As ofensas morais são essencialmente crimes económicos e sociais. O abuso sexual é só um aspecto de dinâmicas sociais que facilitam o aumento da desigualdade e concentração de riqueza, as quais definem as práticas e valores do sistema político e económico americano.
Os bilionários e mega-milionários são eles próprios produtos da exploração intensa de dezenas de milhões de trabalhadores assalariados isolados e não organizados. A exploração capitalista está baseada numa hierarquia rígida com suas prerrogativas privadas, as quais permitem aos oligarcas exigirem seus privilégios feudais, suas predações sexuais senhoriais.
O capitalismo estado-unidense prospera e exige poder ilimitado e a capacidade de ter o tesouro público a pagar pela sua pilhagem desimpedida da terra, do trabalho, dos sistemas de transporte e do desenvolvimento tecnológico. O poder capitalista, nos Estados Unidos, não tem contrapartidas; há poucas, se é que algumas, forças para dar qualquer equilíbrio.
Hoje, 93% dos trabalhadores do sector privado dos EUA não têm representação organizada. Além disso, muitos dos 7% que estão em sindicatos são controlados e explorados por responsáveis sindicais corruptos – em aliança com o patronato.
Esta concentração de poder produz o contínuo aprofundamento das desigualdades entre o mundo dos bilionários e os milhões de trabalhadores de baixos salários.
As tão celebradas inovações tecnológicas têm sido subsidiadas pelo estado e suas instituições educacionais e de investigação. Embora estas sejam financiadas pelos contribuintes, os cidadãos-trabalhadores são marginalizados pelas mudanças tecnológicas, como a robótica, que eles originalmente financiaram. Inovações de alta tecnologia florescem porque elas concentram poder, lucros e privilégio privado.
A matriz hierárquica de poder e exploração levou à polarização das taxas de mortalidade e dos códigos morais. Para os trabalhadores pobres, a ausência de cuidados de saúde competentes levou à utilização maciça e ao abuso da prescrição de opiáceos e outras drogas viciantes. Para a classe alta, levou ao flagrante abuso físico e psicológico de empregados vulneráveis, especialmente, mas não exclusivamente, mulheres trabalhadoras jovens. Os prestigiosos media da burguesia obscurecem a polarização de classe com a constante referência ao que denominam "nossos valores democráticos partilhados".
A generalizada e crescente vulnerabilidade de trabalhadores de ambos os sexos coincide com a incorporação das mais recentes inovações tecnológicas na produção, distribuição e promoção. Isto inclui avanços electrónicos e digitais, inteligência artificial, robótica e vigilância extensiva sobre trabalhadores, os quais incorporam altos lucros para os investidores e longas horas de degradante trabalho monótono para os que manufacturam e transportam os "produtos".
A proliferação da nova tecnologia tem crescido em relação directa com a degradação do trabalho e a marginalização e banalização de trabalhadores. A Amazon e Walmart aproximam-se dos triliões de dólares de receitas vindos do consumo em massa, ainda que com a aceleração chaplinesca da corrida de humanos robotizados para atenderem noite e dia à entrega de encomendas. A indústria do entretenimento distrai a população transversalmente às linhas de classe com ofertas cada vez mais vulgares e violentas, ao passo que os barões do cinema entretêm-se com jovens trabalhadoras – as quais são despersonalizadas e mesmo violadas.
A imoralidade mais chocante revela-se por vezes e é condenada, enquanto as vítimas são temporariamente celebradas pela sua coragem em protestar. Os piores predadores pedem desculpa, desistem dos seus iates e mansões e são substituídos por novas encarnações com os mesmos poderes e as mesmas estruturas em vigor que facilitaram o abuso. Políticos correm a abraçar as vítimas numa espécie de " Síndrome de Munchausen por Procuração" dos políticos e dos media quando alguém considera o seu próprio papel como facilitador desta desumanização.
O problema não é meramente de canalhas individuais corruptos e pervertidos: É a hierarquia da desigualdade que produz e reproduz uma oferta infindável de trabalhadores vulneráveis para explorar e abusar.
As formas mais avançadas de entretenimento vicejam num ambiente de absoluta impunidade no qual a revelação ocasional de abuso ou corrupção é ocultada atrás de um pagamento monetário. A coragem de uma vítima individual capaz de atrair atenção pública é um passo em frente, mas terá maior significado se for organizada e ligada a um desafio maciço ao poder da indústria do entretenimento burguês e ao sistema de exploração de alta tecnologia. O abuso sexual de um indivíduo no lugar de trabalho é apenas parte de uma cadeia que começa com a exploração dos trabalhadores em geral e só pode ser travada através da sua organização colectiva.
Pode alguém dizer com uma cara séria dizer que os EUA permanecem uma nação de cidadãos livres e autónomos? A servidão e a degradação moral são o resultado de uma classe trabalhadora atomizada e impotente que pode [apenas] mudar de um patrão para outro ou de um presidente vulgar para um moralista hipócrita. Esperamos que as denúncias iniciem algo, mas sem organizações com consciência de classe não sabemos o que surgirá.
Fonte: Resistir.