesia industrial – para restaurar a legitimidade, confiança e crescimento econômico.
As suas principais expressões desse programa, Lula e Ciro Gomes, já estão em campanha eleitoral. Sobre Ciro Gomes meses atrás gastei um pouco do meu tempo produzindo uma análise [1] e não vou repetir seus elementos aqui; sobre Lula, porém, vale a pena analisar o conteúdo do seu discurso em São Paulo quando participou do 15M e falou por dez minutos.
O discurso de Lula é o discurso da FIESP, CNI e ABIMAQ com uma estética de esquerda e sem a ênfase no corte de direitos trabalhistas. Exagero? Não. Lula resume todos os problemas do país e da população a falta de crescimento econômico. Na visão do ex-presidente o “problema da previdência” se resolve com crescimento econômico que gera por derivação emprego, renda e aumento da arrecadação. Durante seu discurso diz que os bancos públicos precisam voltar a ter forte atuação, o BNDS financiar investimentos, o crédito voltar a fluir, as pessoas comprarem. Ou seja, o mesmo programa político do segundo mandato. É inútil esperar que Lula fale da revogação da PEC da MORTE, auditória da dívida, reforma tributária ou lei de remessas de lucro como resposta à “crise econômica”. O Lula continua o “lulinha paz e amor”.
Lula criticou Meirelles e Temer dizendo que eles não escutam o povo. É claro, porém, que Lula não fez qualquer autocrítica da sua contrarreforma da previdência, manutenção da DRU (DRU = desvinculação de receitas da união. É um mecanismo jurídico que permite desviar dinheiro da seguridade social para pagar juros e serviços da dívida. Foi criada por FHC e mantida pelos Governos do PT) e “esqueceu” que Meirelles foi homem forte da sua política econômica e que ele pressionou Dilma a colocar Meirelles como Ministro da Fazenda (o mesmo cargo que ocupa hoje) em 2014.
Seria esperar demais de Lula tratar a contrarreforma da previdência como uma ofensiva da burguesia contra a classe trabalhadora. Mas no discurso de Lula a previdência não aparecia nem como um direito universal a ser garantido e ampliado. O cerne da crítica é que “cortar” a previdência é um erro econômico que enfraquece o mercado interno e por isso dificulta o crescimento econômico. A perspectiva de DIREITOS UNIVERSAIS não compareceu na fala do Lula – essa visão explica os motivos de Lula não falar em revogar a PEC da MORTE.
Lula, em oito anos de Governo, NUNCA chamou o povo às ruas. Mas disse que a mudança passa pelas ruas e não podemos sair dela, contudo, do meio para o final do discurso, afirma que a grande solução para o país é eleger por voto direto um presidente com legitimidade social (ele, naturalmente). O clássico discurso da reforma política sumiu do mapa.
Dias atrás a Revista Fórum, órgão de comunicação abertamente petista, noticiou que, caso Lula não seja candidato, o ex-presidente apoia uma chapa com Ciro Gomes na cabeça e Haddad como vice. Nas entrelinhas da matéria, sem muito destaque, é dito que “empresários” já procuraram o ex-presidente, insatisfeitos com os rumos da economia. A classe dominante [em suas diversas frações] é hábil tal como um estudioso de Maquiavel: declara uma guerra de classe através do Governo Temer, mas já joga com uma versão soft, social-liberal, do seu domínio caso as coisas saiam errado com o golpista Temer.
Portanto, é inequívoco que, dentro do processo de resistência aos ataques da burguesia, existe uma disputa por quem e qual concepção irá liderar esse processo e qual será seu objetivo tático de curto prazo e estratégico. Evidentemente que ninguém discorda da necessidade de unidade nesse momento contra a guerra de classe operada pelo Governo Temer. Mas que ninguém seja ingênuo de ver nessa unidade tática, na ação, a negação das disputas no seio da esquerda. Essas disputas fazem parte da luta de classes! Se, por exemplo, a maioria da esquerda continuar achando que a grande solução para seus problemas é lançar uma “frente eleitoral” para 2018 com Lula ou Ciro Gomes, na eterna espera de um messias, a classe dominante terá ganho outra batalha fundamental. Combater a conciliação de classe, o aparelhamento, o peleguismo, o institucionalismo, a burocratização e as teorias da pseudo-esquerda (keynesianismo, humanização do capitalismo, capital financeiro vs capital industrial etc.) é parte fundamental da organização das resistências e para a criação de condições que deem novas possibilidades de avanço popular.
A consequência lógica de nossa análise é que os comunistas têm uma dupla tarefa: potencializar a organização da resistência e ao mesmo tempo impedir que a resistência seja um trampolim eleitoral para uma nova rodada do pacto de classe “neodesenvolvimentista” com Ciro ou Lula (ou os dois) na cabeça. Combinar unidade com necessidade de combate à conciliação de classe é uma das tarefas primordiais dos comunistas na atual conjuntura brasileira.
Fonte: PCB