Leandro Karnal, professor de história da Unicamp, parece desconhecer a história da União Soviética. O texto que publicou hoje, 1º de março de 2017, é tão ruim que merece ser admirado.
Primeiro, começa por saudar a Quaresma e o início do ano em Brasília, ano esse que começa depois do carnaval. Em seguida, passa a falar do centenário da Revolução Russa. O fio que une as duas coisas é mais fino que um fio de cabelo: o mês de março.
E o que ocorreu no mês de março cem anos atrás? O início da Revolução Russa, que segundo o autor representou a substituição do governo autoritário do Czar pelo governo autoritário dos comissários do povo. E, ao mesmo tempo em que a Rússia se transformava numa potência industrial, praticava um genocídio na Ucrânia.
Essa observação revela duas coisas. Primeiro, a falta de rigor histórico; segundo, a covardia que a maior parte dos intelectuais revela que, ao tratarem das lutas operárias, das lutas dos povos oprimidos, nunca deixam de adotar uma posição centrista e acabam, invariavelmente, colocando-se do lado do opressor.
Sobre o primeiro ponto — já tratamos em matéria anterior —, é preciso lembrar que não houve nenhum genocídio na Ucrânia. Primeiro porque simplesmente não existia Ucrânia. Tanto a Ucrânia quanto o Krêmlin faziam parte da União Soviética. O alegado genocídio teria sido um massacre dos russos sobre os ucranianos. Mas ucraniano é invenção ocidental, é algo que existe apenas hoje, com o desmembramento da União Soviética. Além disso, é preciso lembrar aos historiadores apressados que a Rússia nasceu em Quieve, hoje capital da Ucrânia.
O que ocorreu, na verdade, foi o confisco de grãos promovido pela política de coletivização forçada de Stálin, política essa destinada a combater a especulação de preços dos cereais promovida pelos cúlaques, ou camponeses ricos, que não distribuíam os cereais à espera de que o preço subisse. Foram eles, e não a política de Stálin que provocaram a fome, não apenas nas terras férteis da Ucrânia, mas em toda a União Soviética.
Por outro lado, o exagerado número de mortos se deve a uma campanha promovida pelos jornais de William Randolph Hearst, o Roberto Marinho norte-americano, um fabricante de notícias. Por sinal, muito bem caracterizado como o Cidadão Kane.
Sobre o segundo ponto, vale a pena ressaltar a posição dos intelectuais de esquerda que prostram diante da agressividade da direita como se fossem capachos. Foi o que fez Ruy Fausto, em um artigo publicado na revista Piauí, no qual, postula a necessidade de a esquerda se retratar diante do mundo devido aos crimes do comunismo. Ele chega a falar em dois milhões de mortos no Campuchea (dados extraídos, sem dúvida, da Wikipedia, a qual, por sua vez, recorre ao espúrio Livro negro do comunismo).
O mesmo faz Leandro Karnal. Para ele, o comunismo soviético foi responsável por milhões de mortos. Vejam a precisão dos números. Milhões! É claro que não houve nenhuma pesquisa. É claro que se trata de um chute. E é um historiador quem escreve! E, o que é pior, é a mesma opinião advogada pelo colega dele no Jornal da Cultura, Marco Antônio Villa, que recitou essas mesmas besteiras quando o jornal anunciava a morte de Fidel Castro.
Mas o caso de Karnal não é do fascista Marco Antônio Villa, e sim o da esquerda em geral. Uma esquerda que se acovarda diante de acusações. Uma esquerda que procura reavaliar suas ações, desculpar-se, ou, quando muito, explicar que as coisas não foram bem assim, etc.
É a atitude dos covardes. A esquerda tem que ter, como única justificativa de seus atos, a bandeira que carrega, a causa pela qual luta. É justo ou não é defender o trabalhador, defender o miserável, defender aquele que é explorado pelo patrão, discriminado na sociedade, massacrado pela polícia e pelo Estado burguês?
Se essa luta for justa, e ela é, não há por que se redimir. Nada há por que se desculpar. Não serão os dados históricos, forjados na falsidade da imprensa burguesa e dos historiadores burgueses que nos acovardarão. Se nem a polícia, nem o Estado, nem a fábrica nos metem medo, por que um sujeito que aparece na televisão, e que se acovarda diante da burguesia, haverá de nos calar?