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Diário Liberdade
Segunda, 25 Junho 2018 00:00

O curioso caso do silêncio da esquerda sobre Julian Assange

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John Pilger

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[John Pilger e Dennis J Bernstein] Numa comunicação recente entre Randy Credico (produtor de rádio e apoiante de Assange) e Adam Schiff (membro do Comité Judiciário da Câmara dos Representantes), o temor de Assange de prisão e extradição para os EUA foi confirmado pelo líder da histeria Russia-gate.


Credico recebeu a seguinte resposta de Schiff após a reunião com a equipe do congressista, na qual Credico tentava ligar Assange a Schiff: "Nosso comité estaria desejoso de entrevistar Assange quando ele estiver sob a custódia dos EUA e não antes".

Dennis Bernstein conversou com John Pilger, um amigo próximo e apoiante de Assange em 29 de Maio. A entrevista começou com a declaração de Bernstein apresentada por Pilger no Fórum Esquerda no último fim-de-semana em Nova York num painel dedicado a Assange intitulado: "Russia-gate e WikiLeaks".

Declaração de Pilger

"Há um silêncio entre muitos que se consideram esquerda. O silêncio é Julian Assange. Quando todas as falsas acusações caíram por terra, quando todas as falsificações sujas se mostraram ser trabalho de inimigos políticos, Julian levanta-se vingado como um dos que revelaram um sistema que ameaça a humanidade. O vídeo Dano Colateral, os registos de guerra do Afeganistão e do Iraque, as revelações do Cablegate, as revelações da Venezuela, as revelações dos email de Podesta ... este são apenas algumas das tempestades de verdade bruta que explodiram através das capitais das potências opressoras. A falsificação do Russia-gate, a conivência de uma media corrupta e a vergonha de um sistema legal que persegue os que contam a verdade e não foi capaz de conter a verdade bruta das revelações da WikiLeaks. Eles não venceram, ainda não, e eles não destruíram o homem. Só o silêncio das pessoas boas permitirá que vençam. Julian Assange nunca esteve tão isolado. Ele precisa do vosso apoio e da vossa voz. Agora mais do que nunca é tempo de exigir justiça e o direito de livre expressão para Julian. Obrigado.

Dennis Bernstein: Continuamos a nossa discussão do caso de Julian Assange, agora na embaixada equatoriana na Grã-Bretanha. John Pilger, é bom conversar consigo outra vez. Mas é uma tragédia profunda, John, o modo como eles estão a tratar Julian Assange, este jornalista e editor prolífero de quem muitos outros jornalistas dependeram no passado. Ele foi deixado totalmente no frio para defender-se por si próprio.

John Pilger: Nunca vi algo assim. Há uma espécie de silêncio misterioso em torno do caso de Julian Assange. Julian foi inocentado de todos os modos possíveis e ainda está isolado como poucas pessoas estão nestes dias. Ele está desligado das próprias ferramentas da sua actuação, não lhe são permitidos visitantes. Estive em Londres recentemente e não pude vê-lo, embora falasse com pessoas que o tinham visto. Rafael Correa, o antigo presidente do Equador, disse recentemente que encarava o que estão agora a fazer a Julian como tortura. Foi o governo Correa que deu refúgio político a Julian, o qual foi agora traído pelo seu sucessor, o governo liderado por Lenin Moreno, o qual está outra vez absorvido pelos Estados Unidos conforme a tradição, com Julian como pião e vítima.

Deveria ser um "Herói constitucional"

Mas realmente isto deve-se basicamente ao governo britânico. Embora ele ainda esteja numa embaixada estrangeira e realmente tenha a nacionalidade equatoriana, o seu direito de passagem para fora da embaixada deveria ser garantido pelo governo britânico. O Grupo de Trabalho sobre Detenções Arbitrárias das Nações Unidas ( Working Group on Arbitrary Detention ) deixou isso claro. A Grã-Bretanha tomou parte numa investigação, a qual determinou que Julian era um refugiado político e que uma grande perversão da justiça lhe fora imposta. É muito bom que esteja a fazer isto, Dennis, porque mesmo nos media não convencionais há este silêncio acerca de Assange. As ruas do lado de fora da embaixada estão virtualmente vazias, mas deveriam estar cheias de pessoas a dizerem estamos consigo. Os princípios envolvidos neste caso são claríssimos. O número um é o da justiça. As injustiças feitas a este homem são legião, tanto em termos do falso processo sueco como agora no facto de que ele deve permanecer na embaixada e não pode deixá-la sem ser preso, extraditado para os Estados Unidos e acabar num buraco infernal. Mas é também acerca da liberdade de expressão, acerca do nosso direito a saber, o qual está cristalizado na Constituição dos Estados Unidos. Se a Constituição fosse adoptada literalmente, Julian seria realmente um herói constitucional. Ao invés disso, entendo a acusação que eles estão a tentar cozinhar como uma acusação de espionagem! É demasiado ridículo. Esta é a situação tal como a vejo, Dennis. Não é uma situação feliz, mas sim uma situação a que o povo deveria acorrer rapidamente.

DB: Os seu irmãos jornalísticos parecem-se com os seus perseguidores. Eles querem apoiar aberrações como o congressista Adam Schiff do Russia-gate e como Mike Pompeo, os quais gostariam de ver Assange na prisão para sempre ou mesmo executado. Como é que responde a jornalistas que actuam como perseguidores, alguns dos quais utilizaram o seu material para escrever notícias? Este é um tempo terrível para o jornalismo.

JP: Você está absolutamente certo. É um tempo terrível para o jornalismo. Nunca vi uma coisa assim na minha carreira. Dito isto, não é novo. Sempre houve um chamado media mainstream o qual realmente representa o grande poder nos media. Isto sempre existiu, particularmente nos Estados Unidos. O Prémio Pulitzer deste ano foi concedido a The New York Times e The Washington Post por caça a feiticeiras em torno do Russia-gate! Eles foram louvados pela "profundidade das suas investigações". As suas investigações não mostraram nem um fragmento de prova real a sugerir qualquer intervenção russa séria na eleição de 2016.

Tal como Webb

O caso Julian Assange recorda-me o caso Gary Webb. Bob Parry foi um dos poucos apoiantes de Gary Webb nos media. A série "Aliança negra" de Webb continha evidência de que o tráfico de cocaína estava em curso com a conivência da CIA. Posteriormente Webb foi perseguido por colegas jornalistas e, incapaz de encontrar trabalho, acabou por cometer suicídio. O Inspector-Geral da CIA justificou-o posteriormente. Agora, Julian Assange está muito distante de atentar contra a sua própria vida. A sua resiliência é notável. Mas ele ainda é um ser humano e tem sido massacrado.

Provavelmente o que é mais duro para ele é a absoluta hipocrisia das organizações noticiosas – como The New York Times, o qual publicou "Registos de guerra" e "Cablegate" da WikiLeaks, The Washington Post e The Guardian, os quais tomaram uma vingança deliciosa a atormentar Julian. Mas a sua cobertura de Snowden deixou-o em Hong Kong. Foi a WikiLeaks que conseguiu tirar Snowden de Hong Kong e pô-lo em segurança.

Profissionalmente, considero isto uma das coisas mais repugnantes e imorais que já vi na minha carreira. A perseguição a este homem por enormes organizações de media que extraíram grandes benefícios da WikiLeaks. Um dos grandes atormentadores de Assange, Luke Harding de The Guardian, ganhou muito dinheiro com uma versão Hollywood de um livro que ele e David Lee escreveram e no qual basicamente atacam a sua fonte. Suponho que seja preciso ser psiquiatra para entender tudo isto. O meu entendimento é que muitos destes jornalistas estão envergonhados. Eles percebem que WikiLeaks fez o que eles deveriam ter feito há muito tempo e que é dizer-nos como os governos mentem.

DB: Uma coisa que me perturba muito é o modo como a imprensa corporativa ocidental especula acerca do envolvimento russo na eleição estado-unidense de 2016, que foi um golpe (hack) através de Julian Assange. Qualquer investigador sério desejaria saber quem seria motivado para isso. E ainda a possibilidade de que possa ser a dúzia ou mais de pessoas irritadas que foram trabalhar para a máquina da Clinton e aprenderam dali de dentro que o DNC [Comité Nacional Democrático] fazia tudo para se livrar de Bernie Sanders... isto não faz parte da narrativa!

Oitocentas mil revelações sobre a Rússia

JP: O que aconteceu a Sanders e o modo como ele foi esmagado pela organização da Clinton, toda a gente sabe que isto é a notícia. E agora temos o DNC a processar a WikiLeaks! Há uma espécie de elemento farsesco nisto. Quero dizer, nada disto veio dos russos. Que a WikiLeaks de algum modo estivesse na cama com os russos é ridículo. A WikiLeaks publicou cerca de 800 mil grandes revelações acerca da Rússia, algumas delas extremamente críticas do governo russo. Se você for um governo e fizer algo inconveniente ou estiver a mentir ao seu povo e a WikiLeaks obtiver os documentos para mostrá-lo, eles publicarão não importa quem seja você, seja dos Estados Unidos ou da Rússia.

DB: Randy Credico, devido ao seu trabalho e à sua decisão de dedicar uma série de artigos à perseguição de Julian Assange recentemente encontrou-se ele próprio sob ataque. Ele foi a um churrasco para a imprensa na Casa Branca e, depois de ter uma linda discussão com o congressista Schiff, ele gritou: "E sobre Julian Assange?" A sala estava cheia de reporters mas Randy foi atacado e arrastado para fora. Era como se toda a gente ali ficasse embaraçada ao reconhecer que um dos seus irmãos estava a ser brutalizado.

JP: Randy gritou algumas verdades. Isto é muito semelhante ao que aconteceu a Ray McGovern. Ray é um antigo membro da CIA mas um homem com princípios. Posso sugerir que agora ele é um renegado.

DB: Era histérico observar estes quatro guardas armados que se mantiveram a gritar "Pare de resistir, pare de resistir!" enquanto lhe batiam de modo infernal!

JP: Penso que a imagem de Ray a ser arrastado foi particularmente tocante. Estes quatro pesos-pesados, obviamente jovens mal treinados a tratarem Ray com grosseria, o qual tem 78 anos. Para mim houve algo extremamente emblemático quanto a isso. Ele enfrentou até ao desafio o facto de que a CIA estava prestes a entregar a sua liderança a uma pessoa que fora encarregada das torturas. É tanto chocante como surreal, o que naturalmente o caso Julian Assange também é. Mas o jornalismo real deveria ser capaz de penetrar o chocante e o surreal e contar a verdade. Há demasiado conluio agora, com todos estes desenvolvimentos sombrios e ameaçadores. É quase como se a palavra "jornalismo" estivesse a tornar-se deteriorada.

DB: Há certamente um bocado de conluio quanto a Israel. Assim, a palavra "conluio" é bastante apropriada.

JP: Esse é o conluio final. Mas é conluio através do silêncio. Nunca houve um conluio como este entre os EUA e Israel. Isto sugere uma outra palavra e esta é "imunidade". Há uma imunidade moral, uma imunidade cultural, uma imunidade geopolítica, uma imunidade legal e certamente uma imunidade dos media. Vemos o tiroteio sobre mais de 60 pessoas no dia da inauguração da nova embaixada dos EUA em Jerusalém. Israel tem algumas das mais perversas munições experimentais do mundo e eles dispararam-nas sobre o povo estava a protestar contra a ocupação da sua pátria e tentava recordar o povo da Nakba e o direito de retorno. Nos media isto foi descrito como "choques". Embora aquilo se tornasse tão mau que The New York Times numa edição posterior mudou a manchete da sua primeira página para dizer que Israel estava realmente a matar pessoas. Um momento raro, na verdade, em que a imunidade, o conluio, foi interrompido. Toda a conversa sobre o Irão e armas nucleares sem qualquer referência à maior potência nuclear no Médio Oriente.

DB: O que você diria acerca das contribuições feitas por Julian Assange nesta era de censura e covardia no jornalismo? Onde é que isto entra no quadro?

JP: Penso que representa algo de modo fundamental para a informação. Se remontar à época em que a WikiLeaks começou, quando Julian estava assente no seu quarto de hotel em Paris começando a montar tudo, uma das primeiras coisas que ele escreveu foi que há uma moralidade na transparência, que temos o direito de conhecer o que aqueles que pretendem controlar as nossas vidas estão a fazer em segredo. O direito a conhecer o que os governos estão a fazer em nosso nome – em nosso favor ou no nosso prejuízo – é o nosso direito moral. Julian sentia isso muito apaixonadamente. Houve momentos em que ele podia ter-se comprometido ligeiramente a fim de possivelmente ajudar na sua situação. Houve vezes em que lhe disse: "Por que você simplesmente suspende aquilo por um momento e concorda com isso?". Naturalmente, eu sabia antecipadamente o que seria a sua resposta e esta era "não". A enorme quantidade de informação que veio da WikiLeaks, particularmente nos últimos anos, representou um extraordinário serviço público. Eu estava a ler outro dia na WikiLeaks um telegrama de 2006 da Embaixada dos EUA em Caracas dirigido a outras agências na região. Isto foi quatro anos depois de os EUA tentarem livrar-se de Chavez através de um golpe. Ali se pormenorizava como a subversão deveria actuar. Naturalmente, eles vestiam isso como um trabalho de direitos humanos e assim por diante. Eu lia este documento oficial a pensar como a informação contida nele valia por anos da espécie de reportagem distorcida vinda da Venezuela. Também nos recorda que a chamada "intromissão" da Rússia nos EUA é apenas insensatez. A palavra "intromissão" não se aplica à espécie de acção implicada neste documento. Ela é a intervenção nos assuntos de outro país.

A WikiLeaks tem feito isso por todo o mundo. Ela dá às pessoas a informação a que elas têm direito. Elas têm o direito de descobrir a partir dos chamados "Registos de guerra" ("War Logs") a criminalidade das nossas guerras no Afeganistão e no Iraque. Elas têm o direito de descobrir acerca do Cablegate. Foi quando, numa observação da Clinton, soubemos que a NSA estava a reunir informação pessoal sobre membros do Conselho de Segurança das Nações Unidas, incluindo os números dos seus cartões de crédito. Você pode ver porque Julian Assange fez inimigos. Mas ele também deveria ter um enorme número de amigos. Isto é informação crítica pois ela nos diz como o poder funciona e nunca aprenderemos o suficiente acerca disso. Penso que a WikiLeaks abriu um mundo de transparência e deu substância à expressão "direito a conhecer". Isto deve explicar porque ele é tão atacado, porque está tão ameaçado. Para a grande potência o inimigo não são tipos do Taliban, somos nós.

DB: E quem pode esquecer a divulgação do filme "Assassinato colateral" de Chelsea Manning?

JP: Essa espécie de coisa não é incomum. O Vietname pretendia ser a guerra aberta, mas realmente não era. Não havia as câmaras em torno. É na verdade informação chocante mas ela informa o povo e devemos agradecer à coragem de Chelsea Manning por isso.

DB: Sim, e graças a isso ele ficou sete anos em confinamento solitário. Eles querem processar Assange e talvez enforcá-lo nas vigas do Congresso, mas e quanto a Judith Miller e The New York Times que põem o ocidente em guerra? São infindáveis os exemplos horrendos do que passa por ser jornalismo, em contraste com a admirável contribuição feita por Julian Assange.

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