“A essência do trotskysmo consiste, antes de mais, na negação da possibilidade de edificar o socialismo na URSS pelas forças da classe operária e do campesinato no nosso país. O que é que isso significa? Significa que se, num futuro próximo, o apoio da revolução mundial vitoriosa não chegar, teremos de capitular diante da burguesia e abrir o caminho à república democrática burguesa. Portanto, temos aí uma negação burguesa da possibilidade de edificar o socialismo no nosso país, negação mascarada por uma frase revolucionária sobre a vitória da revolução mundial”. Stálin 1930.
No ano passado por ocasião dos 100 anos da Revolução Russa ocorreram diversos debates envolvendo intelectuais, estudantes, trabalhadores e militantes partidários por todo o país.
Há uma certa narrativa sobre a Revolução de Outubro que sintomaticamente teve hegemonia dentre as diversas forças de esquerda no país a partir da derrocada da URSS e com o fortalecimento em nível global do neoliberalismo. Tal narrativa basicamente entende que a Revolução Russa evoluía no sentido do Socialismo até Lênin e seu afastamento por enfermidade da direção do partido para, com Stálin, observar-se um processo contra-revolucionário que resultaria num “estado operário degenerado”. Estamos obviamente nos referindo à narrativa dos trotskystas, havendo alguns que levaram esta delirante versão ao cúmulo do irracionalismo: nos anos 1920 da Rússia Soviética, em plena guerra civil contra as potências imperialistas da entente e seus prepostos capitalistas russos, estaria o poder soviético a caminho de passar por uma restauração capitalista. Indivíduos trotskystas como Tony Cliff e Alex Callinicus[2] advogam que na etapa em que Stálin e seus camaradas dirigiram a URSS houve a consolidação naquele país de um “capitalismo de estado[3]”. Ora para haver capitalismo, deve haver propriedade privada dos meios de produção (o que não era o caso) e luta de classes entre trabalhadores e burguesia (o que pela lógica deveria supor que a URSS saída da revolução de Outubro, trincheira a partir da qual evoluem novas revoluções por todo o mundo, sempre com o apoio decisivo da III Internacional, que esta nação era tão capitalista quanto seus mais encarniçados inimigos). Enquanto alguns trotskystas falam numa burocracia no poder, outros chegam a sugerir que o Partido Comunista e a sua direção transformaram-se numa classe social, e mais, numa classe social burguesa em luta contra os trabalhadores. Trabalhadores russos que na prática seguiram os comunistas sob Lênin e sob Stálin em sua maioria, não só na Rússia, mas no movimento comunista internacional.
Felizmente, em decorrência de fatores que envolvem a própria desmoralização de forças políticas trotskystas nas lutas concretas aqui no Brasil, cada vez mais se observa como a narrativa supracitada ganha menos peso e se constata que Stálin é a solução de continuidade de Lênin. Stálin foi um dirigente político extremamente lúcido e coerente com o leninismo: se Lênin foi o maior dos ortodoxos em face de Marx, ler as intervenções de Stálin é compreender que o mesmo foi o maior dos leninistas ortodoxos.
Tróstky não foi um bolchevique da velha guarda como Stálin que ainda em 1903, junto à fração leninista, já atuava politicamente no Cáucaso, especialmente em ações práticas que envolviam expropriação de bens da burguesia através de assaltos e ações armadas. Stálin é preso em Batum de onde foge e dirige-se a Tíflis em 1904 onde é levado à frente do Comitê do Partido Operário Social Democrata do Cáucaso.
É absurdo dizer que Trótsky seria a solução de continuidade de Lênin quando o primeiro adveio da ala menchevique, polemizou publicamente a vida toda com Lênin, com posições e concepções antagônicas em vários momentos – os dois tinham opiniões distintas sobre a Guerra Imperialista, sobre a questão da Paz com a Alemanha, sobre o papel dos camponeses na luta revolucionária – aliás não só na Rússia mas também na Revolução Chinesa, donde Trótsky subestima a etapa democrático burguesa da Revolução.
Trótsky apenas ingressou no partido bolchevique em Agosto de 1917 e, em que pese ter participado da insurreição de Outubro, intimamente não acreditava na vitória da revolução soviética sem a correspondente vitória dos trabalhadores contra a burguesia nos países adiantados do ocidente.
Lênin polemizou com Trotsky acerca da questão sindical, sua opinião era diferente do “ex-menchevique” no sentido de que os sindicatos longe de se reduzirem ao tradeunismo e às lutas econômicas, deveriam ser uma “Escola de Comunismo” – por sinal, as greves políticas que estouraram na Rússia na etapa revolucionária de 1905-7 num nível espantoso obrigou o Czar a conceder 4 diferentes Dumas .
A política de boicote a Duma foi defendida tanto por Lênin quanto por Stálin:
“Duas condições são necessárias a uma boa tática social-democrática: a primeira é que não deve estar em contradição com o curso da vida social e a segunda é que deve elevar cada vez mais o espírito revolucionário das massas.
A tática da participação nas eleições está em contradição com o curso da vida social, uma vez que a vida mina os alicerces da Duma e a participação nas eleições reforça-a e portanto se contrapõe à vida”. Stálin 1906
De qualquer modo, a narrativa predominante de que Trótsky corresponderia a um caminho justo da revolução e, pior, seria a solução de continuidade de Lênin revela-se como falaciosa diante das atividades do “ex-menchevique” em sua “oposição de esquerda”. Como se sabe a Revolução Russa deu-se em meio a 4 anos de Guerra Mundial e 3 anos de Guerra Civil, com a Intervenção Militar da Entente, guerras com a Finlândia e Polônia e a contra revolução interna representada por Anton Ivanovich Denikin que chegou a marchar sobre Moscou e o terrível Kolchak uma espécie de versão russa piorada de Adolf Hitler. Há de se constatar que os revolucionários em pouco tempo tiveram que criar um exército, o exército vermelho, considerando que a revolução envolvia a destruição do aparato-repressivo ideológico do estado capitalista, incluindo a desmobilização do antigo exército – os vermelhos tiveram que lutar começando um exército do zero. A fome assolava as cidades com as ferrovias paradas e o boicote do trigo e a sua especulação pelos proprietários rurais. Neste contexto de guerra civil, quando a unidade dos trabalhadores e a mais sólida disciplina partidária exigiam que o partido se colocasse como verdadeiramente um Estado Maior do proletariado na guerra contra os imperialistas e a reação, nesta conjuntura, Trótsky, em 1923, lança carta pública denunciando o CC do partido e dizendo que a direção proletária levaria o país à ruína – uma intervenção no mínimo ultra-divisionista.
Em 7 de Novembro quando do aniversário da Revolução Russa os trotskystas ousaram fazer uma manifestação contra o poder soviético. Consta que os próprios operários de Moscou desmascararam estes inimigos da revolução e expulsaram-nos literalmente da manifestação. Ainda em 1927 Trótsky e Zinoviev foram expulsos do partido e desde então o “ex-menchevique” desenvolveu atividades anti-soviéticas em Rússia e no exterior. Seus correligionários discutiram com a Alemanha e o Japão fascistas a possibilidade de uma guerra contra a URSS o que geraria a restauração capitalista em Rússia e a tomada de poder pela “oposição” – Stálin refere-se aqui a uma mudança qualitativa do trotskysmo de fração interna do movimento operário a um instrumento objetivamente contra-revolucionário, à serviço do imperialismo. Aliás, ainda quando esteve na oposição Trótsky reivindicava a possibilidade da criação das frações no partido, rompendo inteiramente com a essência do modelo leninista de partido que mantém a unidade (sem ser monolítico) baseando sua intervenção na teoria revolucionária de Marx e, importante, na auto-crítica constante.
Poucos dirigentes da história mundial do movimento comunista foram tão caluniados e injuriados como Stálin: a direita e os imperialistas hoje chegam ao ponto de equipararem-no à Hitler quando se sabe que foi o exército vermelho “estalinista” que destruiu militarmente o nazi-fascismo granjeando a URSS após a II Guerra Mundial o respeito e a admiração de proletários no mundo inteiro, colocando o capitalismo numa crise em que se viu obrigado a construir o Estado de Bem Estar Social – concessões para impedir novas Revoluções de Outubro.
Em que pese haver claramente uma nova tendência de resgatar e reivindicar corretamente Stálin como patrimônio de grandes homens que deram contribuição decisiva ao socialismo, ainda grassa entre nós as narrativas falaciosas dos grupos trotskystas. Iniciativas como a legalização do PCR (partido que reivindica Stálin) e a publicação das obras completas de Stálin pela editora Nova Cultura são dois indicativos de mudanças.
Ler as intervenções de Stálin significa quebrar mitos, ressignificar o desenvolvimento da Revolução Russa, compreender tanto a importância do vasto desenvolvimento industrial e militar da URSS quanto a relação entre as vitórias do socialismo sob Stálin e a concepção do socialismo num só país que é o verdadeiro internacionalismo leninista contra o “internacionalista” Trótsky. O internacionalismo de Trótsky era o resultado da sua não convicção na possibilidade de um país como Rússia avançar em direção ao socialismo sem o socorro do movimento internacional – e assim os trabalhadores não deveriam lutar e caminhar em direção ao socialismo, inclusive como norte ou trilha a ser caminhada nas frentes de trabalho e de batalha.
O Trotskysmo envolve práticas políticas como a calúnia dos adversários e uma concepção “moral” ou “teológica” do marxismo, extremamente vulgar, com ideias nada originais (como a concepção de “revolução permanente”[4] que se chocou com as 3 etapas distintas da Revolução em China, ou mesmo com a experiência de fevereiro e outubro em Russa).
É preciso avançar no trabalho de esclarecimento acerca da: (i) história da Revolução Russa e os seus desdobramentos ao longo do século XX; (ii) a prática objetiva política de Trótsky o que não se confunde com os seus pronunciamentos; (iii) um estudo acurado de Stálin, de seus textos, especialmente sobre a Questão Nacional, que oferecem ideias originais e se desdobram até em artigo sobre linguística[5]; (iv) e finalmente a conclusão inevitável que é a rejeição total de Trotsky e do trotskysmos nas suas mais variadas vertentes.
[1] Textos Lidos: “Como a Social-Democracia considera a Questão Nacional?” 1904; “A Duma de Estado e a Tática da Social Democracia” 1906; “Marx e Engels Sobre a Insurreição” 1906; “A Luta de Classes” 1906; “Fortalece-se a Reação” – 1905; “Anarquismo ou Socialismo” 1907; “A RADA Ucraniana” 1917; “A Independência da Finlândia” 1917; “Carta a V. I. Lênin” 1918; “Relatório a V I Lênin” 1919; “A Frente de Petrogrado” 1919. “O Novo Ataque da Entente Contra a Rússia” 1920. “Três anos de Ditadura do proletariado” 1920. "Sobre o Marxismo na Linguística" 1950
[2] Ligado ao partido SWP (Socialist Workers Party) britânico, uma espécie de PSOL inglês.
[3] Talvez os defensores desta tese nunca pararam para refletir que o Estado é capitalista, o Direito é especificamente capitalista e que não existe “capitalismo” sem “estado”.
[4] O conceito é de Marx e Trótsky o deturpa em benefício de sua política vacilante.
[5] Aqui se quebra outro mito: o de que Stálin era despreparado teoricamente em face do cosmopolita e intelectual Trótsky, o camponês dominava o marxismo-leninismo de forma invulgar.