Esta foi uma medida habitual, tomada pelas nações colonizadoras para impor a sua cultura ao povo dominado, tornando os seus elementos de identidade - a língua e as leis - obrigatórias e prioritárias. Gandhi, na luta pacífica pela independência da India, propôs a desobediência civil à Lei que proibia a produção nacional do sal indiano para que fosse importado o do Império Britânico.
A história dos Supremos Tribunais é muito esclarecedora do poder das leis usado como armas de dominação. Assim foi a do Tribunal da Inquisição, no final da Idade Média, que condenou à fogueira, entre tantos outros que contestaram os dogmas (leis engessadas) da Igreja, a Giordano Bruno, em 1600, quem dava um grande impulso à ciência universal minando o poder retrógrado da religião. Esta eliminação produziu um atraso, em anos e séculos, ao desenvolvimento da ciência retomada por Galileu, Kepler, Espinoza, Bacon, Descartes, Newton, Kant e uma plêiade de filósofos, físicos e matemáticos que desvendaram o conhecimento propiciando a evolução da humanidade. Giordano Bruno terá dito ao juiz que o condenou à morte: "Certamente você tem agora mais medo que eu!" E a história provou que sim (se é que o juiz tinha consciência da traição à Justiça que estava a ser cometida).
A Justiça hoje paira como uma exigência suprema, mas os elementos de que se compõe são as leis, cujas interpretações, feitas no interessa da elite, abrem caminhos diversificados e dependentes de condições alheias ao princípio inicial. Vemos hoje, em muitos paises, que as discussões jurídicas se eternizam anos a fio, são esquecidas pelo povo e os processos empoeiram-se nas gavetas sob o acúmulo de milhões de novos casos, até prescreverem. Ao contrário, um furto de alimento por alguém desempregado e pobre enfrenta uma lei férrea que não admite interpretações porque contraria princípios éticos ou leis morais eternas.
O sistema capitalista, à medida em que se torna dominante e imperial, defende os seus interesses com a mentira repetida várias vezes até parecer verdade. A mídia multiplica a sua difusão acrescentando dados ilusórios que criam um contexto aparentemente verídico. Isto permite que um juiz de primeira instância faça a condenação sem provas concludentes de um personagem "a ser abatido politicamente". O processo segue o seu curso - que se supõe imparcial, de investigação dos fatos para comprovar a condenação com Justiça - até chegar ao Supremo Tribunal que enfrenta o dilema de desacreditar o sistema judicial vigente e liberar o personagem a ser abatido por contrariar os interesses da elite dominante. Nessa altura a Justiça fecha os olhos e a boca.
Um antigo filme italiano de Pepino de Felipe apresentava com grande realismo "Um dia na vida de um juiz". Ele passara o dia tendo de condenar: uma velha prostituta por atentado à moral, um idoso famélico que matara o gato do vizinho para comer, e outros casos derivados da miséria e da incapacidade de arranjar emprego ou socorro social. No fim do dia o juiz volta ao seu gabinete onde havia um busto de Cícero e uma frase lapidar sobre a Justiça gravada a ouro no mármore. O juiz, transtornado pelas condenações historicamente "injustas" que pronunciou, brada a Cícero: "Você andava de biga, tinha escravos, nada entende da Justiça em um mundo que se pretende democrático!
Fonte: Vermelho.