"Romper a gradação", anotava Lênin à margem de A Grande Lógica de Hegel.
E sublinhava: "A gradação nada explica sem os saltos. Os saltos! Os saltos! Os saltos."**
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Introdução: Acadêmicos e especialistas dos jornais 'de finanças', a mídia-empresa de massa e 'especialistas em Ásia' em geral, nos EUA, além de legiões de políticos ocidentais progressistas e conservadores, coaxam em coro a própria frustração e vivem de anunciar um iminente colapso ambiental da China.
Invariavelmente dizem que (1) a economia da China está em declínio; (2) a dívida é monstruosa; há uma bolha imobiliária chinesa pronta a explodir; (3) o país está tomado pela corrupção e envenenado pela poluição; e (4) trabalhadores chineses vivem em greve, movimentos monstro de protesto, e repressão sempre crescente – resultado da exploração e da feroz desigualdade social. As rãs financeiras coaxam que a China seria iminente ameaça militar à segurança dos EUA e de seus parceiros asiáticos. Outras rãs saltam tentando pegar as moscas no céu – e clamam que os chineses hoje ameaçam todo o universo!
Os especialistas em 'fim da China', sempre com antolhos, veem realidade sistematicamente distorcida, inventam fábulas para se consolar e pintam cenários os quais, na verdade, são reflexo das próprias sociedades onde vivem.
A cada 'informação' sem fundamento que é refutada, as rãs alteram a cantoria: quando predições de colapso iminente não se confirmam, acrescentam um ano, ou até uma década, ao cronômetro da bola de cristal. Quando seus 'alertas' contra tendências negativas no campo social, econômico e estrutural são desmentidos por evidências de tendências positivas, eles recalibram o alcance e a profundidade da crise, citando 'revelações' anedóticas que só iniciados conheceriam (recolhidas de conversas com o taxista, do aeroporto ao hotel).
Com as previsões de fracasso inapelável já velhas e ainda não concretizadas, os 'especialistas' questionam os dados estatísticos oficiais chineses.
Pior que tudo, os 'especialistas' e acadêmicos ocidentais entendidos de 'Ásia' estão tentando agora 'engenharia reversa': os EUA tentam ativamente cercar a China com bases e navios militares; 'então', os chineses estão agredindo os EUA. Os EUA cada dia mais doentiamente belicosos imperialistas norte-americanos são vítimas; a China, agressora. E os EUA choram sem parar.
Operando contra o pântano dessa desinformação construída, esse ensaio visa a delinear balanço alternativo, mais objetivo, da atual realidade política e socioeconômica da China.
China: Ficção e Fato
Repetidas vezes se lê sobre a economia de 'baixos salários' e exploração brutal de trabalhadores escravizados, por oligarcas bilionários e funcionários públicos corruptos (ESSE É O QUADRO NOS EUA E NO BRASIL, não na China). Na China, o salário médio no setor de manufatura triplicou, nessa década. A força de trabalho na China recebe salários superiores aos dos países latino-americanos, com uma exceção muito duvidosa. Os salários chineses aproximam-se agora dos países da União Europeia.
No mesmo período, os regimes neoliberais sobre pressão da União Europeia e dos EUA reduziram os salários à metade, como na Grécia; e muito significativamente no Brasil, México e Portugal.
Os salários na China, ultrapassam hoje os da Argentina, Colômbia e Tailândia. Embora não seja alto, pelos padrões de EUA e UE, os salários na China em 2015 mantiveram-se em $3,60/hora – melhorando os padrões de vida de 1,4 bilhão de trabalhadores. Durante o período em que a China triplicou o salário de seus operários, o salários dos indianos permaneceu estagnado em $0,70/hora; e os salários sul-africanos caíram, de $4,30/hora, para $3,60/hora.
Esse aumento espetacular nos salários do trabalhador chinês deve-se ao crescimento explosivo da produtividade do país, resultado de aprimoramento sustentado na saúde, educação e treinamento técnico, bem como de pressão sustentada dos trabalhadores organizados e da luta de classes.
A bem-sucedida campanha conduzida pelo presidente Xi Jinping para rapidamente demitir e prender centenas de milhares de funcionários corruptos e exploradores e de comandantes de fábricas, fez aumentar o poder do trabalhador chinês. Rapidamente os trabalhadores chineses vão superando a diferença de salário mínimo em relação aos EUA. Ao ritmo atual de crescimento, essa diferença, que diminuiu, de 1/10 para 1/3 do salário mínimo dos EUA em dez anos, logo desaparecerá.
A China deixou de ser mera economia de trabalho intensivo, não qualificado, mal remunerado, simples linha de montagem de produtos para exportação. Hoje há 20 mil escolas técnicas, das quais saem milhões de trabalhadores qualificados. Fábricas de produtos de alta tecnologia estão incorporando a robótica em escala massiva, para compensar a carência de trabalhadores qualificados. O setor de serviços cresce, com vistas a atender à demanda do consumo interno. Confrontada com a crescente hostilidade política e militar dos EUA, a China já diversificou seu mercado para exportação, redirecionando-o, dos EUA, para UE, Ásia, América Latina e África.
Apesar desses impressionantes avanços objetivos, o coro de 'agourentos mal intencionados' não se cansa de repetir sempre as mesmas previsões anuais, de ininterrupto declínio e decadência da economia chinesa. Nada altera esses 'diagnósticos': nem o crescimento de 6,7% no PIB da China em 2016 – agora mudaram, da previsão de 'encolhimento', para a constatação de crescimento real... como prova de colapso iminente! Mas, sem nunca se deixar convencer pela realidade, o coro de mal intencionados de Wall Street festeja loucamente quando os EUA anunciam crescimento (duvidoso!), de 1% para 1,5% do PIB!
A China reconheceu seus sérios problemas ambientais, e é líder no mundo em investimentos (2% do PIB) para reduzir a emissão de gases de efeito estufa – fechando fábricas e minas. São esforços que excedem em muito o que se vê nos EUA e na União Europeia.
A China, como o resto da Ásia, e como os EUA, precisa aumentar muito os investimentos na reconstrução da infraestrutura, ou degradada ou não existente. O governo chinês é o único, em todo o mundo que atende e até supera as necessidades atuais de transporte da população – gastando $800 bilhões por ano em ferrovias para trens de alta velocidade, portos marítimos, aeroportos, metrôs e pontes.
Enquanto EUA rejeitam tratados de comércio e investimentos multinacionais com 11 países do Pacífico, a China promoveu e financiou tratados comerciais e de investimento com mais de 50 países do Pacífico Asiático (exceto Japão e os EUA), além de países africanos e europeus.
A liderança chinesa sob o presidente Xi Jinping lançou campanha efetiva, em larga escala, contra a corrupção, que levou à prisão ou demissão de mais de 200 mil empresários e funcionários públicos, incluídos bilionários e alguns dos mais altos membros do Politburo e do Comitê Central do PCC. Como efeito dessa campanha nacional as compras de artigos de luxo declinaram consideravelmente. A prática de usar fundos públicos em elaborados jantares de vários pratos, e o ritual de trocar presentes está em declínio.
Verdade é que, apesar das campanhas políticas para 'drenar o pântano' e do sucesso de plataformas populistas, nada nem remotamente assemelhado ao que se vê na China, como campanha anticorrupção, acontece nos EUA ou no Reino Unido, apesar de incontáveis matérias nos jornais e televisões, envolvendo centenas de grandes bancos de investimento no mundo anglo-norte-americano. A campanha anticorrupção que a China conduziu pode também ter contribuído para reduzir as desigualdades. Com certeza obteve amplo apoio dos operários e camponeses chineses.
Jornalistas e acadêmicos, que vivem de papaguear os generais anglo-norte-americanos e da OTAN, alertam que o programa militar da China representaria ameaça direta à segurança dos EUA, Ásia e, mesmo, do resto do mundo.
Essas rãs padecem de amnésia histórica. Já ninguém lembra como o pós-2ªGuerra Mundial invadiu e destruiu Coreia e Indochina (Vietnã, Laos e Cambodia) matando mais de nove milhões de habitantes, civis e soldados e guerrilheiros que se defendiam. Os EUA invadiram, colonizaram e neocolonizaram as Filipinas na virada do século 20, matando mais de um milhão de habitantes. E continuaram a construir e expandir sua rede de bases militares para cercar a China. Recentemente transferiram poderosos mísseis THADD armados com ogivas nucleares para a fronteira da Coreia do Norte, de onde podem atacar cidades da China e até da Rússia. Os EUA são os maiores exportadores de armas do mundo, ultrapassando a produção e venda, somadas, dos cinco outros maiores mercadores de morte.
Em contraste, a China não atacou unilateralmente, invadiu ou ocupou qualquer país, já há séculos. Não instalou mísseis nucleares junto à costa ou às fronteiras dos EUA. Não tem nenhuma, nem uma, base militar no exterior. As próprias bases militares, no Mar do Sul da China, lá estão para proteger suas rotas marítimas vitais, contra piratas e contra a marinha militar armada dos EUA, cada dia mais provocadora. O orçamento militar chinês, que aumentará apenas 7% em 2017, mesmo assim é inferior a ¼ do orçamento militar dos EUA.
Por seu lado, os EUA promovem as mais agressivas alianças militares, apontam mísseis guiados por satélite e radar contra China, Irã e Rússia, e ameaça destruir a Coreia do Norte. O programa militar chinês sempre foi e continua a ser defensivo. A ampliação é efeito da incansável provocação pelos EUA. O interesse da China pelo império norte-americano é função de uma estratégia global de negócios e mercado; Washington só tem estratégia militar imperialista concebida e executada para impor pela força a dominação norte-americana global.
Conclusão
As rãs da intelligentsia ocidental coaxam sem parar, alto e há muito tempo. Pavoneiam-se e fazem pose de caçadores infalíveis de todas as moscas universais – mas nada produzem de aproveitável, em termos de análise objetiva.
A China enfrenta problemas sociais, econômicos e estruturais sérios, mas cultiva a boa prática de sempre enfrentá-los sistematicamente. Os chineses estão decididos a aprimorar sua sociedade, sua economia e seu sistema político, seguindo seus próprios termos. Procuram resolver problemas imensamente desafiadores, e recusam-se a sacrificar a própria soberania nacional e o bem-estar do próprio povo.
No confronto contra a China como competidor mundial capitalista, a política oficial dos EUA é cercar a China com bases militares e ameaçar quebrar a economia chinesa. Como parte dessa estratégia, a mídia-empresa ocidental e os ditos 'especialistas' amplificam os problemas da China e minimizam os próprios problemas.
Diferente da China, os EUA já caíram para menos de 2% de crescimento anual. Os salários estagnaram por décadas; salários reais e padrões de vida decaem sem parar. Os custos de educação e saúde explodem rumo à estratosfera, e a qualidade desses serviços vitalmente importantes declinam dramaticamente. Os custos crescem, o desemprego cresce e a taxa de suicídio entre os trabalhadores já começou a aumentar. É absolutamente vital que o ocidente reconheça os impressionantes avanços da China, para aprender com eles, recolher deles o que possa e promover localmente padrão similar de crescimento positivo com redução da desigualdade. Para promover a paz e a justiça na Ásia, é essencial que os EUA aprendam a cooperar com a China.
Infelizmente, o ex-presidente Obama e o atual presidente Trump escolheram, ambos, a via da confrontação militar e da agressão. Os dois mandatos de Obama marcaram o recorde absoluto de guerras fracassadas, crises financeiras, prisões abarrotadas e padrões de vida doméstica das famílias sempre em declínio. Fato é que, por mais barulho que façam, ainda que coaxem orquestradamente e em uníssono, as rãs ocidentais não mudarão o mundo real.*****
* "Grande Salto Adiante" foi campanha lançada por Mao Tse-Tung, 1958-1960, para tornar a República Popular da China uma nação desenvolvida e socialmente igualitária em tempo recorde, acelerando a coletivização do campo e a industrialização urbana [NTs].
** LÊNIN, V. I. U., Oeuvres. Paris. Éditions Sociales, 1959-1969, p. 118-119, apud BENSAÏD, Daniel (2002), "Os saltos! Os saltos! Os saltos!", Sobre Lênin e a Política, trad. Gustavo Chataignier Gadelha, Caderno Cemarx n. 7, 2014, p. 247, visitado dia 26/3/2017 (Epígrafes acrescentada pelos tradutores) [NTs].
Fonte: http://petras.lahaine.org