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Diário Liberdade
Sábado, 30 Novembro 2019 22:57

As mentiras acerca de Assange têm de parar já

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John Pilger

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Jornais e outros media nos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Austrália declararam recentemente uma paixão pela liberdade de expressão, especialmente pelo seu direito de publicar livremente. Eles estão preocupados com o "efeito Assange".


É como se a luta dos que dizem a verdade, como Julian Assange e Chelsea Manning, fosse agora uma advertência para eles: que os bandidos que em Abril arrastaram Assange para fora da embaixada equatoriana possam algum dia chegar a eles.

Um refrão comum foi reflectido pelo Guardian na semana passada. A extradição de Assange, diz o jornal, "não é uma questão de quão sensato é o sr. Assange, muito menos de quão afável. Não é acerca do seu carácter, nem do seu juízo. É uma matéria de liberdade de imprensa e do direito do público de saber".

O que o Guardian está a tentar fazer é separar Assange dos seus feitos notáveis, os quais tanto fizeram o Guardian lucrar como revelaram a sua própria vulnerabilidade, bem como a sua propensão para bajular o poder rapinante e enlamear aqueles que revelam os seus duplos padrões.

O veneno que tem alimentado a perseguição a Julian Assange não é tão óbvio neste editorial como habitualmente; não há ficção acerca de Assange emporcalhar com fezes as paredes da embaixada ou de ser abominável para com o seu gato.

Nils Melzer. Ao invés disso, as menções mistificatórias ao seu "carácter" e "juízo" e "afabilidade" perpetuam uma difamação monstruosa que agora tem quase uma década. Nils Melzer, o Relator das Nações Unidas sobre Tortura, utilizou uma descrição mais adequada. "Tem havido", escreveu ele, "uma implacável e desenfreada campanha de assédio público". Ele explica o assédio como "um fluxo infindável de declarações humilhantes, acanalhadas e ameaçadoras na imprensa". Esta "acumulação ridícula" equivale a tortura e poderia levar à morte de Assange.

Tendo testemunhado muito do que Melzer descreve, posso atestar a verdade das suas palavras. Se Julian Assange vier a sucumbir às crueldades despejadas sobre ele, semana após semana, mês após mês, ano após ano, como advertem médicos, jornais como o Guardian partilharão a responsabilidade.

Há poucos dias, o homem do Sidney Morning Herald em Londres, Nick Miller, escreveu um artigo preguiçoso e especioso intitulado, "Assange não foi inocentado, ele simplesmente evadiu-se à justiça". Ele estava a referir-se ao abandono pela Suécia da chamada investigação Assange.

A reportagem de Miller não é atípica pelas suas omissões e distorções enquanto mascara-se como um tribuno dos direitos das mulheres. Não há trabalho original, nenhuma investigação real: apenas difamação.

Não há nada no comportamento documentado de um punhado de fanáticos suecos que deturparam as "alegações" de má conduta sexual contra Assange e fizeram uma zombaria da lei sueca e da louvada decência da sociedade.

Ele não menciona que em 2013 o promotor sueco tentou abandonar o caso e enviou um email ao Serviço de Acusação da Coroa (Crown Prosecution Service, CPS), em Londres, a dizer que não mais prosseguiria um Mandado Europeu de Prisão (European Arrest Warrant), ao qual ela recebeu a réplica: "Não ouse!!!" (Obrigado a Stefania Maurizi, de La Repubblica ).

Outros emails mostram que o CPS desencorajou os suecos de virem a Londres para entrevistar Assange – o que era prática comum – bloqueando portanto o progressos que podia tê-lo posto em liberdade em 2011.

Nunca houve uma acusação formal. Nunca houve acusações. Nunca houve uma tentativa séria de fazer "alegações" a Assange e questioná-lo – comportamento que o Tribunal Sueco de Recursos considerou ser negligente e que o secretário-geral da Associação Sueca de Advogados condenou.

Ambas as mulheres envolvidas disseram não ter havido violação. As evidências escritas críticas das suas mensagens de texto foram deliberadamente retidas aos advogados de Assange, porque minavam claramente as "alegações".

Uma das mulheres ficou tão chocada com a prisão de Assange que acusou a polícia de impor-se à força e de mudar o seu depoimento como testemunha. A promotora chefe, Eva Finne, afastou a "suspeita de qualquer crime".

O homem do Sydney Morning Herald omite como um político ambicioso e comprometido, Claes Borgstrom, emergiu por trás da fachada liberal da política sueca e efectivamente agarrou e ressuscitou o processo.

Borgstom alistou uma antiga colaboradora política, Marianne Ny, como a nova promotora. Ny recusou-se a garantir que Assange não seria enviado para os Estados Unidos se ele fosse extraditado para a Suécia, muito embora, como informou The Independent, "discussões informais já tivessem se verificado entre os EUA e responsáveis suecos sobre a possibilidade de o fundador da WikiLeaks, Julian Assange, ser entregue à custódia americana, segundo fontes diplomáticas". Isto era um segredo aberto em Estocolmo. Que a libertária Suécia tivesse passado negro e documentado de entregar (rendering) pessoas às mãos da CIA não era novidade.

O silêncio foi rompido em 2016 quando o United Nations Working Party on Arbitrary Detention, um organismo que decide se governos estão a cumprir suas obrigações de direitos humanos, determinou que Julian Assange estava ilegalmente detido pela Grã-Bretanha e conclamou o governo britânico a libertá-lo.

Tanto o governo britânico como o sueco fizeram parte da investigação da ONU e concordaram em obedecer à sua determinação, a qual tinha o peso de lei internacional. O secretário britânico dos Estrangeiros, Philip Hammond, levantou-se no Parlamento e insultou o painel da ONU.

O caso sueco foi uma fraude desde o momento em que a polícia secretamente e ilegalmente contactou um tablóide de Estocolmo e desencadeou a histeria que era para consumar Assange. As revelações da WikiLeaks dos crimes de guerra da América envergonharam os serviçais do poder e seus interesses escusos, os quais se intitulavam jornalistas. E, por isto, o insociável Assange nunca seria esquecido.

Estava agora aberta a estação de caça. Os media atormentadores de Assange copiavam e colavam as mentiras uns dos outros e as suas injúrias. "Ele é realmente o mais excremento (turd) mais maciço", escreveu no Guardian a colunista Suzanne Moore. A voz corrente era que ele fora acusado, o que nunca foi verdade. Na minha carreira, fazendo reportagens a partir de lugares em extrema comoção, sofrimento e criminalidade, nunca conheci qualquer coisa como isso.

Na pátria de Assange, a Austrália, este "assédio" ("mobbing") atingiu o auge. Tão ansioso estava o governo australiano por entregar o seu cidadão aos Estados Unidos que a primeira-ministra em 2013, Julia Gillard, quis retirar-lhe o passaporte e acusá-lo de um crime – até que lhe fosse apontado que Assange não havia cometido nenhum crime e que ela não tinha o direito de retirar-lhe sua cidadania.

Julia Gillard, segundo o sítio web Honest History , mantém o recorde do discurso mais bajulatório já feito no Congressos dos EUA. A Austrália, disse ela para o aplauso, era a "grande alma gémea" da América. A alma gémea entrou em conivência com a América na sua caçada a um australiano cujo crime era o jornalismo. O seu direito a protecção e assistência adequada foi negado.

Quando o advogado de Assange, Gareth Peirce, e eu encontrámos dois responsáveis consulares australianos em Londres ficámos chocados porque tudo o que eles sabiam acerca do caso "é o que lemos nos jornais".

Este abandono por parte da Austrália foi a principal razão para a concessão de asilo político pelo Equador. Como australiano, considerei isto especialmente vergonhoso.

Quanto perguntado acerca de Assange, recentemente, o actual primeiro-ministro australiano, Scott Morrison, disse: "Ele deveria enfrentar a música". Esta espécie de selvageria, destituído de qualquer respeito pela verdade, pelos direitos, pelos princípios e pela lei, é porque a maior parte da imprensa na Austrália controlada por Murdoch está agora preocupada acerca do seu próprio futuro, tal como o Guardian está preocupado e The New York Times está preocupado. A sua preocupação tem um nome: "o precedente Assange".

Eles sabem que o que acontece a Assange pode acontecer a eles. Os direitos básicos e a justiça negadas a ele podem ser negados a eles. Eles foram advertidos. Todos nós fomos advertidos.

Todas as vezes que vejo Julian no mundo sinistro e surreal da prisão de Belmarsh sou recordado da responsabilidade daqueles de nós que o defendem. Há princípios universais em causa neste caso. Ele próprio teve o cuidado de dizer: "Não é por mim. É muito mais vasto".

Mas no cerne desta luta notável – e é, acima de tudo, uma luta – é um ser humano cujo carácter, repito carácter, tem demonstrado a mais espantosa coragem. Eu a saúdo.

Fonte: Resistir.

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