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Diário Liberdade
Quinta, 30 Março 2017 15:12

Esconder-se nos converte em cúmplices

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Ilka Oliva Corado

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Muitos preferimos viver em nossa bolha e fechar os olhos para a realidade, ficar na passividade, virar para o outro lado, guardar silêncio. Isso a respeito da corrupção do governo e da ineficácia de um Estado falido. Isso em relação à violência sistemática e à impunidade. Ao tráfico de influência e à manipulação dos meios de comunicação. Preferimos ficar à margem da injustiça, porque é mais cômodo não se envolver, porque envolver-se exige respeito a si mesmo e aos outros e sobretudo honestidade, responsabilidade e integridade.


E não estamos preparados para rifar a pele pelos outros, não aprendemos de solidariedade e de coletividade. Acreditamos falsamente que nunca ocorrerá conosco, que isso só acontece com os outros, com os que estão metidos em confusões.

O sistema nos preparou ao longo das gerações para baixar a cabeça e obedecer aos patrões capitalistas; respondemos somente ao direito de nosso próprio nariz, vamos à universidade para nos convertermos em enchadas e esculpir a mão de quem nos deu de comer. O sistema educativo nos prepara para estafar e tiranizar; por um diploma que muito bem poderia servir de papel higiênico em qualquer emergência, ou para acender o fogo para ferver o feijão em qualquer aldeia, acreditamos que somos intocáveis e com o direito de menosprezar e assaltar a quem menos tem. E nos honramos em roubar com o respaldo da lei. Para isso somos profissionais. À merda!

Amassamos fortunas pensando que quando nos isolamos não nos vão levar a caixa, ou pior ainda, acreditando-nos imortais. Entre mais dinheiro e mais diplomas, vamos nos tornando mais imbecis, robotizados, marionetes, acresentando nossa insensibilidade. Então acreditamos que viver é ter um relógio de marca, a roupa de moda, o carro de último modelo, as amizades compradas e obedientes, contatos nas altas esferas da sociedade, as viajens pelo mundo; pregamos nossa falsa felicidade para que outros nos louvem, nos invejem e nos respeitem. Vivemos como o capitalismo quer: imbecis, sem critério próprio, ruins, títeres que o estafador de turno pode manipular.

Enquanto nos mantêm ocupados com um televisor que a alguém lhe ocorreu que seria o anzol perfeito para sugar cérebros, ou enquanto fanfarronamos com nosso carro novo, com o armário cheio de sapatos, crendo-nos exitosos; poderosas transnacionais secam e envenenam a água de nossos rios. Só porque a alguém sem ofício lhe ocorreu manipular a massa mundial fazendo-os crer que certos minerais são valiosos fora das entranhas da terra. Tudo tem seu habitat natural e não devemos tocá-lo, porque não nos pertence, estamos nesta terra só de passagem. E ocultamos essa hipótese com nosso silêncio e não só, também comprando esse minerais que só pertencem às entranhas da terra. Somos cúmplices do ecocídio mundial que as minerações ocasionam e do trabalho escravo, porque bem sabemos que milhares de pessoas ao redor do mundo seguem sendo exploradas e violentadas pelo tráfico de minerais: os diamantes de sangue são um exemplo e os mineiros que morrem soterrados.

Em que momento permitimos que existissem espécies em perigo? Por que não fazemos justiça e nos extinguimos nós mesmos como humanos, que somos os que estamos acabando com o planeta. Os governos de característica neoliberal oprimem os Povos Originários, um genocídio lento de mais de 500 anos. Nós escondemos com nosso silêncio, somos cúmplices. Porque a não sei a quem lhe ocorreu que umas etnias por serem distintas entram na categoria de pessoas, enquanto outram passam como animais de carga. Nunca nos perguntamos, e se eu estivesse em seu lugar? Ou simplesmente saber que a diversidade nos engrandece como humanidade.

Em volta da esquina, no outro lado do cerco, a meia quadra, de dia e de noite, a violência institucionalizada realiza limpezas sociais nas periferias; meninas, meninos e adolescentes amanhecem assassinados e torturados, e nós comodamente coçando a pança dizemos sem pudor: “alguma coisa andavam aprontando”. Escondemos porque julgamos com nossos pré-conceitos frutos de um sistema patriarcal e de castas, como sociedade de mente colonizada que faz alarde de seu racismo e classismo.

Máfias poderosas de caráter internacional infestam a sociedade em que vivemos, estão em todos os lados: esportes, televisão, rádio, escola, governo, sistema. Desconfiadamente as vemos passar e procuramos não fazer ruído para que não nos vejam. À margem, com as pernas tremendo de medo e covardia, observamos como devastam o país, mas se há petiscos da festa e compartilham conosco, celebramos o assalto e acariciamos o saque. Seguimos alimentando o patriarcado que tanto dano nos faz como humanidade, porque a uns quantos lhes beneficia e se estamos entre os beneficiados então soltamos o fio. A mesma coisa que a impunidade.

Sigamos pensando, ingenuamente, que estamos fora do sistema e que nosso mundo é outro, que nossa bolha é intocável, que nunca conheceremos a dor da injustiça, sigamos abusando da natureza, sigamos sendo insensíveis e desumanos. Sigamos com nossos pré-conceitos, assaltando com nossos títulos universitários. Sigamos vendo desconfiadamente, com a boca caladinha. Sigamos ocultando com nosso silêncio e passividade, sigamos sendo cúmplices de sistemas patriarcais, injustos, corruptos, manipuladores e opressores.

E como dizemos na Guatemala, sigamos assim, crendo que somos uma beleza.

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