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Diário Liberdade
Sábado, 13 Mai 2017 01:48 Última modificação em Sexta, 12 Mai 2017 20:39

Lula, o martírio e o impasse do condomínio do poder

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Roberto Bitencourt da Silva

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[Roberto Bitencourt da Silva] A figura da vítima, do sujeito martirizado, perseguido e acossado pelo poder é um arquétipo muito poderoso no imaginário dos povos ocidentalizados e cristianizados.


Grandes personagens na literatura, líderes políticos icônicos e indivíduos santificados no universo religioso, são frutos daquele imaginário.

No dia a dia, quantas vezes não nos pegamos torcendo por um time de futebol mais frágil tecnicamente, por um personagem cinematográfico em posição, tendencialmente, desfavorável em relação ao meio em que se desenvolve a narrativa?

Pois é. A estrutura associada de poder nacional e gringo que manda em nosso País está conseguindo incluir o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva naquele panteão vitimizado (e por isso glorificado) de personagens políticos. Deliberadamente, mas a contragosto.

​A seletividade das ações judiciais, dos enquadramentos e das pautas do noticiário dos conglomerados de comunicação é por demais evidente. Somente Lula interessa. Um “demônio” a ser exorcizado.

O depoimento prestado pelo ex-presidente da República, na quarta-feira, representou mais um capítulo da seletividade judicial-midiática. Como também, da fragilidade do propósito de enquadrar Lula sob o ponto de vista da moralidade privada e criminal.

Essa operação, além de arbitrária, por nada ter sido comprovado, politicamente tem sido um tiro no pé das vestais protoudenistas da “moralidade” e do “combate à corrupção”.

Não convence a amplas parcelas da população, sobretudo a expressivas frações das classes trabalhadoras populares e medianas. E tem permitido a construção da imagem arquetípica do martirizado e perseguido. A seguir a perseguição, o ex-presidente sairá mais forte, com uma imagem divinizada.

É verdade, a seletividade e as perseguições podem satisfazer o sadismo de sabor elitista de muitos setores da sociedade brasileira, notadamente de faixas da pequena e da alta burguesia, que nunca engoliram um nordestino de origem pobre e proletária na mesa da casa grande.

Mas, isso implica em um importante impasse para o poder econômico e as oligarquias políticas: de um lado, dão sequência às ações persecutórias a Lula, suspendem as eleições e fecham de vez o País – tendo que lidar com todas as consequências possíveis, como uma acentuada instabilidade social e sanções ou desgastes na cena internacional.

Se forem realizadas eleições no ano que vem, é muito difícil que Lula não vença.

De outro lado, a estrutura de poder engole a contragosto o sapo barbudo – mantendo as eleições e a participação de Lula nelas – e procura um acordo com o ex-presidente, para tentar alcançar um meio termo entre os direitos sociais garantidos pela Constituição violada e a agenda ultrarreacionária que está impondo ao povo.

Fazer esse tipo de costura entre os de baixo e os de cima, há décadas, tem sido o feijão com arroz da prática política de Luiz Inácio. Importante frisar: os governos do ex-presidente sequer arranharam algum interesse do bloco de poder enraizado no Brasil e no exterior.

Ampliou o mercado consumidor e aqueceu a economia, em meio à elevação dos preços e das compras internacionais de commodities, dentro das linhas demarcatórias do capitalismo subordinado e dependente, subalterno na divisão internacional do trabalho.

Contudo, todas as ações e bandeiras desfraldadas pelos setores conservadores e entreguistas, na grande mídia comercial, nas entidades empresarias representativas do agronegócio e das multinacionais (Fiesp e Firjan, à frente), os bancos etc., nos últimos anos, têm demonstrado um furor privatista, colonizante e vende-pátria que ultrapassa as características da trajetória de Lula. Talvez seja incompatível mesmo com os limites conciliatórios do ex-presidente.

O impasse para o poder é claro. É decisivo acompanhar os seus cálculos e as suas iniciativas e artimanhas.

Todavia, às classes subordinadas e às forças progressistas cumpre, fundamentalmente, encetar ações que proporcionem ao Povo Trabalhador ser alçado à condição de sujeito político.

Isto é, ator com capacidade de escolha e iniciativa, organizado e mobilizado, à revelia dos arranjos do poder, para que não fiquemos como meros objetos hiperespoliados a reboque do condomínio vende pátria, antipopular, burguês e oligárquico.

Roberto Bitencourt da Silva – historiador e cientista político.

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