O derradeiro debate antes da segunda volta das eleições presidenciais em França foi o último acto de uma farsa grotesca: Macron, que alguns queriam que fosse a alternativa ao fascismo, assumiu-se como o banqueiro que é e cantou loas à austeridade e à destruição das funções sociais do Estado; já Le Pen, não precisou de se assumir como a fascista que é: bastou-lhe recordar os franceses de que duas décadas a evitar a Frente Nacional votando no neo-liberalismo foram duas décadas a ir de mal para pior.
A estratégia de votar à direita (seja ela qual for) para evitar a extrema-direita tem sido o passaporte da Frente Nacional para o poder, o que pode acontecer já nestas presidenciais ou nas próximas legislativas. De eleição para eleição, à medida que o mal menor é cada vez pior, o mal maior vai parecendo menos mau do que parecia há 20, 70 anos.
E se não for desta que o fascismo ganha, que hipócrita se poderá espantar quando, em 2022, uma França exausta de viver cada vez pior decida não votar no próximo Macron? É que a responsabilidade por essa tragédia estará bem distribuída entre todos os que mantêm a lata de, uma e outra vez, apelar a que se escolha o murro no estômago para evitar o pontapé na cara. Como Hillary Clinton não pôde travar Trump, é uma questão de tempo até um Macron não conseguir travar esta ou outra Le Pen.
A tarefa histórica dos que verdadeiramente querem evitar o fascismo é recusar intransigentemente aquilo a que os ingleses chamam uma «escolha de Hobson»: a liberdade de escolher algo mau para evitar algo equivalentemente tão mau que, no fundo, não há escolha coisíssima nenhuma. A democracia não se salva travestindo-a de «escolha de Hobson» e o fascismo só se trava com uma alternativa que, para ser credível, não pode ser patrocinadora dos mesmos governantes de sempre e já sem qualquer credibilidade. Em França, a luta dos trabalhadores é a terceira volta. Os seus interesses não cabem nas urnas da segunda.
Fonte: http://manifesto74.blogspot.com