Publicidade

Diário Liberdade
Quinta, 09 Novembro 2017 15:20 Última modificação em Quinta, 09 Novembro 2017 15:33

Semeando utopias

Avalie este item
(1 Voto)
Joao

Clica na imagem para ver o perfil e outros textos do autor ou autora


O silêncio da mídia brasileira a respeito do falecimento de Daniel Viglietti no último dia 31 é assustador, mas não contingente. Mais um caso que reflete, apesar da sua posição geográfica, o quão longe o Brasil ainda está da cultura hispano-americana. Essa postura de “isolamento” e rechaço com relação àquilo que é produzido nos países vizinhos gera o desconhecimento, por parte de nós, brasileiros, dos diversos sistemas simbólicos cultivados na região latino-americana, fortalecendo preconceitos.

Nascido no Uruguai, Viglietti dedicou sua vida a “semear sementes de utopia”, como registrou o ex-presidente José Mujica. Ao lado de nomes como Alfredo Zitarrosa, Violeta Parra, Atahualpa Yupanqui, Chico Buarque, Elis Regina, Silvio Rodrigues, Víctor Jara e Mercedes Sosa, Viglietti foi um dos maiores cantores da América Latina que, com sua voz e seu violão, entoou palavras carregadas de sonhos e de esperança de um mundo melhor.

Cancioneiro militante, Viglietti se ocupou de intervir na história latino-americana denunciando as opressões que pesam sobre a pátria latina. Quem não se lembrará de sua emocionante aparição em Manágua [1], capital da Nicarágua, em plena década de 1980, com seu violão cantando “A desalambrar”?

Por meio século, a voz de Viglietti rompeu as fronteiras dos continentes, levando com ele a imagem de um Uruguai, de uma América Latina que enfrentou as mais cruéis circunstâncias históricas. Cantou a escravidão pela canção anônima caribenha Duerme negrito, interpretada também por Atahualpa Yupanqui, a velha e nova colonização pelos versos de La senda está trazada, a força do povo latino em Canción para mi América.

A alienação do trabalho no modo como se estrutura a produção também foi tema dos versos de Viglietti em Mi matan si no trabajo, além, é claro, dos horrores dos regimes ditatoriais em diversas canções e interpretações, sendo ainda mais conhecido e emocionante o recital A dos voces [2], apresentado pela primeira vez em 1978, no México, no qual Viglietti canta suas músicas e Mário Benedetti recita seus poemas de maneira intercalada e por temas afins.

Seu compromisso com as lutas populares da região e sua canção militante, levaram Viglietti a permanecer por mais de uma década no exílio. Nos mais de cinquenta anos em que se dedicou à musica, mesclou as formas e os diversos conteúdos de uma realidade igualmente cambiante, sempre registrando sua crença na humanidade, nos jovens, estudantes e nos trabalhadores.

Aos setenta e oito anos Viglietti nos deixa para se juntar a outros nomes da cultura latina e revolucionários que pertenceram a uma época não tão distante, mas da qual restam poucos. Um violão e uma voz que foram capazes de semear utopias possíveis e que, mais cedo ou mais tarde, irão se realizar.

*João frequentou o curso de Ciência Política e Sociologia da Universidade da Integração Latino-Americana, Unila. Atualmente é estudante de Direito da PUC-SP e militante político.

Notas

[1] “Concierto por la paz en centroamerica”. Abril de 1983:  https://www.youtube.com/watch?v=BBWVQF8C0yQ

[2] O primeiro recital é de 1978, mas outros foram gravados em diversos países da América Latina e Europa. É possível conferir tanto o livro de Mário Benedetti “Canciones del más acá” (Editora Seix Barral, 1993) como o recital organizado em 2002 pela Universidade de Alicante, na Espanha, disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=gCHCbtPDbno

Diário Liberdade é um projeto sem fins lucrativos, mas cuja atividade gera uns gastos fixos importantes em hosting, domínios, manutençom e programaçom. Com a tua ajuda, poderemos manter o projeto livre e fazê-lo crescer em conteúdos e funcionalidades.

Doaçom de valor livre:

Microdoaçom de 3 euro:

Adicionar comentário

Diário Liberdade defende a discussom política livre, aberta e fraterna entre as pessoas e as correntes que fam parte da esquerda revolucionária. Porém, nestas páginas nom tenhem cabimento o ataque às entidades ou às pessoas nem o insulto como alegados argumentos. Os comentários serám geridos e, no seu caso, eliminados, consoante esses critérios.
Aviso sobre Dados Pessoais: De conformidade com o estabelecido na Lei Orgánica 15/1999 de Proteçom de Dados de Caráter Pessoal, enviando o teu email estás conforme com a inclusom dos teus dados num arquivo da titularidade da AC Diário Liberdade. O fim desse arquivo é possibilitar a adequada gestom dos comentários. Possues os direitos de acesso, cancelamento, retificaçom e oposiçom desses dados, e podes exercé-los escrevendo para diarioliberdade@gmail.com, indicando no assunto do email "LOPD - Comentários".

Código de segurança
Atualizar

Quem somos | Info legal | Publicidade | Copyleft © 2010 Diário Liberdade.

Contacto: diarioliberdade [arroba] gmail.com | Telf: (+34) 717714759

O Diário Liberdade utiliza cookies para o melhor funcionamento do portal.

O uso deste site implica a aceitaçom do uso das ditas cookies. Podes obter mais informaçom aqui

Aceitar