Na manhã do passado dia 7, Brian Easley, de 33 anos, entrou num balcão do Wells Fargo em Cobb, um subúrbio de Atlanta, na Geórgia, EUA, e anunciou que tinha a mochila cheia de explosivos. Depois, pediu às duas trabalhadoras que chamassem a polícia e telefonou para o canal de televisão local, a WSB-TV, e comunicou o ponto único da lista de exigências: 892 dólares.
«Tiraram-me o subsídio e já não tenho nada», explicou à estação de TV. «Vou ficar na rua. Não tenho para a comida. Não tenho nada. Já não tenho dinheiro para sobreviver até ao fim do mês». À editora Stephanie Steiger, numa emissão em directo que se prolongou por 45 minutos, Easley garantiu que não iria magoar as duas reféns: «já lhes disse que se for detonar a bomba, deixo-as sair primeiro. Estas senhoras estão a ser muito simpáticas e estão a ajudar-me, a apoiar-me», disse. Uma promessa confirmada mais tarde pelas duas trabalhadoras, que o descreveriam como «respeitoso» e «gentil». Mas Brian Easley tinha uma bomba e estava transtornado. Enquanto o banco era cercado pelas forças especiais e os franco-atiradores se instalavam nos telhados, o veterano protestava contra o corte do subsídio que lhe fora atribuído por mazelas sofridas durante a guerra do Iraque.
Segundo-cabo dos fuzileiros navais, Easley combateu entre 2003 e 2005, os anos mais sangrentos da invasão. Quando regressou à Geórgia, trabalhou num armazém, mas o salário não lhe permitia arrendar casa e teve de voltar para casa dos pais. Pouco tempo depois, divorciou-se. Contou à pivô que queria estudar cinema, mas não havia dinheiro: só havia dinheiro para mais uma noite no motel. Depois, ficava na rua. Ao negociador do FBI repetiu a mesma exigência: a devolução do subsídio de que precisava para viver e ajudar a filha de oito anos. «O subsídio é meu! Eu continuo ferido!», repetia. É que para além das feridas, as físicas, que lhe valeram o subsídio, Brian trouxera outras, mais profundas, que se mantiveram mesmo depois do Departamento de Assuntos dos Veteranos o considerar recuperado. Mais tarde, soube-se que, dias antes, Easley procurara ajuda psiquiátrica num hospital. O hospital chamou a polícia, que o arrastou para a rua.
Uma definição de terrorismo
Passavam-se as horas e o impasse permanecia sob os holofotes dos helicópteros e das objectivas: nem Easley anuía em soltar os reféns sem que lhe devolvessem o subsídio nem o negociador cedia. Para a maior máquina de guerra do mundo, cujo orçamento bélico para 2018 ultrapassa os 639 mil milhões de dólares, o veterano negro não valia 892 dólares. Já cumprira o seu propósito ‒ podia desaparecer, como os 128 mil veteranos que, desde 2001, se suicidaram. Ou podia não desaparecer, como os 50 mil veteranos que vivem nas ruas ou os dois milhões que sobrevivem abaixo do limiar da pobreza.
Segundo uma versão, descrita pelo portal WSWS, Brian soltou as reféns imediatamente antes da polícia o matar. A polícia desmente. Certo é que um carro blindado arrombou a porta do banco e as metralhadoras dos SWAT dispararam centenas de balas. Brota o sangue de nascentes às dúzias. Alaga o mármore, que não brilha menos por isso. O corpo arrefece. Missão cumprida? Quase. Cá fora, as câmaras captam a procissão de robôs, barreiras e armaduras dos especialistas em demolições, minas e armadilhas. Mas dentro da mochila de Brian Easley não há bombas, nem explosivos, nem pistolas, nem armas químicas, nem ditaduras. Há uma pedra. Não uma pedra certeira, como a que judiciosamente abateu Golias; não uma pedra mágica, como as filosofais que conferem imortalidade aos alquimistas que as levam na mochila; não uma pedra que mudasse o mundo, como o Onfalo embrulhado em roupas que tragou Cronos julgando devorar um filho; não uma pedra que gritasse por justiça e rugisse à polícia como a Lia Fáil dos reis irlandeses; nem sequer uma pedra grande, como o Uluru esculpido por milenárias serpentes aborígenes. Só uma pedra. Normal, igual a todas. Já deixaram os reféns o banco. Que a pedra detone. E o mundo mude.
*Este artigo foi publicado no “Avante!” nº 2276, 13.07.2017