Um ponto de ônibus com dois ou três cobradores, um grande planalto na costa do lixão do barranco do mercado, o qual, com o tempo, converteram na base de boladas no campo de futebol do povoado. Ciudad Peronia era o rosto vivo da miséria e o esquecimento. Fazia divisa com a aldeia La Selva y el Calvario, mais acima ao pé das montanhas verdes se instalou uma base militar, soldados em sua maioria do oeste do país, que mal falavam espanhol, meninos brincalhões que nunca tivemos medo. Meninos que, ao passar dos anos, íamos vender sorvetes, salsichas, atoles [bebidas típicas da América Central] e choco bananos [doce da mesma região] e eles nos pagavam no final do mês.
Nessa época começamos a vender sorvete nos mercados, nas escolas, nas aldeias, no destacamento, ou onde fosse. Tínhamos apenas para comer torta com sal e caldo de feijão toda semana, não se tocava nos feijões porque tinha que fervê-los e jogar água para o dia seguinte.
Nos dias de sorte, meu pai chegava com um pouco de dinheiro extra e me levava à La Terminal para comprar vísceras de vaca, o caldo de patas era o manjar daquela época. Mas eram raridades, ocorriam de vez em quando.
Nossa casa era um bloco de madeira, com um portão de tela dividíamos nosso quarto da cozinha. Em uma cama de metal que tinha um pé coxo dormíamos os quatro filhos da Lila e do Guayo, até às 3 da madrugada, quando lavantávamos para fazer o trabalho da casa e praparar a venda, já havíamos molhado o lençol e urinado na roupa. Cubríamos as portas e das janelas com pedaços de papelão.
O chão era de cimento onde caminhavam cabras, galinhas, patos, cães, aí mesmo engatinhavam os caçulas. Uma mesa de madeira e um fogão de três fornos era tudo o que tínhamos na cozinha. Dois ou três bagulhos. Além de uma metade de tonel que servia de caldeirão, onde minha mãe fazia as tortas e nos ensinava a prepará-las. Quando as tortas saíam em forma de sandalhas (dizia minha Nanoj [mamãe]) as tirava do comal a meio cozidas e voltava a colocar na massa para que voltássemos a fazê-las até que saíssem como ela queria. Como tortas e como toda a nossa cara (dizia minha Nanoj).
Os caçulas recém-nascidos pareciam uns franguinhos, brancos como o leite, íamos para a aldeia às quatro da manhã para comprar-lhes um litro de leite de vaca, recém ordenhada, só para eles, não dava para mais ninguém.
Uma tarde chegou um ônibus que diziam tinha sido enviado pelo governo e que tínhamos que ir à rua Usumancita para nos registrar para que nos dessem comida, produtos da cesta básica. Sem avisar minha Nanoj, pegamos caminho para o lugar e nos inscrevemos, dissemos quantos membros haviam na família e do que trabalhava meu pai, davam a comida racionada dependendo o número de membros da família e se os pais trabalhavam ou só um deles.
Naquela tarde chegamos em casa emocionados, com uma bolsa de milho amarelo, uma lata de presunto, uma lata de queijo amarelo e um saco de leite em pó, quando minha mãe nos viu chegar com nossas onze ovelhas nos perguntou de onde havíamos tirado tudo isso, lhe explicamos emocionados, e minha mãe se enfureceu tanto que ao típico estilo de Jutiapa, agarrou a vassoura e nos gritou: Filhas da grande puta, vocês não são pobres, não têm necessidade, têm trabalho, tem gente que precisa disso de verdade! Vocês vão devolver essa comida se não quiserem apanhar!
Sem tempo para reagir, saímos correndo de volta e em um instante já estávamos no lugar devolvendo a comida. Iriam nos dar aquela ração uma vez por mês, mas aí mesmo fizemos com que nos apagassem da lista. Eram filas e filas de gente que acabavam de chegar, esperando que lhes dessem os alimentos.
Naquela eu soube que a carência em que vivíamos não era pobreza, era só escassez, que havia gente vivendo na miséria, gente realmente necessitada daquelas bolsas de alimentos.
E desde pequena aprendi, minha Nanoj me ensino com o cabo da vassoura na mão. Me ensinou a ver à minha volta. Nunca esqueci.